sexta-feira, 27 de abril de 2018

Projeção de Receita

Um dos passos mais importantes na avaliação de uma empresa é a projeção de sua receita, já que a receita é a base dos resultados da empresa.


Cada setor empresarial tem as suas particularidades, o que faz com que cada um tenha um modo diferente de projetar receitas. É possível ainda que empresas do mesmo setor tenham diferenças que tornem necessário adotar um método diferente ou ajustes drásticos no método usado em outro caso, muitas vezes por conta da diferença das informações prestadas pelas empresas.

O raciocínio básico para começar a projeção de receita é partir de uma base comparável e projetar a receita dos ativos atualmente em operação para depois acrescentar a receita adicional gerada por novos ativos. Vou usar o exemplo do varejo que é o mais simples de se entender (ao menos o conceito básico) ao longo do texto. Varejistas geram receitas através de suas lojas e o crescimento pode vir de duas fontes principais: as mesmas lojas e novas lojas. Se você está analisando o crescimento nos últimos 12 meses, deve analisar o desempenho das lojas que existem no ano ou trimestre em questão com as mesmas lojas que existiam 12 meses atrás. Essa é a métrica “vendas mesmas lojas”, em inglês “same store sales”. É possível usar outros termos como “like for like” ou outras métricas como “vendas mesmas áreas”, mas a ideia em comum é analisar o desempenho em uma base comparável. Certos varejistas de moda vendem a sua produção através de lojas franqueadas ou lojas de terceiros e pode ser necessário criar várias bases de acordo com o canal de vendas e temos duas métricas diferentes: venda ao varejo e venda ao consumidor final (sell-in e sell-out respectivamente). O comportamento dessas métricas de crescimento pode ser bem diferente, com a venda aos franqueados ou loja de terceiros podendo ser mais fracas em uma recuperação das vendas porque essas lojas ainda têm estoques adquiridos no passado, então é necessário um exame mais cuidadoso quando esse é o caso. Sobre a base comparável, acrescenta-se o desempenho das novas lojas, que irão compor a base comparável no futuro.

Uma vez criada essa base comparável, parte-se para a projeção de crescimento e aqui que entra o trabalho do analista. Várias são as possibilidades dependendo da situação da empresa. Algumas métricas de comparação são importantes como o crescimento do PIB nominal, crescimento real + inflação, desempenho do setor, desempenho passado da empresa entre outras. Um cuidado necessário é utilizar a dimensão correta, que é variações nominais a não ser que a sua análise seja em termos reais.

O desempenho do setor deve ser tomado com certo cuidado, não apenas porque a empresa pode ser muito diferente de seu setor, mas também porque esse número incorpora a abertura de novas lojas. Um setor pode estar apresentando um crescimento expressivo, a própria empresa como um todo pode crescer muito acima do PIB ou do setor, mas boa parte disso se dá por conta das novas lojas. Raciocinando com um pouco de bom senso, não é possível projetar um crescimento de 20% ao ano das mesmas lojas (considerando uma inflação de 4% ao ano) já que isso significaria que as mesmas lojas estão sempre cheias, com filas quilométricas saindo pela rua (e as pessoas aceitam passar por essas filas) ou estão operando 24 horas por dia. O crescimento de base comparável em geral é modesto, não muito longe do crescimento do PIB quando positivo, mas um momento mais favorável do setor favorece a abertura de novas lojas e, por consequência, o crescimento mais acelerado da receita.

A abertura de novas lojas tem reflexos em contas do balanço patrimonial como o capital de giro (contas a receber, a pagar e estoques), imobilizado e intangível. No imobilizado, a razão é bem simples: a abertura de novas lojas requer investimento nessas novas lojas que se reflete diretamente no Imobilizado. Para varejistas que produzem os produtos que vende (como os varejistas de moda), a relação é mais difícil já que há ativos relacionados com a produção e distribuição (fábrica, armazém logístico etc.) e ativos relacionados com a venda.

Em textos futuros, pretendo explicar o que penso sobre a projeção de receita em outros setores e considero este texto a descrição do varejo, independente do tipo de varejo. A idéia básica de partir de uma receita base gerada pelos ativos atualmente em operação e adicionar a receita de novos ativos funciona bem em diversos casos.


Apenas algumas ressalvas iniciais: vou apenas escrever sobre os setores que eu já analisei e pretendo manter o tom genérico deste texto, sem entrar em maiores detalhes sobre como operacionalizar a projeção. Sobre o segundo ponto, é menos não revelar segredos profissionais e mais o fato de que cada analista tem seus próprios métodos e eu não desejo que o leitor pense que esse é o jeito padrão ou correto de se fazer projeção. Um conhecido meu me contou sobre um trabalho em grupo na faculdade que consistia na elaboração de um plano de negócios, incluindo a avaliação financeira do projeto. No exemplo dado em sala, o professor não havia incluído o capital de giro para simplificar o exemplo. Resultado? Nenhum grupo a exceção de dois incluiu o capital de giro na análise financeira, o que claramente é um absurdo e exemplo de desastre que pode ocorrer quando os alunos mimetizam os professores. Então, para evitar um fenômeno parecido, acho melhor escrever de maneira mais genérica porque o caso concreto irá variar de empresa para empresa, de analista para analista. Nesse ponto, a pior coisa possível é adotar uma receita de bolo fornecida por alguém. Ao longo do tempo, o mesmo analista irá usar o mesmo método, com refinamentos conforme a experiência acumulada, mas o ideal é que cada um faça o seu próprio método ao invés de copiar o de outro.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Impairment, computador velho e plágio

Se a minha vida fosse uma série de TV, esse capítulo de hoje seria daqueles em que três situações se desenvolvem em paralelo, aparentemente sem conexão alguma, mas que no fundo se mostram unidas por um tema em comum.


O primeiro arco desta história é sobre o meu velho computador, montado em 2014. Fiscalmente, computadores depreciam a 20% ao ano, ou seja em 5 anos estariam 100% depreciados à taxa de 20% ao ano. Contabilmente, no entanto, o ativo pode ter uma vida útil diferente e portanto seria depreciado a uma taxa diferente daquela exigida pelo Fisco. Fiscalmente, o computador já está 85% depreciado. Em meados do ano passado, quando a depreciação acumulada seria de 75%, eu tenderia a discordar da estimativa de vida útil porque não achava que o computador funcionava a 75% de quando eu o comprei.

Na internet, há a expressão “Life comes at you fast” e no meu caso foi: “Depreciation came at me fast” e já desde os últimos meses do ano passado o computador passou a apresentar uma série de problemas, tela azul, congelamento e reiniciações indesejadas se revezando. Está em um ponto em que eu me questiono se o valor justo dele não seria 0% e não seria melhor jogar fora e comprar um novo. Teimo em tomar qualquer decisão mais drástica, estou tentando remediar, mas a situação parece só complicar, inclusive por ação minha. Em particular, a memória RAM parece ser o problema. O programa de diagnóstico do Windows não detecta nada, mas o Memtest sim e inclusive trava o computador após algum tempo de análise. A melhor decisão seria trocar logo a maldita memória RAM, mas são 4 pentes de 8 GB, não tenho muita condição de trocar todos e teimo em não admitir usar apenas 8 GB. Pensava que o problema poderia ser de software ou outro problema de hardware, o programa que analisa tela azul diz que “é um típico erro de software” e eu teimo em não tentar nada que me custe dinheiro. Outros problemas foram surgindo e agora estou com um computador que trava do nada, o Chrome não funciona, outras coisas não funcionam e está pior do que quando comecei a minha mais recente tentativa de consertá-lo.

O segundo arco deste capítulo não me diz respeito pessoalmente, mas é uma “treta” de internet que estou acompanhando. Trata-se de uma Youtuber brasileira pega copiando o roteiro de canais estrangeiros. Não é simplesmente falar do mesmo tema ou tendo as mesmas ideias, e sim falar as mesmas coisas, na mesma ordem, repetindo incluindo piadas e comparações estranhas. Tudo começou com um (1) caso de plágio, mas a situação foi se mostrando mais complicada e agora já são 6 casos e contando, incluindo um vídeo questionando se a criatividade na internet tinha acabado e um vídeo de anos atrás. Dessa forma, é de se questionar se a pessoa fez algum conteúdo original.

Acompanho esse caso desde seu início e a situação poderia ter sido resolvida logo de início com a Youtuber reconhecendo o seu erro assim que confrontada pelo primeiro plagiado que descobriu o mau feito, deletando o vídeo mencionado (e todos os outros que foram fruto de plágio) e deixando a história morrer. Já me adiantando, o tema deste capítulo é impairment, mas poderia ser gerenciamento de crises e sobre como é incrível que a pessoa confrontada com a escolha de fazer a coisa certa, a menos errada, a errada e a pior coisa possível, escolheu consistentemente a quarta opção. Se fossemos fazer um diagrama de árvore de decisões e a quarta escolha abrisse um ramo descendente, esse gráfico já estaria transbordando a parte de baixo da folha. Não apenas a pessoa se recusou a admitir o que fez, mas está negando a despeito de toda a evidência contra ela, evidência que qualquer pessoa com conhecimento de português e inglês além de cérebro e ouvidos funcionais reconheceria como irrefutável. Não apenas isso, está ameaçando pessoas que a criticam e tenta se fazer de vítima, dizendo que está sofrendo ataques. De fato, muitas pessoas a estão questionando, com maior ou menor grau de agressividade, mas tudo por conta do fato de até agora não admitir os plágios cometidos. Aquele que primeiro foi notificado que foi plagiado fez um vídeo contando sobre esse caso e mostrando comparações que não deixam dúvida de que se trata de plágio. Agora a bola está com a plagiadora, que pode enviar uma notificação de direitos autorais para derrubar esse vídeo, o que me parece que seria uma péssima decisão e poderia ter conseqüências drásticas que talvez ela nem calcule. Pelo padrão visto até o momento, as chances de a pessoa se decidir nesse sentido são bem grandes.

O terceiro arco da história é a única parte fictícia, mas tomo a liberdade poética. Imagine que eu estivesse analisando uma empresa com suspeitas de corrupção que requerem o impairment de ativos. Empresas que estiveram em uma situação parecida são as estatais Petrobras e Eletrobras, que realizaram elevadas baixas contábeis frutos da corrupção. Mas imagine nesse meu capítulo fictício que a empresa resistisse a tomar essa decisão. Se tivesse cortado o problema desde o início, nunca chegaríamos a tal crise, mas as baixas não ocorreram logo de início e agora (ficticiamente) a empresa está em confronto direto com o mercado. Se recusa a prosseguir com as baixas contábeis, insiste que os demonstrativos contábeis refletem fielmente a realidade econômico-financeira da empresa, passa a ameaçar jornalistas e analistas que tocam no assunto e se diz vítima de perseguição. A essa altura, ninguém leva a sério os demonstrativos contábeis da empresa e os analistas passam a se perguntar qual é a real dimensão das baixas contábeis necessárias já que a própria empresa não traz essa informação e passam a desconfiar de que tudo pode estar contaminado.

Neste ponto, o tema em comum já parece ficar claro para o “telespectador”. Se quiser adicionar mais um elemento nesse já complexo roteiro, imagine como pano de fundo o presidente da república sendo pego em uma gravação admitindo, no mínimo, ser conivente com o pagamento de suborno e, apesar da incontestável evidência, nega tudo. Em séries de tom mais otimista, o final do capítulo é o desfecho positivo, mas no segundo e no terceiro caso tal desfecho vem com um preço. A Youtuber e a empresa estão em uma situação de descrédito total, ninguém em sã consciência acredita em nenhuma das duas e questionamento são naturais. Depois de descobertos os maus feitos, a vida não tem como seguir normalmente até que se reconheça os erros passados. A solução para ambos os casos é o impairment: a Youtuber reconhece o seu erro, apaga todos os vídeos afetados e promete não fazer mais isso; a empresa reconhece os maus investimentos do passado, faz a baixa contábil transparentemente e segue com a vida. Nos dois exemplos que eu dei, tanto a Petrobras quanto a Eletrobras vinham cercadas de desconfianças e, entre outras coisas, deram baixas contábeis em maus investimentos de forma a mostrar balanços mais condizentes com a realidade. A melhora que as duas empresas tiveram não foi fruto apenas disso, mas deve ser revigorante deixar para trás o passado vergonhoso e seguir em frente para um futuro melhor. Tanto Petrobras quanto Eletrobras estão diante de um horizonte muito mais róseo pela sua frente, e com as decisões certas a Youtuber pode também deixar a sua atual situação e olhar para frente com mais confiança.


E o meu computador, do arco 1? Bom, ainda não estou certo de que a melhor decisão é dar uma baixa contábil completa, mas, diferente dos demais casos, ainda acredito que o ativo é recuperável. Espero não estar passando pelo mesmo auto-engano da Youtuber e da empresa fictícia do arco 3.