segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Projeção de receita de shopping centers

Prosseguindo com a série sobre projeção de receitas, irei neste texto escrever sobre shopping centers.


A receita das empresas de shopping centers vem do aluguel de suas lojas, parte fixa reajustado por índice de inflação, parte variável de acordo com as vendas da loja. Cada empreendimento gera uma receita diferente por conta de uma série de motivos, um deles diferença de área bruta locável (ABL) do shopping. As empresas de shopping centers possuem participação nos empreendimentos, raras vezes sendo uma participação integral e algumas vezes até uma participação não-controladora, embora as empresas prefiram ser controladoras para exercer influência na administração e adotar padrões e estratégias unificadas.

O crescimento da receita pode vir de cinco fontes, listada em ordem de frequência: 1) aumento da receita com os mesmos empreendimentos; 2) expansão dos empreendimentos existentes; 3) inauguração de novos empreendimentos; 4) aumento na participação dos empreendimentos e; 5) aquisição de shoppings existentes.

No primeiro caso, são quatro as principais métricas utilizadas: aluguel mesmas lojas, aluguel mesma área, vendas mesmas lojas, vendas mesma área. As quatro variáveis são altamente correlacionadas, mas possuem diferenças importantes entre si então é importante considerar todas. Porém, não é uma boa ideia incluir todas em um mesmo modelo de regressão por conta de serem muito autocorrelacionadas. Qual variável deve-se levar mais em consideração varia caso a caso, mas ao longo do tempo elas deveriam convergir para o que o analista considera ser o crescimento de longo prazo dos mesmos empreendimentos.

Uma diferença importante dos shopping centers para o varejo que exige um texto em separado é o crescimento através de expansão ou novos empreendimentos. No varejo, cada nova loja ou novo metro quadrado de loja é parecido com os anteriores. Certamente que abrir uma nova loja em uma área nobre é diferente de abrir em uma localização pior e abrir uma loja grande gera mais receita que abrir uma loja pequena, mas essas diferenças tendem a não ser tão grandes porque o acréscimo marginal não é tão grande. No chamado varejo alimentar, a tendência recente é a aposta em lojas pequenas, o que reforça a necessidade de usar métricas por área de vendas, mas essa ainda é uma diferença gerenciável. Para shoppings, no entanto, não é recomendável supor que o novo é parecido com o existente, já que um novo empreendimento apresenta um acréscimo relevante na ABL total. Basicamente, nem toda ABL é igual e tentar projetar o acréscimo de receita por conta de uma receita/ABL médio dos atuais empreendimentos pode levar a erros consideráveis. Ou seja, acréscimo de ABL * Receita/ABL não é uma boa maneira de projetar a receita de novos empreendimentos.

No meu entender, é necessário separar o crescimento dos empreendimentos antigos com o acréscimo de expansões e novos empreendimentos. Isso é possível já que as empresas divulgam os resultados (aluguel e/ou vendas) de cada shopping de seu portfólio. Dessa maneira, é possível separar os resultados e trabalhar com as bases apropriadas. O efeito do acréscimo de um novo empreendimento ou expansão é tão grande que eu até tive que considerar as datas exatas em que eram inaugurados, vendo que poderia haver diferenças significativas entre supor que o shopping é inaugurado no final de outubro ou no final de novembro, por exemplo. Novas inaugurações e expansão são diferentes em tamanho, mas na  minha opinião o tratamento deve ser semelhante. Nem toda ABL é igual, inclusive dentro de um mesmo shopping comparando área existente e expansão.

Aumento de participação nos shoppings é muito mais fácil de trabalhar, basta ajustar a base para considerar o aumento na participação societária. Novos shoppings (ou venda de empreendimentos) também não é tão difícil porque basta acrescentar na base ou analisar a aquisição em separado e depois incorporar na base. Mas esse tipo de movimento não é tão comum dentre as empresas de capital aberto e me lembro mais de vendas de participação do que aquisição.

Até agora, eu descrevi os cuidados necessários para analisar o passado. Para empreendimentos ainda a serem inaugurados, a projeção deve levar em conta o prazo previsto de inauguração e uma previsão do potencial de geração de receita. As próprias empresas costumam divulgar as estimativas de NOI (Net Operational Income, lucro líquido operacional), então o analista pode usar essa estimativa ou fazer a sua própria.

Uma particularidade de shopping centers é a receita diferida, também conhecida como luvas, adiantamento de clientes, instalações técnicas e outros nomes que significam a mesma coisa. Quando o empreendimento está em fase de construção, as empresas já acertam o aluguel das futuras lojas para acelerar a geração de receita e, principalmente, para viabilizar o investimento. Comercialmente, é muito mais fácil alugar lojas quando já há uma base de lojistas comprometidos com o empreendimento e demora em conseguir lojistas pode significar que a empresa tenha que reduzir o aluguel, reduzindo a rentabilidade. Em geral, esse acerto inclui um pagamento adiantado. Contabilmente, essa é uma receita diferida, uma entrada de caixa que tem como contrapartida o passivo Receitas Diferidas. Nada mais é do que o adiantamento de aluguel, já que no futuro o lojista pode abater esse valor do aluguel a pagar. Não é uma receita pelo regime de competência já que não houve a prestação do serviço e apenas será reconhecido como receita (de maneira destacada na DRE) quando efetivamente houver a prestação do serviço quando o empreendimento for inaugurado. Nesse caso, será uma receita não-caixa que tem como contrapartida o passivo Receitas Diferidas.

Naturalmente os shopping centers afetam o ativo da empresa, mas não a conta de Imobilizado como alguém poderia supor, e sim o Investimento na parte Propriedades para Investimento. É possível contabilizar ao custo ou ao valor justo, conforme já escrevi antes e não pretendo me estender aqui. Uma coisa importante é separar os ativos em operação dos ativos em andamento e infelizmente nem toda empresa faz essa separação no Balanço. Há dois tipos de investimento: investimentos nos ativos operacionais para manutenção ou investimento nos empreendimentos em construção. Quando termina a construção, há uma transferência de contas e esse novo empreendimento passará a ser depreciado (se avaliado ao custo). Como são ativos de longa vida útil, reinvestimentos não serão necessários por um longo tempo após a inauguração e essa é outra diferença bem importante para o varejo, que possuem lojas de menor vida útil projetada.


Shoppings são parte do varejo, mas devem ser analisados de maneira diferente das varejistas que muitas vezes são suas clientes. Para resumir as diferenças em uma única ideia, que gera todas as diferenças de tratamento descritas ao longo do texto, nem toda ABL é igual.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Como é uma empresa sem capital de giro?



Duas notícias publicadas exatamente no mesmo dia ilustram casos de empresas com problemas de capital de giro, por motivos diferentes: Supermercado Futurama e Brasil Pharma.


Capital de giro raramente é um problema sério para empresas de capital aberto (pelo menos da perspectiva de fora da empresa), embora seja apontado como uma das principais causas de mortalidade de pequenas e médias empresas pelo Sebrae. Em aulas de análise de demonstrações financeiras fala-se bastante em indicadores de liquidez e de capital de giro, mas a verdade é que esses indicadores não são muito utilizados ao menos para se analisar empresas de capital aberto. Claro que capital de giro é um tema importante nesse tipo de análise já que se trata de um investimento que a empresa precisa fazer, mas o foco da análise é menos verificar se a liquidez circulante ou geral é adequada e sim o quanto de caixa se torna indisponível e o impacto nos fluxos de caixa futuros.

O primeiro caso a ser comentado aqui, Brasil Pharma, é parcialmente uma exceção ao mencionado no parágrafo acima. A companhia desde 2016 já mencionava que a falta de capital de giro, principalmente estoque, estava prejudicando as suas operações. De fato, as vendas nas mesmas lojas (Same Store Sales – SSS) tinham crescido 2,1% em 2015, em 2016 registraram queda de 37,1% e 57,2% em 2017. O capital de giro em dias era positivo e girava em torno de 40 dias em 2013 e 2014. Já em 2015 tinha caído para 23 dias e a partir do segundo trimestre de 2016 caiu para o campo negativo para nunca mais voltar a ser positivo. Basicamente, o estoque estava baixo e as contas a pagar com fornecedores foram se acumulando, resultando em queda de vendas. No terceiro trimestre de 2016, a Brasil Pharma comentou no release de resultados (pela primeira vez) que a companhia seguia com restrição de caixa, que prejudicava a sua posição de estoque, “gerando ruptura e queda de vendas”.

Em valores monetários (em R$ mil), é essa a situação da companhia nos últimos anos:



A razão para esse desempenho é má gestão. A Brasil Pharma nasceu para ser uma consolidadora de farmácias e cresceu rapidamente através de aquisições. Mas o que se viu foi uma grande dificuldade de integrar as operações que atuam em diferentes regiões do país e que não eram empresas. Antes da derrocada, a Brasil Pharma já vinha apresentando dificuldades com prejuízos operacionais e forte queima de caixa. No primeiro trimestre de 2014, a empresa saiu de uma posição de caixa de R$ 406 milhões para R$ 98 milhões e o saldo de caixa só se reduziria no futuro. Nesse trimestre, a empresa teve um prejuízo líquido de R$ 196 milhões e reduziu a conta de fornecedores em R$ 117 milhões, o que explicaria a variação no caixa. Do último trimestre de 2013 em diante, a empresa passou a ter prejuízos operacionais que ajudavam a queimar o caixa e as restrições de capital de giro que começariam a afetar a empresa de maneira mais grave eram apenas questão de tempo. Logo, uma combinação de custos e despesas elevados com dificuldades em lidar com o capital de giro são os culpados pela situação da empresa que pediu recuperação judicial no começo de 2018.

A situação da Brasil Pharma é tão grave que precisou captar em janeiro mais dívida em adição ao mais de R$ 1 bilhão de dívida bruta que já tinha simplesmente para fechar lojas e pagar dívidas trabalhistas relacionadas. Uma empresa que está com a mesma dificuldade é a Boa Vista Energia, distribuidora de energia de Roraima, controlada pela Eletrobras, que tenta privatizar essa e outras cinco distribuidoras. Questionada pela Aneel sobre seu elevado custo operacional, a distribuidora alega que não tem dinheiro para arcar com os custos rescisórios, afirmando ter pago no passado R$ 1,76 milhão para demitir apenas três funcionários (ver aqui).

Só para encerrar o caso da Brasil Pharma, o quão úteis são os indicadores de liquidez? Embora apontem para a direção certa (sair de capital de giro positivo para negativo é um grande sinal de alerta), outras maneiras de analisar e projetar capital de giro também indicam os problemas que a empresa poderia estar passando. Em geral, projeta-se capital de giro calculando cada componente como uma proporção da receita ou do custo baseando-se no histórico da empresa. Quando a empresa sai de seu padrão histórico é motivo para prestar mais atenção no assunto. A situação da Brasil Pharma poderia ser positiva, já que capital de giro negativo é uma situação que gera valor SE a empresa conseguir suportar essa situação. O problema é que esse é um grande “se” e nenhuma empresa sai de capital de giro positivo para negativo impunemente.

O segundo caso, Supermercado Futurama, já conta com problemas de outra natureza. A empresa está sendo acusada de sonegação e está com as contas bloqueadas e penhoradas. Ao que parece pela notícia divulgada no Valor, é menos um caso de incapacidade de pagamento e mais uma tentativa de enganar a Receita Federal. O resultado é que a empresa simplesmente não tem recursos para fazer a operação girar, o que se reflete em especial no estoque. Como é possível ver na foto acima (tirada por mim mesmo em uma das lojas do grupo), as gôndolas estão vazias porque a empresa não tem como reabastecer as lojas. Tentei constatar fenômeno parecido com a Brasil Pharma, mas fui a uma loja da Farmais (pertencente ao grupo) em São Paulo e ao menos com essa loja parece que está tudo bem. Futurama não divulga seus números contábeis básicos, mas deve estar enfrentando a mesma queda brutal de faturamento que a Brasil Pharma enfrenta desde 2016.

Esse texto já estava quase pronto faz alguns dias, mas estamos presenciando neste momento fenômeno parecido de forma bastante disseminada com a greve dos caminhoneiros, que todo mundo deve estar acompanhando. Para quem por algum motivo não está acompanhando ou para quem lê este texto muito tempo depois de sua publicação, basicamente a alta no preço do diesel disparou uma greve de caminhoneiros que se estendeu por dias e interrompeu o abastecimento de diversos itens, de combustíveis a alimentos. Isso afetou seriamente a vida econômica das pessoas, com dificuldade em reabastecer o carro, redução nos estoques dos supermercados (pelo menos por onde andei, não no nível do Futurama), falta de insumos médicos, interrupções no transporte público, entre outras coisas que nós damos por garantido que vão funcionar.

Então, para aproveitar o gancho que esses dias a mais do texto estando parado me deu, capital de giro acaba não sendo tão relevante para analisar uma empresa não porque não é importante (como os exemplos aqui não me deixam mentir), e sim porque damos por garantido que vai funcionar do jeito que deve funcionar e que outras questões operacionais e financeiras requerem mais atenção por parte do analista porque afetam mais o valor da empresa. Da mesma maneira, só damos valor para estradas livres para o trânsito de mercadorias quando há interrupções como a que estamos presenciando no momento.

Outras leituras:





sexta-feira, 27 de abril de 2018

Projeção de Receita

Um dos passos mais importantes na avaliação de uma empresa é a projeção de sua receita, já que a receita é a base dos resultados da empresa.


Cada setor empresarial tem as suas particularidades, o que faz com que cada um tenha um modo diferente de projetar receitas. É possível ainda que empresas do mesmo setor tenham diferenças que tornem necessário adotar um método diferente ou ajustes drásticos no método usado em outro caso, muitas vezes por conta da diferença das informações prestadas pelas empresas.

O raciocínio básico para começar a projeção de receita é partir de uma base comparável e projetar a receita dos ativos atualmente em operação para depois acrescentar a receita adicional gerada por novos ativos. Vou usar o exemplo do varejo que é o mais simples de se entender (ao menos o conceito básico) ao longo do texto. Varejistas geram receitas através de suas lojas e o crescimento pode vir de duas fontes principais: as mesmas lojas e novas lojas. Se você está analisando o crescimento nos últimos 12 meses, deve analisar o desempenho das lojas que existem no ano ou trimestre em questão com as mesmas lojas que existiam 12 meses atrás. Essa é a métrica “vendas mesmas lojas”, em inglês “same store sales”. É possível usar outros termos como “like for like” ou outras métricas como “vendas mesmas áreas”, mas a ideia em comum é analisar o desempenho em uma base comparável. Certos varejistas de moda vendem a sua produção através de lojas franqueadas ou lojas de terceiros e pode ser necessário criar várias bases de acordo com o canal de vendas e temos duas métricas diferentes: venda ao varejo e venda ao consumidor final (sell-in e sell-out respectivamente). O comportamento dessas métricas de crescimento pode ser bem diferente, com a venda aos franqueados ou loja de terceiros podendo ser mais fracas em uma recuperação das vendas porque essas lojas ainda têm estoques adquiridos no passado, então é necessário um exame mais cuidadoso quando esse é o caso. Sobre a base comparável, acrescenta-se o desempenho das novas lojas, que irão compor a base comparável no futuro.

Uma vez criada essa base comparável, parte-se para a projeção de crescimento e aqui que entra o trabalho do analista. Várias são as possibilidades dependendo da situação da empresa. Algumas métricas de comparação são importantes como o crescimento do PIB nominal, crescimento real + inflação, desempenho do setor, desempenho passado da empresa entre outras. Um cuidado necessário é utilizar a dimensão correta, que é variações nominais a não ser que a sua análise seja em termos reais.

O desempenho do setor deve ser tomado com certo cuidado, não apenas porque a empresa pode ser muito diferente de seu setor, mas também porque esse número incorpora a abertura de novas lojas. Um setor pode estar apresentando um crescimento expressivo, a própria empresa como um todo pode crescer muito acima do PIB ou do setor, mas boa parte disso se dá por conta das novas lojas. Raciocinando com um pouco de bom senso, não é possível projetar um crescimento de 20% ao ano das mesmas lojas (considerando uma inflação de 4% ao ano) já que isso significaria que as mesmas lojas estão sempre cheias, com filas quilométricas saindo pela rua (e as pessoas aceitam passar por essas filas) ou estão operando 24 horas por dia. O crescimento de base comparável em geral é modesto, não muito longe do crescimento do PIB quando positivo, mas um momento mais favorável do setor favorece a abertura de novas lojas e, por consequência, o crescimento mais acelerado da receita.

A abertura de novas lojas tem reflexos em contas do balanço patrimonial como o capital de giro (contas a receber, a pagar e estoques), imobilizado e intangível. No imobilizado, a razão é bem simples: a abertura de novas lojas requer investimento nessas novas lojas que se reflete diretamente no Imobilizado. Para varejistas que produzem os produtos que vende (como os varejistas de moda), a relação é mais difícil já que há ativos relacionados com a produção e distribuição (fábrica, armazém logístico etc.) e ativos relacionados com a venda.

Em textos futuros, pretendo explicar o que penso sobre a projeção de receita em outros setores e considero este texto a descrição do varejo, independente do tipo de varejo. A idéia básica de partir de uma receita base gerada pelos ativos atualmente em operação e adicionar a receita de novos ativos funciona bem em diversos casos.


Apenas algumas ressalvas iniciais: vou apenas escrever sobre os setores que eu já analisei e pretendo manter o tom genérico deste texto, sem entrar em maiores detalhes sobre como operacionalizar a projeção. Sobre o segundo ponto, é menos não revelar segredos profissionais e mais o fato de que cada analista tem seus próprios métodos e eu não desejo que o leitor pense que esse é o jeito padrão ou correto de se fazer projeção. Um conhecido meu me contou sobre um trabalho em grupo na faculdade que consistia na elaboração de um plano de negócios, incluindo a avaliação financeira do projeto. No exemplo dado em sala, o professor não havia incluído o capital de giro para simplificar o exemplo. Resultado? Nenhum grupo a exceção de dois incluiu o capital de giro na análise financeira, o que claramente é um absurdo e exemplo de desastre que pode ocorrer quando os alunos mimetizam os professores. Então, para evitar um fenômeno parecido, acho melhor escrever de maneira mais genérica porque o caso concreto irá variar de empresa para empresa, de analista para analista. Nesse ponto, a pior coisa possível é adotar uma receita de bolo fornecida por alguém. Ao longo do tempo, o mesmo analista irá usar o mesmo método, com refinamentos conforme a experiência acumulada, mas o ideal é que cada um faça o seu próprio método ao invés de copiar o de outro.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Impairment, computador velho e plágio

Se a minha vida fosse uma série de TV, esse capítulo de hoje seria daqueles em que três situações se desenvolvem em paralelo, aparentemente sem conexão alguma, mas que no fundo se mostram unidas por um tema em comum.


O primeiro arco desta história é sobre o meu velho computador, montado em 2014. Fiscalmente, computadores depreciam a 20% ao ano, ou seja em 5 anos estariam 100% depreciados à taxa de 20% ao ano. Contabilmente, no entanto, o ativo pode ter uma vida útil diferente e portanto seria depreciado a uma taxa diferente daquela exigida pelo Fisco. Fiscalmente, o computador já está 85% depreciado. Em meados do ano passado, quando a depreciação acumulada seria de 75%, eu tenderia a discordar da estimativa de vida útil porque não achava que o computador funcionava a 75% de quando eu o comprei.

Na internet, há a expressão “Life comes at you fast” e no meu caso foi: “Depreciation came at me fast” e já desde os últimos meses do ano passado o computador passou a apresentar uma série de problemas, tela azul, congelamento e reiniciações indesejadas se revezando. Está em um ponto em que eu me questiono se o valor justo dele não seria 0% e não seria melhor jogar fora e comprar um novo. Teimo em tomar qualquer decisão mais drástica, estou tentando remediar, mas a situação parece só complicar, inclusive por ação minha. Em particular, a memória RAM parece ser o problema. O programa de diagnóstico do Windows não detecta nada, mas o Memtest sim e inclusive trava o computador após algum tempo de análise. A melhor decisão seria trocar logo a maldita memória RAM, mas são 4 pentes de 8 GB, não tenho muita condição de trocar todos e teimo em não admitir usar apenas 8 GB. Pensava que o problema poderia ser de software ou outro problema de hardware, o programa que analisa tela azul diz que “é um típico erro de software” e eu teimo em não tentar nada que me custe dinheiro. Outros problemas foram surgindo e agora estou com um computador que trava do nada, o Chrome não funciona, outras coisas não funcionam e está pior do que quando comecei a minha mais recente tentativa de consertá-lo.

O segundo arco deste capítulo não me diz respeito pessoalmente, mas é uma “treta” de internet que estou acompanhando. Trata-se de uma Youtuber brasileira pega copiando o roteiro de canais estrangeiros. Não é simplesmente falar do mesmo tema ou tendo as mesmas ideias, e sim falar as mesmas coisas, na mesma ordem, repetindo incluindo piadas e comparações estranhas. Tudo começou com um (1) caso de plágio, mas a situação foi se mostrando mais complicada e agora já são 6 casos e contando, incluindo um vídeo questionando se a criatividade na internet tinha acabado e um vídeo de anos atrás. Dessa forma, é de se questionar se a pessoa fez algum conteúdo original.

Acompanho esse caso desde seu início e a situação poderia ter sido resolvida logo de início com a Youtuber reconhecendo o seu erro assim que confrontada pelo primeiro plagiado que descobriu o mau feito, deletando o vídeo mencionado (e todos os outros que foram fruto de plágio) e deixando a história morrer. Já me adiantando, o tema deste capítulo é impairment, mas poderia ser gerenciamento de crises e sobre como é incrível que a pessoa confrontada com a escolha de fazer a coisa certa, a menos errada, a errada e a pior coisa possível, escolheu consistentemente a quarta opção. Se fossemos fazer um diagrama de árvore de decisões e a quarta escolha abrisse um ramo descendente, esse gráfico já estaria transbordando a parte de baixo da folha. Não apenas a pessoa se recusou a admitir o que fez, mas está negando a despeito de toda a evidência contra ela, evidência que qualquer pessoa com conhecimento de português e inglês além de cérebro e ouvidos funcionais reconheceria como irrefutável. Não apenas isso, está ameaçando pessoas que a criticam e tenta se fazer de vítima, dizendo que está sofrendo ataques. De fato, muitas pessoas a estão questionando, com maior ou menor grau de agressividade, mas tudo por conta do fato de até agora não admitir os plágios cometidos. Aquele que primeiro foi notificado que foi plagiado fez um vídeo contando sobre esse caso e mostrando comparações que não deixam dúvida de que se trata de plágio. Agora a bola está com a plagiadora, que pode enviar uma notificação de direitos autorais para derrubar esse vídeo, o que me parece que seria uma péssima decisão e poderia ter conseqüências drásticas que talvez ela nem calcule. Pelo padrão visto até o momento, as chances de a pessoa se decidir nesse sentido são bem grandes.

O terceiro arco da história é a única parte fictícia, mas tomo a liberdade poética. Imagine que eu estivesse analisando uma empresa com suspeitas de corrupção que requerem o impairment de ativos. Empresas que estiveram em uma situação parecida são as estatais Petrobras e Eletrobras, que realizaram elevadas baixas contábeis frutos da corrupção. Mas imagine nesse meu capítulo fictício que a empresa resistisse a tomar essa decisão. Se tivesse cortado o problema desde o início, nunca chegaríamos a tal crise, mas as baixas não ocorreram logo de início e agora (ficticiamente) a empresa está em confronto direto com o mercado. Se recusa a prosseguir com as baixas contábeis, insiste que os demonstrativos contábeis refletem fielmente a realidade econômico-financeira da empresa, passa a ameaçar jornalistas e analistas que tocam no assunto e se diz vítima de perseguição. A essa altura, ninguém leva a sério os demonstrativos contábeis da empresa e os analistas passam a se perguntar qual é a real dimensão das baixas contábeis necessárias já que a própria empresa não traz essa informação e passam a desconfiar de que tudo pode estar contaminado.

Neste ponto, o tema em comum já parece ficar claro para o “telespectador”. Se quiser adicionar mais um elemento nesse já complexo roteiro, imagine como pano de fundo o presidente da república sendo pego em uma gravação admitindo, no mínimo, ser conivente com o pagamento de suborno e, apesar da incontestável evidência, nega tudo. Em séries de tom mais otimista, o final do capítulo é o desfecho positivo, mas no segundo e no terceiro caso tal desfecho vem com um preço. A Youtuber e a empresa estão em uma situação de descrédito total, ninguém em sã consciência acredita em nenhuma das duas e questionamento são naturais. Depois de descobertos os maus feitos, a vida não tem como seguir normalmente até que se reconheça os erros passados. A solução para ambos os casos é o impairment: a Youtuber reconhece o seu erro, apaga todos os vídeos afetados e promete não fazer mais isso; a empresa reconhece os maus investimentos do passado, faz a baixa contábil transparentemente e segue com a vida. Nos dois exemplos que eu dei, tanto a Petrobras quanto a Eletrobras vinham cercadas de desconfianças e, entre outras coisas, deram baixas contábeis em maus investimentos de forma a mostrar balanços mais condizentes com a realidade. A melhora que as duas empresas tiveram não foi fruto apenas disso, mas deve ser revigorante deixar para trás o passado vergonhoso e seguir em frente para um futuro melhor. Tanto Petrobras quanto Eletrobras estão diante de um horizonte muito mais róseo pela sua frente, e com as decisões certas a Youtuber pode também deixar a sua atual situação e olhar para frente com mais confiança.


E o meu computador, do arco 1? Bom, ainda não estou certo de que a melhor decisão é dar uma baixa contábil completa, mas, diferente dos demais casos, ainda acredito que o ativo é recuperável. Espero não estar passando pelo mesmo auto-engano da Youtuber e da empresa fictícia do arco 3.