No Brasil, segundo a lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404, artigo 202), as sociedades anônimas devem estabelecer um dividendo mínimo obrigatório não inferior a 25%, havendo a possibilidade da distribuição de dividendos em quantia inferior ou até nula dadas algumas condições. A questão é: qual é real efeito dessa regulação?
Em artigo publicado no Journal of Corporate
Finance, Theo Cotrim Martins e Walter Novaes analisaram essa questão para o
mercado brasileiro entre 2005 e 2009. Essa discussão está no contexto das leis
que protegem o acionista minoritário e a ligação desse tema com o
desenvolvimento financeiro do país. O dividendo mínimo obrigatório impediria
que os acionistas controladores deixassem de pagar dividendos para utilizar os
recursos como bem entendessem, mas pode ter o efeito negativo de reduzir os
recursos livres para serem investidos. Apenas cinco países adotam essa regra,
Chile, Colômbia, Grécia e Venezuela, além do Brasil.
Como mencionado, as sociedades anônimas brasileiras
precisam pagar 25% do lucro em dividendos, mas há maneiras legais de pagar
menos dividendos. Uma delas é através da constituição de reservas. Os autores
interpretaram isso como uma manobra, mas esse também é um ponto obrigatório
pela mesma lei 6.404 (artigo 193). A sociedade deve provisionar 5% do lucro
líquido, antes de qualquer outra destinação, em reservas legais, que não podem
exceder 20% do capital social. Logo, empresas com reservas legais abaixo de seu
limite devem fazer essa reserva. O dividendo mínimo obrigatório é pago em cima
do lucro após reserva legal, de forma que o mínimo passaria a 23,75% nesse caso
(ou seja, 25% sobre 95% do lucro). Em média, 41,49% das empresas pagaram
dividendos abaixo do obrigatório, mas muito por conta desse fator.
Em média, 21% das empresas lucrativas não pagam
dividendos, aproveitando-se da brecha deixada pela lei para reterem dividendos
se a administração considerar que isso é do interesse da companhia. Porém, o
comportamento não é persistente, justamente pelo artigo 111 da lei das S/As,
que estabelece o direito a voto para as ações preferenciais caso a companhia
não pague dividendos por três anos consecutivos (ou menos, se assim estabelecer
o estatuto), direito que permanece até que a empresa pague cumulativamente os
dividendos devidos.
A atuação da CVM pode coibir a retenção indevida de
dividendos, já que essas situações passam pelo crivo da autarquia e pode
resultar em punições aos administradores caso a retenção seja injustificada.
Nesse ponto, há ainda em curso um polêmico (e complexo) caso que envolve a
Eletrobras, que reteve dividendos por décadas e que está sendo alvo de um
processo administrativo na CVM para que pague o que deve.
Dessa forma, as empresas procuram brechas na lei
para distribuir dividendos menores, mas encontram restrições na lei. E qual é o
seu efeito? As empresas de capital aberto no Brasil pagaram, no período de
análise, retorno sobre dividendos de 2,29% contra 1,38% nos Estados Unidos,
onde não há essa regra (me pergunto se não seria melhor comparar com um país
mais parecido com o Brasil). Mesmo estimando que as empresas americanas
recompram mais ações, o retorno seria de apenas 1,9%, ainda abaixo das empresas
brasileiras. Apesar da lei, menos empresas pagam dividendos no Brasil na
comparação com os Estados Unidos, 57% contra 67%. Diferenças no tamanho das
empresas não explica essa diferença de comportamento.
Empresas mais lucrativas são mais propensas a
distribuir dividendos tanto aqui quanto nos Estados Unidos. No Brasil, porém, a
distribuição de dividendos cai mais do que nos Estados Unidos considerando os
grupos com menor rentabilidade.
Outra questão é sobre se os dividendos obrigatórios
reduzem os investimentos das companhias abertas. Para analisar essa questão, os
autores utilizam uma regressão em dois estágios, no primeiro procurando
determinar a probabilidade da empresa pagar dividendos e no segundo utilizando
esse fator para analisar o investimento realizado pela empresa. A conclusão
dessa análise é a de que o pagamento de dividendos não afeta a capacidade de
investimento, logo, a obrigatoriedade de pagamento não parece afetar as
decisões financeiras da empresa.
Dessa forma, a regra brasileira de dividendos
aumenta a distribuição de dividendos para empresas lucrativas, reduziu o
dividendos das empresas menos lucrativas e não mostrou efeito negativo no
investimento corporativo.
Theo Cotrim Martins e Walter Novaes.
Journal of Corporate Finance. Volume 18. Ed. 4.
2012
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