Caixa é financeiramente um mau investimento, que não rende juros, o que impõe perda de oportunidade e perda com a inflação.
Mesmo que a definição de caixa seja títulos curtos
de renda fixa sem risco de crédito, ainda assim o retorno é baixo na comparação
com outros investimentos. Porém, o caixa pode ser um investimento estratégico e
é o que o artigo
de Mikhail Simutin publicado na Review of Finance procura analisar.
A manutenção de um elevado caixa por fundos de
investimento pode ter várias implicações. Além da perda de oportunidade
mencionada, pode mostrar uma falta de habilidade por parte do gestor, que não
está conseguindo encontrar aplicações no mercado. Por outro lado, pode dar
flexibilidade ao gestor ao permitir que ele adquira ações a preços atrativos ou
honrar resgates sem ter que vender a qualquer preço os ativos em carteira.
No artigo, Simutin procura determinar a quantia
“anormal” de caixa, ou seja, a proporção não-investida que excede o que seria
de se esperar de fundos com as mesmas características. O autor utilizou a base
de dados CRSP no período entre 1992-2009. Os fundos mantinham em média 4% dos
ativos em caixa, mas havia uma variação muito grande, o decil de menor caixa
mantendo 0,1% e o maior 9%. Ao longo do tempo, a média caiu de 7% no começo dos
anos 1990 para 3% ao final dos anos 2000.
O próximo ponto é determinar os fatores que levam o
gestor a manter dinheiro em caixa. Em resumo, os fundos que mantêm mais
dinheiro em caixa são os fundos:
- Que têm maiores despesas (que são pagas em
dinheiro)
- Que têm taxa de carregamento (porque as aplicações
são menores e menos frequentes)
- Maiores (para terem que vender as ações com menos
frequência)
- Com maior retorno e maior fluxo positivo (um
acaba implicando o outro e mostra que o gestor está em busca de bons
investimentos para aplicar os novos aportes)
- Mais arriscados (segundo os fatores do modelo
Fama-French)
- Que recebem menos dividendos (porque dividendos
geram caixa)
- Com a carteira mais concentrada (para não ter que
vender essas posições concentradas)
- Mais novos (sem um histórico, o fundo é mais
vulnerável a resgates)
- Com estratégias mais agressivas
Volatilidade dos fluxos é um fator que
surpreendentemente não se mostrou significativo.
O próximo passo é determinar o “caixa anormal” para
depois relaciona-lo com o desempenho. Esse é o caixa mantido pelo fundo que se
desvia daquilo que seria de se esperar de fundos com as mesmas características
a partir de uma regressão múltipla, como a que determinou os fatores
determinantes listados acima. Os autores então procurariam relacionar o caixa anormal
com o retorno ajustado ao risco, usando o modelo Fama-French, adicionando o
fator Momento de Carhart
(1997) e Liquidez de Pastor
e Stambaugh (2003). Os fundos são classificados em quintis e os retornos
são analisados em conjunto.
Não há relação entre caixa “bruto” e desempenho,
mas isso ocorre porque há vários fatores que explicam tanto a manutenção de
caixa quanto os retornos. Usando o caixa anormal, há uma diferença de 0,18 p.p.
mensais entre os fundos classificados no quintil superior e inferior de caixa
anormal. Em termos de alfa, o quintil superior ganha do inferior com alfa de
0,21p.p. superior. Na verdade, é menos inferior, embora em algumas análises os
quintis superiores não mostrem significância estatística. Pelo que eu vi nas
tabelas, o 4º quintil tem um desempenho melhor do que o quintil superior. De
todo modo, a superioridade dos fundos com mais caixa anormal é estável
analisando-se ao longo do tempo e os resultados reportados não se aplicam
apenas ao agregado do período 1992-1999.
Em regressões do tipo Fama-Macbeth
(1973), os autores procuraram determinar quais fatores estão relacionados
com os retornos. As análises confirmam que o importante é o caixa anormal, e não
o caixa bruto. Além disso, tamanho e os fatores dos modelos de precificação
estão relacionados com os retornos, mas isso não invalida o caixa anormal como
fator explicativo. Economicamente, o aumento de um desvio-padrão do caixa
anormal resulta em um aumento de 1%a.a. nos retornos.
Porém, manter muito caixa (estar no grupo de 5% dos
fundos com mais caixa anormal) é prejudicial aos retornos. A questão é: quanto
de caixa anormal manter? Isso remete a outra pergunta: o que faz com que o
caixa anormalmente alto seja benéfico, até certo ponto?
Primeiro de tudo, o mais natural seria pensar que a
manutenção de um elevado caixa é um ponto negativo, afinal é dinheiro rendendo
pouco ou até perdendo para a inflação. Uma hipótese é a de que os gestores
seguram caixa a espera de boas oportunidades. Para testar isso, os autores
analisaram as carteiras dos fundos e examinaram o retorno das ações que os
fundos compraram, venderam e mantiveram. Uma carteira com as ações compradas
pelos fundos com alto caixa anormal rendeu 0,27p.p. acima do que as ações
compradas pelos fundos de baixo caixa, o resultado sendo de 0,2p.p. entre esses
grupos para as ações mantidas. Para as ações vendidas, não há relação
significativa.
A volatilidade do caixa anormal pode fornecer mais
informações. Se o caixa é utilizado para aproveitar oportunidades, ele será
volátil, diminuindo em momentos mais favoráveis, aumentando em mercados piores.
Por isso, além de separar por fundos com baixo ou alto caixa anormal, é
interessante separar entre fundos com caixas mais ou menos voláteis. Fazendo
essa separação, os voláteis superam os persistentes, a diferença sendo maior no
grupo com menor caixa anormal. Ou seja, caixa nas mãos certas, mesmo que pouco,
pode fazer diferença no desempenho.
Outra forma de medir a habilidade do gestor em
gerir o caixa e obter bons retornos é nas situações de alta volatilidade e de
mercado subavaliado, boas momentos para gestores habilidosos lucrarem. Uma
aproximação é a dispersão da relação Valor Patrimonial/Preço, grandes dispersões
indicando uma boa oportunidade de encontrar ativos sendo erroneamente
avaliados. Outra medida é a correlação mediana entre o retorno das ações e do
mercado. Uma elevada correlação
indicaria menos oportunidades para selecionar ações, uma vez que as ações se
movem em conjunto. Uma carteira comprada em fundos com elevado caixa anormal e
vendido em fundos com caixa baixo tem resultados superiores conforme a
dispersão do VP/P é maior e conforme a correlação é menor. Os retornos também
estão positivamente correlacionados com o Retorno com Dividendos e
negativamente com o rendimento dos Treasury Bills, ou seja, em momentos de
preços baixos.
Analisando fundos indexados, não há diferença entre
fundos com alto e baixo nível anormal de caixa. Dessa forma, há evidências de
que os gestores com caixa acima do considerado normal têm habilidade superior
de selecionar ações na comparação com os gestores que mantem menos caixa do que
o esperado.
A próxima questão seria examinar se os gestores
possuem habilidade de escolher o melhor momento para aplicar o caixa em
excesso. Existem medidas para isso, os autores usam três, e confesso que não as
conhecia. São baseadas nos trabalhos de Treynor e Mazuy
(1966), Henriksson
e Merton (1981) e Jagannathan
e Korajczyk (1986). Valores positivos para esse índice indicam habilidade
de temporização do mercado. Os resultados indicam, embora não sem alguma
incerteza quanto aos resultados, que os fundos com menos caixa anormal têm
piores habilidades de temporização de mercado.
Aportes e resgates de cotas também afetam tanto o
retorno quanto o caixa, então, é interessante examinar como se dá a interação
entre esses fatores. Para examinar essa questão, os autores separaram os fundos
nos quintis de caixa anormal e separaram cada quintil em dois grupos, de alto e
baixo fluxo. A diferença alto-baixo caixa é maior para fundos com aportes
líquidos maiores do que para fundos com baixo fluxo. Isso dá suporte à ideia de
que os gestores mantêm caixa mais elevado para honrarem resgates sem terem que
vender a qualquer preço os ativos investidos. Isso é confirmado com uma análise
que mostra que os fundos com baixo caixa sofrem mais em períodos de menor
liquidez. Quando a liquidez é elevada, não há diferença.
Outra possibilidade é a de que os gestores mantêm
caixa elevado como uma forma de minimizar os custos de transação, não tendo
pressa para comprar ou vender as ações e dessa forma não aceitando pagar
elevados spreads. As aproximações para o custo de transação são o giro da
carteira e uma estimativa dos custos de execução. Os quintis com maiores caixas
anormais mostram tanto menor giro da carteira quanto menor custo de execução, a
diferença entre o quintil superior e inferior sendo de 10% para o giro e 0,11%
nos custos em relação aos ativos líquidos totais. Esses resultados sugerem que
os fundos com mais caixa anormal podem executar as suas políticas de forma mais
gradual, sem terem que aceitar pagar elevados preços para negociar mais
rapidamente.
Em resumo, os benefícios de se manter um caixa elevado
(flexibilidade, melhor controle dos fluxos e dos custos) superam os seus custos
(custo de oportunidade) em fundos de investimento em ações.
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