No começo da Teoria de Investimentos, a suposição era a de que os investidores agiam de forma mecânica e se interessavam apenas por duas coisas: risco e retorno.
Essas teorias foram importantes para começarmos a
entender um assunto até então inexplorado, mas hoje compreendemos que os
investidores não agem de forma totalmente racional ou, por outro ângulo, agem
com uma racionalidade que vai além do risco e do retorno. O livro What
Investors Really Want de Meir Statman procura analisar quais são essas
outras motivações dos investidores. Essa é uma expansão de um artigo de nome
parecido, que eu resumi aqui.
Na introdução do livro, Statman compara
investimentos com trabalho. Em ambos os casos, nós nos importamos com o retorno
financeiro e ponderamos os mais diversos riscos. Mas não escolhemos o nosso
trabalho apenas nesses termos. Trabalho, assim como investimentos, expressam
parte de nossa identidade. Envolvem emoções além do medo do risco, como
esperança, segurança e status. Podem também envolver valores pessoais, como já
analisei anteriormente (aqui, por exemplo).
Os nomes dos capítulos do livro geralmente começam
com “Nós queremos...” ou “Nós temos...”. No primeiro capítulo, o desejo mais comum, o de obter retornos que
compensem o risco. Nesse capítulo, fala sobre gestão passiva e ativa,
eficiência de mercado, insider trading
e conta várias histórias de hoje e do passado de pessoas querendo superar o
mercado.
O capítulo 2 diz respeito ao comportamento do
investidor, se referindo a vários dos vieses comportamentais aos quais os
investidores estão sujeitos. Um argumento que achei interessante nesse capítulo
(relativo a framing) é a comparação
com outras profissões. Você não pode esperar ter rendimentos médios sem saber o
mínimo sobre uma profissão. No entanto,
sem conhecimento algum, aplicando em um fundo indexado, é possível obter os retornos
médios no mercado acionário. Na maioria das profissões, você pode obter ganhos
superiores estudando mais e trabalhando duro. No mercado acionário, não há essa
compensação.
Esses vieses comportamentais são prejudiciais e
deveriam ser controlados para melhorar a situação do investidor. Mas não é só a
mente que prega peças: o “coração” também o faz. O terceiro capítulo é justamente sobre emoções e sentimentos. Statman
aborda assuntos como emoções positivas, negativas (raiva e ódio), superstição,
excesso de confiança e ilusão de controle. Todas essas emoções não apenas são
prejudiciais aos investidores, mas também manipuláveis por participantes do
mercado financeiro que podem se beneficiar disso.
Então, até agora sabemos que nós queremos ganhar
dinheiro superando o mercado e vieses cognitivos e emotivos nos fazem pensar
que isso é fácil. Mas ganhar dinheiro é só um benefício utilitário. Há outro,
que é o simples desejo de jogar e o capítulo
4 é sobre esse tema. Por isso que mesmo que fosse amplamente reconhecido
que a gestão passiva é melhor no que se refere ao risco-retorno, ainda haveria
investidores que se desviariam desse padrão porque extraem utilidade com
investimentos de outras maneiras. Operar ações gera adrenalina no investidor e
realizar operações bem-sucedidas faz com que o investidor se sinta vitorioso.
Perder dinheiro gera uma emoção negativa quase tão intensa quanto, mas muitos
investidores parecem aceitar esse risco para obter “benefícios expressivos”. Há
também uma parte social, expressa em clubes de investimento, fóruns online e
até assembleias de acionistas, caso especial da Berkshire Hathaway.
O capítulo 5
é sobre bolhas, crises, fraudes e o “efeito manada”, com um breve histórico de
bolhas famosas (Ponto Com, em especial), crises (não apenas 2008, mas também o
Flash Crash de 2010), fraudes (Madoff) e o efeito manada que orienta o
comportamento dos investidores, incluindo os institucionais.
No sexto
capítulo, Statman volta ao assunto dos vieses comportamentais, tratando da contabilidade
mental e do autocontrole. Sobre contabilidade mental, mostra os exemplos em que
isso é negativo, mas também sobre como pode ser positivo (se forçar a poupar
dinheiro, por exemplo). Aliás, contabilidade mental é um argumento muito
utilizado ao longo dos próximos capítulos para ilustrar os temas de cada um.
Sobre autocontrole, o assunto é mais os perigos da falta de controle, mas não
deixa de abordar o perigo de um excesso de controle (excesso de poupança).
O sétimo
capítulo é sobre o dilema entre poupar para amanhã com vistas à
aposentadoria e gastar dinheiro hoje. Um argumento que achei interessante é que
na idade ativa as pessoas deveriam procurar transformar renda em capital e na
fase de desinvestimento transformar capital em renda. Por isso, dividendos (um
tema bastante discutido nesse capítulo) deveria ser uma preocupação maior para
os investidores já aposentados, porque para os trabalhadores da ativa a
tentação de gastar essa renda é grande.
No capítulo
oito, a dicotomia é entre a esperança por riquezas e a liberdade da pobreza,
ou seja, querem segurança financeira, mas também enriquecer. No argumento de
contabilidade mental, Statman diz que uma alocação que as pessoas fazem é entre
o dinheiro necessário para proteger contra a pobreza e outro tentando ganhar
muito dinheiro, com loterias ou investimentos com esse comportamento. Negociar
ações é outra maneira de ter esperança de riquezas.
Nesse capítulo, Statman escreve sobre os lottery bonds, que se parecem muito com
os nossos títulos de capitalização. Superficialmente, eles oferecem a liberdade
da pobreza (garantem o principal) e ainda oferecem esperança por riquezas. Mas
no fundo é um péssimo produto, oferecendo retorno esperado menor do que outras
alternativas. Como dizem em inglês: você não pode comer o bolo e mantê-lo.
Juntar as duas aspirações em uma cria um produto que não realiza nenhuma das
duas.
O nono
capítulo é sobre as diferenças entre as pessoas, apesar dos anseios
similares explicados nos capítulos anteriores. Fatores como idade, gênero,
personalidade e cultura afetam as motivações para investir, resultando em
diferentes disposições a correr risco, diferentes de taxas de poupança e o viés
local.
Aversão a perdas é o tema do décimo capítulo do livro, abordando não apenas perdas em
investimentos de pessoas físicas, mas também perdas corporativas e de fundos de
investimento. Esse é o capítulo que tem um ponto interessante sobre a renda
fixa, que eu abordei em outro texto.
O capítulo
11 é sobre impostos e a busca por investidores (e pessoas, de forma geral)
de evitar ou reduzir o pagamento de impostos. Às vezes não é nem uma questão
utilitária, ou seja, ter mais dinheiro, e sim não querer dar dinheiro para o
governo. Impostos causam distorções e nas Finanças uma delas é o “imposto da
morte”, onde idosos em condições terminais podem autorizar o desligamento das
máquinas para morrer mais cedo e pagar menos impostos. Para os investimentos,
impostos também causam distorções. Nos Estados Unidos, apontaria a tributação
de dividendos. No Brasil, a tabela regressiva no tempo para Renda Fixa, o
imposto sendo maior para quem fica poucos meses em um investimento de renda
fixa do que para quem faz Day Trade.
A tese desenvolvida ao longo do livro é a de que há
outros elementos que geram benefícios além do retorno. No capítulo 12, Statman fala sobre status e respeito. Seja por sua
natureza, seja pelo seu elevado valor inicial, investimentos como Private
Equity, Hedge Funds, vinhos, filmes e arte. O capítulo ainda trata da questão
da utilidade relativa e inveja e também a auto-sinalização de alguns
investimentos, interpretando o investimento socialmente responsável nesses
termos.
Statman volta ao tema do investimento socialmente
responsável no capítulo 13, sobre se
manter verdadeiro aos seus valores. Aborda também o tema diametralmente oposto,
as ações
pecadoras. O capítulo 14 é sobre
o sentimento de justiça, sendo conhecido desde o ultimato
de Thaler que as pessoas se preocupam com justiça em transações econômicas.
Isso gira em torno de temas como bônus para executivos, spinning em IPOs (alocar ações para clientes que o banco de
investimento está cortejando em condições privilegiadas), regras de cartões de
crédito e contas bancárias, entre outros temas. Esse é um tema importante com
implicações econômicas sérias, como mostrei no texto sobre capital
social. Por exemplo, as pessoas físicas vão investir menos em ações se não
tiverem confiança nas instituições.
O capítulo
15 aborda o tema da família, incluindo tópicos como poupar para pagar a
faculdade dos filhos, mesada, dar dinheiro para filhos adultos, receber
dinheiro de filhos adultos e questões sucessórias. Como no resto do livro, são
temas importantes, abordados com certa superficialidade pela finalidade do
livro. O último capítulo é sobre o
desejo dos investidores de receberem auxílio, tratando de regulação e
aconselhamento. Discute sobre o limite da regulação, que deve ficar entre o
excessivo paternalismo e a excessiva liberdade tendo em vista que as pessoas
são leigas em investimento na maior parte das vezes, fala sobre literacia
financeira e sobre a busca por consultores financeiros. Uma parte
interessante é uma citação de um profissional, dizendo que na maioria das vezes
as pessoas não querem realmente um conselho, e sim alguém que aprove o que eles
já queriam fazer. Além de consultores profissionais, os investidores buscam
dicas em comunidades, na internet ou fora dela.
No final das contas, o livro mostra algumas
características dos investidores pessoa física e o ponto principal é que os
investidores extraem benefícios utilitários (retornos), mas também expressivos
e emocionais dos investimentos. Esse livro aborda diversos tópicos
interessantes, sem entrar em maiores detalhes sobre cada um. Nesse tocante,
considero esse um livro intermediário, para quem já tem um bom conhecimento
sobre os conceitos fundamentais de investimento e que está a procura de tópicos
avançados, podendo utilizar o livro como um guia para escolher um para se
aprofundar.
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