quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Ações protegem contra a inflação?

Inflação é um fator comumente levado em conta pelos investidores, que desejam uma proteção contra a perda do poder de compra do dinheiro.


Para que um investimento seja uma boa proteção contra inflação, precisaria ter um beta em relação à inflação de 1, um beta inferior a isso indicando que o retorno do investimento não acompanha uma elevação na inflação. Isso não diz nada sobre se há ou não retornos reais, apenas indicam que retornos e inflação covariam positiva ou negativamente e em qual intensidade. Estudos anteriores determinaram que ações como um todo possuem beta negativo, ou seja, um aumento na inflação resulta em retornos inferiores por conta disso. O artigo de Andrew Ang, Marie Brière e Ombretta Signori publicado na Financial Analysts Journal procura determinar se algumas ações específicas poderiam servir de proteção.

Determinadas empresas podem sofrer menos com a inflação dependendo do tipo de produto que vendem, da etapa na cadeia de produção que estão e de seu poder de mercado para insumos ou bens finais. Para examinar quantitativamente essa questão, os autores calcularam o beta em relação à inflação, de maneira parecida com o Beta do CAPM, mas com a inflação no lugar do prêmio de risco. A periocidade dos retornos e da inflação é mensal, a amostra inclui ações pertencentes ao S&P 500 e o período entre 1989 e 2010. A inflação é o índice de preços ao consumidor (CPI). A escolha da amostra se deu por essas ações serem as mais importantes para investidores institucionais, mas os resultados permanecem os mesmos usando uma base mais ampla como a CRSP.

A primeira análise separa as ações em quintis de acordo com o seu beta de inflação, ponderando pela capitalização de mercado. Os retornos dessas carteiras são analisados através do modelo Fama-French, com o fator Momento de Carhart. Os resultados mostram que algumas ações tiveram betas de inflação até expressivos, chegando a 15 contra -0,52 do S&P 500 como um todo. Os principais setores das ações com maiores betas são Materiais Básicos e Petróleo & Gás.

Analisando as carteiras, as que melhor se protegeram contra inflação (quintil superior de beta de inflação) mostraram um desempenho superior. As carteiras com pior proteção contra a inflação se mostraram mais arriscadas, tanto em termos de volatilidade quanto de obliquidade e curtose. Analisando com o modelo Fama-French, o quintil inferior de beta de inflação mostrou relação positiva com o fator tamanho, indicando que as ações que compõem esse quintil são de empresas menores, possivelmente porque possuem menor poder de repassar aumento nos preços. O fator HML também é positivo, indicando que ações de valor são prejudicadas pela alta na inflação, o que faz sentido se considerarmos que essas empresas possivelmente estão perdendo poder de mercado e a capacidade de lançar novos produtos. Ou seja, as melhores proteções contra inflação seriam empresas grandes e de crescimento.

Os setores de Petróleo & Gás e de Tecnologia estão com uma participação maior no quintil superior do que no S&P 500, indicando que são esses os setores que oferecem a maior proteção contra inflação. O primeiro setor se beneficia da alta do preço de produtos básicos, enquanto que o segundo oferece produtos diferenciados que podem ser vendidos a preços superiores. O pior setor é o Financeiro, o que faz sentido na medida em que os seus ativos são denominados em juros nominais em geral.

Todas essas análises são ex-post, com as carteiras sendo construídas e depois os resultados analisados. A questão passa a ser se é possível construir ex-ante carteiras que se mostrarão posteriormente adequadas para proteger contra a inflação. Para isso, os autores calcularam o beta de inflação 60 meses antes e construíram as carteiras mês a mês com base nas regressões. Os resultados mostram que o quintil superior de beta de inflação costuma não apenas se mostrar inadequado para proteger contra inflação (com beta estatisticamente nulo), mas também se mostra pior nesse sentido do que o quintil inferior. Ou seja, beta de inflação passado não foi nem de longe indicativo de beta de inflação futuro.

Os betas de inflação também se mostraram altamente instáveis, em média 23,7% das ações mudando o sinal de seu beta de inflação ao longo de um ano. Na Grande Crise Financeira de 2008, 68% dos betas trocaram de sinal. A distribuição dos betas também pode variar muito, de uma quase normal em tempos mais calmos para uma distribuição nada normal em 2008. Mesmo uma carteira efetiva na proteção contra a inflação poderia não ser atrativa, pois incorreria em muitos custos de transação ao rebalancear a carteira.

Os autores tentam estimar os betas de inflação a partir dos fundamentos, como rendimento de dividendos, relação Preço/Lucro e outras variáveis. Nenhum dos fatores se mostrou significativo na previsão de betas de inflação.

Analisando por setores, nenhum mostrou beta de inflação positivo, Materiais Básicos registrando beta de inflação estatisticamente nulo. Surpreendentemente, Petróleo e Gás mostrou beta bastante negativo (-1,27). Novamente é necessário ressaltar que esses números acabam escondendo a grande variabilidade dos betas de inflação ao longo do tempo e dentro dos setores. Quanto a ações boas pagadoras de dividendos, o beta de inflação do S&P High Yield Dividend Aristocrat Index (que teria como equivalente brasileiro o IDIV) foi negativo no período de vigência do índice contra um beta positivo para o S&P 500 nessa mesma janela de tempo. Mesmo separando os componentes do retorno total (dividendos e aumento de preço) não faz com que os dividendos funcionem como uma boa proteção contra inflação.

Ou seja, algumas ações específicas mostraram alguma capacidade de proteger contra a inflação, mas é totalmente imprevisível quais serão essas ações porque os betas, além de difíceis de serem previstos, são altamente instáveis.

Financial Analysts Journal. Volume 68. Ed. 4. 2012
Andrew Ang, Marie Brière e Ombretta Signori

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Com quantas ações se faz uma carteira bem diversificada?

Desde o trabalho seminal de Harry Markowitz que o potencial de redução de risco proporcionado pela diversificação está bem estabelecido. Uma questão mais prática é: precisamos de quantas ações para obter uma carteira “bem diversificada”.


Em um já clássico artigo publicado no Journal of Financial and Quantitative Analysis, Meir Statman analisou essa questão. A ideia básica da análise é que diversificar tem um benefício e um custo marginal e o número ótimo de ações é aquele que mais perto chega de igualar os dois.

Na parte do benefício, Statman comparou o retorno de uma carteira com n ações com o retorno de uma carteira S&P 500 alavancada de forma a ter o mesmo risco da carteira de n ações, a diferença de retornos (que favorece o S&P 500) sendo a medida de benefício da diversificação.

Quanto aos custos, Statman precisou estimar os custos de transação da referência dele (o Vanguard Index Trust) e de uma hipotética carteira subdiversificada. No primeiro caso, a estimativa era de 0,49 pontos percentuais, sendo que hoje em dia esse custo deve ser muito menor do que esse (a taxa de administração é de 0,05%). Statman presume que o custo de se manter uma carteira menos diversificada é menor do que o de investir no Vanguard, o que talvez fizesse sentido na época, mas hoje não me parece ser o caso. A conclusão sobre o tamanho mínimo da carteira depende da estimativa dos custos de transação.

O resultado da análise de Statman é a de que uma carteira com por volta de 30 ações já providencia a diversificação necessária, mas nem isso os investidores conseguem, tendo sido comprovado que os investidores sistematicamente subdiversificam as suas carteiras. Statman conclui o artigo com algumas sugestões sobre como fazer com que os investidores mudem de comportamento, ideia que seria explorada em trabalhos futuros.

Considero a análise do artigo ultrapassada. O fundo utilizado como referência possui um custo de transação muito menor do que o apontado e provavelmente menor do que o de manter uma carteira com 30 ações. Seria necessário realizar uma atualização dessa análise ou mesmo considerar que investir em um fundo indexado é a melhor opção considerando apenas a variância da carteira. Dessa foram, é errôneo citar esse artigo como referência para afirmar que são necessárias apenas 30 ações para diversificar uma carteira em termos de risco e retorno.

The Journal of Financial and Quantitative Analysis, Vol. 22, Nº 3. 1987
Meir Statman

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O que move os preços de ações?

Um artigo publicado na Financial Analysts Journal discute a questão sobre se o preço das ações se move por causa de fundamentos ou por outro fator, como o “reconhecimento” dos investidores.


Algumas ações podem receber mais atenção dos investidores por algum motivo (ser uma marca famosa, por exemplo) e isso tem influência na liquidez e no preço das ações. Para examinar essa questão, os autores criam uma medida de “reconhecimento” dos investidores, calculando quantos investidores institucionais investem na ação e depois controlando por tamanho da empresa.

Quanto ao retorno das ações, os autores procuraram separar o retorno em três componentes, retornos esperados no começo do período (com base em previsões de analistas), mudanças no retorno por causa dos fundamentos (mudanças na distribuição de fluxos de caixa, também estimado por analistas) e um componente de erro aleatório da regressão, que os autores passarão a verificar se está relacionado com o reconhecimento dos investidores. A análise é feita entre 1986 e 2008.

O resultado da regressão dos retornos observados com as variáveis mencionadas acima resulta em um r-quadrado de 38%, indicando que é essa a porcentagem explicada por mudanças nos fundamentos. Ano a ano, esse valor raramente é superior a 50% e teve mínima durante a Bolha Pontocom.

Indo para o reconhecimento dos investidores, essa variável está positivamente relacionada com retornos observados, mas negativamente com retornos esperados. A expectativa era que maior reconhecimento dos investidores estivesse relacionado com retornos esperados inferiores e também que aumento no reconhecimento resultasse em ganho de valor para a empresa (e, consequentemente, maior retorno observado nesse período). Ou seja, fatores não fundamentais podem ter um impacto positivo de curto prazo que se reverte no longo prazo.

Para analisar mais rigorosamente essas relações, os autores separaram as carteiras em termos de reconhecimento dos investidores e analisaram os retornos dessas carteiras. A diferença entre decil superior (as ações de empresas que mostraram maior aumento no reconhecimento dos investidores) e o decil inferior (as que receberam menos atenção) foi de 84 pontos percentuais no período de análise. Esse efeito econômico é aumentado com uma nova separação entre as ações entre baixo e alto risco idiossincrático (desvio-padrão do resíduo da regressão dos retornos), a diferença entre alto e baixo reconhecimento sendo maior no grupo de maior risco idiossincrático.

Logo, atenção dos investidores é importante, mas quanto esse fator explica sobre os retornos, principalmente na comparação com os fundamentos? Os autores realizam regressões múltiplas entre os retornos observados, reconhecimento dos investidores e notícias sobre fundamentos. Em separado, cada uma das variáveis explica por volta de um terço da variabilidade dos retornos, enquanto que em conjunto explicam por volta de 47%. Logo, os dois fatores são importantes para explicar os retornos das ações.

Isso vale para os retornos observados. A previsão dos autores para os retornos esperados (rendimento da relação Lucro/Preço) é a inversa, que os retornos esperados deveriam ser maiores para ações com maior nível de reconhecimento dos investidores. De fato, os decis inferiores de reconhecimento possuem maiores retornos esperados do que os decis superiores. A diferença é maior para o grupo com maior risco idiossincrático. Esses resultados mostram que empresas menos conhecidas são menos valorizadas pelos investidores, o que acaba resultando em uma avaliação menores, medida pelo múltiplo Preço/Lucro, por exemplo. Porém, não está claro se a maior familiaridade dos investidores com uma ação responde sozinha por toda essa diferença de retornos esperados ou se outros fatores (liquidez, por exemplo) também teriam poder explicativo.

Os autores passam então a examinar como o reconhecimento dos investidores afeta decisões corporativas como financiamento e investimento, ambas informações extraídas da Demonstração de Fluxo de Caixa. Os resultados mostram que as empresas que mais aumentaram o reconhecimento pelos investidores aumentaram o seu financiamento e posteriormente seus investimentos.

Voltando para a questão principal do artigo, o que move os preços, a conclusão dos autores é que a atenção do investidor impacta mais fortemente os preços no curto prazo, mas essas variações tendem a regredir à média e mais a longo prazo os fundamentos é que passam a determinar os movimentos de preços. Refazendo algumas análises, os autores determinaram que em intervalos mais curtos o r-quadrado da regressão com variáveis de reconhecimento dos investidores é maior, mas para intervalos mais longos as variáveis de fundamentos é que explicam mais sobre a variabilidade dos retornos. A análise de longo prazo combinando os dois grupos de variáveis possui um r-quadrado superior, indicando que há uma série de outras variáveis que afetam os retornos de curto prazo, ou seja, há muito ruído em intervalos mais curtos.

Em suma, tanto a atenção dos investidores quanto os fundamentos movem os preços, o foco maior do primeiro fator sendo no curto prazo e do segundo no longo prazo.

What Makes Stock Prices Move? Fundamentals vs. Investor Recognition
Scott Richardson, Richard Sloan e Haifeng You
Financial Analysts Journal. Volume 68. Nº 2. 2012.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Interações Sociais e Investimento em Ações

Já escrevi em outros textos do blog sobre os fatores determinantes da participação no mercado acionário. Capital Social é um desses fatores e outro artigo procura determinar especificamente se os investidores são influenciados por seus vizinhos.


O artigo NeighborsMatter (Vizinhos Importam, em português) de Brown, Ivkovic, Smith e Weisbenner publicado no Journal of Finance examina se a interação social influencia a decisão de investir em ações. Já sabemos que QI, preferências políticas e literacia financeira são fatores determinantes. A conexão do capital social e a participação no mercado acionário indica que a interação social é sim um fator determinante, mas é necessário examinar essa questão de maneira mais específica.

Os autores utilizaram dados de pagamento de impostos no período entre 1987 e 1996. O desafio era encontrar uma base que possa separar as pessoas em uma área geográfica que representem a proximidade das pessoas. Se a base mostrar apenas a cidade em que a pessoa mora, essa informação não é muito útil, já que pessoas da mesma cidade não necessariamente são próximas socialmente. Mas se for possível separar as pessoas por bairro as chances disso ocorrer são maiores. A base utilizada inclui informações a respeito do CEP do pagador de impostos e também a informação sobre se a pessoa é nativa no estado ou não, os autores só considerando os “nativos”. Outra característica para ser considerado nativo é residir na mesma Área Metropolitana Estatística (MSA) por todo o período da amostra.

Uma limitação da base utilizada é que ela não informa se a pessoa tem ações, e sim se recebe rendimentos tributáveis de ações. Assim, se a ação não paga dividendos ou se os rendimentos vão para contas protegidas, então não vai constar da base. Isso não é o ideal, mas os autores determinam que há uma correlação razoável (62%) entre a aproximação deles e os dados reais obtidos em outra base para medir a participação no mercado. Nessa definição, 25% das pessoas investem em ações.

A definição de comunidade é pessoas vivendo na mesma MSA. Essa definição é restrita o suficiente para termos alguma confiança de que medirá, mesmo que imperfeitamente, as interações sociais e permite a utilização de outras bases de dados que informem a área metropolitana de residência das pessoas.

A hipótese do estudo é a de que a participação no mercado acionário de uma pessoa é influenciada pela decisão tomada por pessoas de sua comunidade. O desafio é controlar por outras variáveis que influenciam a decisão de investir em ações além de eventuais efeitos comunitários. Para evitar problemas de correlação espúria, os autores procuraram isolar a influência de não-nativos sobre os nativos em um MSA a fim de identificar de maneira mais precisa o efeito das relações sociais.

Para isso, os autores recorrem a uma regressão em dois estágios, no primeiro criando uma variável instrumental. Aqui temos três variáveis, a chance de uma pessoa investir em ações (pelo que entendi), a proporção de pessoas de uma comunidade que investem em ações e essa proporção na comunidade de nascimento dos não nativos. A ideia é examinar a primeira variável (proporção individual), o instrumento sendo a terceira variável utilizada para estimar a segunda. O comportamento em outro MSA não deveria influenciar um indivíduo nativo de outro MSA exceto através de interações sociais. Além do mais, o comportamento dos outros estados é estimado em atraso (“lagged”), reduzindo a chance de efeitos simultâneos ocorrerem nos dois locais. É importante realizar essa análise para que um histórico em comum entre pessoas de uma mesma comunidade afetem os resultados. É provável que fatores não observados além da interação social influenciem o comportamento dos indivíduos de uma mesma localidade e essa é uma maneira de excluir o efeito desse background em comum.

No primeiro estágio da regressão, os autores determinam a proporção investida em uma comunidade em função do investimento médio do estado de origem dos não-nativos. No segundo estágio, essa variável é incluída na regressão que estima a proporção investida em ações pelos indivíduos.

O resultado da segunda regressão mostra que o comportamento da comunidade em função dos não-nativos influencia o comportamento dos nativos. Dessa forma, é possível imaginar que uma pessoa seja influenciada através da interação com pessoas com ideias diferentes das suas.

Para melhor examinar essa questão, os autores incluem uma variável sobre o capital social da base de dados DDB Life Style Data. A pergunta utilizada foi se a pessoa pede conselhos para membros da comunidade, a média do MSA sendo empregada no modelo dos autores. A interação da proporção de pessoas de uma comunidade que investem em ações e essa pergunta é positiva e significativa, o que indica que há um efeito boca-a-boca na medida em que a proporção aumenta quanto mais forte é a interação social em uma comunidade.

Na parte da significância econômica, o aumento em 10 pontos porcentuais na posse de ações pela comunidade aumenta em 4 pontos porcentuais a chance de um dado investidor aplicar em ações, tudo o mais constante. Esse corte de 10 pontos porcentuais representa sair do 25% percentil para o 75% percentil na posse de ações. Os autores estimam qual é o impacto da decisão dos pais investirem ou não em ações, determinando que esse efeito é da ordem de 3,6 pontos porcentuais. Ou seja, um aumento em 10 pontos porcentuais na posse de ações pela comunidade é comparável com a influência dos pais.

Em suma, ficou determinado que há uma externalidade positiva do investimento em ações entre membros de uma comunidade. Aqui, a aproximação foi uma área geográfica grande, mas é de se imaginar que em grupos menores (colegas de trabalho, amigos, parentes etc.) esse efeito deva existir, só sendo mais difícil de examinar empiricamente.