quinta-feira, 24 de julho de 2014

Fundos que pagam dividendos direto aos acionistas

No mercado, existem fundos de investimento em ações que pagam os dividendos recebidos diretamente ao cotista (chamarei neste texto de “FIA direto”), ao invés da abordagem tradicional de incorporar esse valor nas cotas.

Em geral, esses fundos são aqueles que possuem uma política de investimentos voltada para a distribuição de dividendos (os fundos de dividendos). Uma das vantagens alegadas é a de que o cotista passa a receber um fluxo regular de pagamentos. Volto a esse ponto depois, mas a segunda vantagem é de natureza tributária e pode ser analisada de maneira mais objetiva. Dividendos são isentos de imposto de renda, inclusive no caso do cotista receber do fundo. Normalmente, o valor dos dividendos está incorporado na cota e o cotista estará sujeito ao pagamento de 15% de I.R. sobre os lucros, inclusive sobre o valor dos dividendos que foram incorporados à cota.

Não é difícil imaginar que o FIA direto possui uma vantagem tributária. Mas qual é o seu tamanho? Antes de determinar isso, precisamos criar uma situação em que seja possível comparar um fundo de ações normal (chamarei de FIA normal) e o FIA direto. A solução é supor que o cotista irá reinvestir o dinheiro no mesmo fundo.

Partindo dos mesmos dados utilizados alhures, que resultaram em um benefício de 19,8% em uma década, com 15% de rendimento e 6,5% de distribuição de dividendos ao final de cada ano, temos a seguinte situação para um fundo normal.

FIA normal

Até aqui, nada demais. O fundo rende 15% ao ano e paga 15% de I.R. sobre o lucro. Os dividendos não devem ser acrescentados, já que se supõe que esses 15% já levam em conta os dividendos. Os dividendos já fazem parte do retorno, não gera um retorno adicional. Na situação acima, não é 15% mais 6,5%, e sim apenas 15%, parte em ganho de capital, parte em dividendos. (ver mais aqui).

Agora, a situação do FIA direto, considerando que os proventos sejam pagos no final do ano e reinvestidos imediatamente:
Fundo de dividendos

O valor da cota no final de um período é a cota do ano anterior, acrescida de 15%, menos os dividendos recebidos. A quantidade de cotas é a quantidade do ano anterior, mais o reinvestimento dos dividendos (Dividendo por cotas*Quantidade de cotas/Valor da cota). A aquisição de cotas aumenta o custo total das cotas.

Pelo exame das tabelas, nota-se que o valor bruto é o mesmo nos dois casos. Não poderia ser diferente, já que o retorno nominal dos dois é o mesmo (15%). No FIA normal, o valor das cotas é maior, mas a quantidade é a mesma da inicial. No FIA com dividendos diretos, o valor das cotas é menor, mas a quantidade de novas cotas multiplicada pelo valor das cotas resulta no valor dos dividendos. O valor das cotas anteriores mais o valor das novas cotas (que é igual ao valor do dividendo) resulta no valor bruto, idêntico ao do FIA normal. No primeiro ano, o investidor terá $ 115 no FIA normal e no FIA direto $ 107,525 em cotas antigas mais $ 7,475 em cotas novas, resultando em $ 115.  

O valor líquido final, no entanto, é diferente, refletindo a vantagem tributária de receber os dividendos diretamente. Essa vantagem, porém, está longe dos 19,8% informados em uma reportagem sobre o tema. Nas contas acima, a vantagem é de 6,34%, ou 0,62% a.a. Esse é um ganho significativo, mais da metade do rendimento mensal (1,17%), mas longe de ser quase 20%.

Porém, é necessário observar que essa vantagem depende muito do período analisado. Em 20 anos, por exemplo, a vantagem tributária seria de 0,39% a.a. O impacto do imposto de renda decaí com o tempo em relação ao valor do investimento e esse fator se aplica a essa situação também. A maneira mais rápida de explicar é: no longuíssimo prazo (pense em mais de 50 anos), basicamente o investidor vai pagar 15% sobre o valor total, já que o custo do investimento se tornou minúsculo diante do valor futuro do investimento. Como esse porcentual não muda, a cada ano que passa esses 15% impactam menos o valor líquido em termos proporcionais. Isso se aplica à situação tema desse texto e vai reduzindo a vantagem do pagamento direto até que seja quase insignificante.

Sobre um ponto que tinha deixado para depois, o FIA direto gera fluxos de caixa para o cotista. O importante a se mencionar é que, ignorando a tributação em um primeiro momento, isso é exatamente igual ao cotista realizar um resgate. No exemplo desse texto, é como se resgatasse 6,5% todo final de ano. Porém, a tributação torna as situações diferentes e a situação do fundo tradicional é ainda mais desfavorável. O resgate tem que ser superior ao valor dos dividendos, já que haverá o pagamento de imposto de renda. Por questão de brevidade não vou colocar as tabelas, mas em dez anos a vantagem do FIA direto na situação sem reinvestimento é de 1,33% a.a. sobre a situação onde o investidor aplica em um fundo tradicional e realiza resgates periódicos.

Independente de contas, o fundo que repassa investimentos aos cotistas gera um fluxo de caixa ao cotista, mas isso só será realmente valioso se o cotista já estiver na fase de desinvestimento. Nesse caso, a desvantagem é que o fluxo de dividendos será irregular e pode não suprir as necessidades de caixa do investidor. Mas é uma alternativa mais eficiente do ponto de vista tributário do que realizar resgates.


Por fim, há um problema na hora de informar a rentabilidade. O fundo que distribui os dividendos diretos se parece com uma ação que não teve o seu valor reajustado por proventos. Comparando a cota atual com a cota passada, parece que o rendimento foi menor, assim como ocorre analisando o preço de uma ação hoje ao seu preço sem reajuste no passado. A legislação é bem rígida no que se refere à divulgação da rentabilidade e não permite que o fundo divulgue uma rentabilidade simulada para o caso do reinvestimento de dividendos. Se fosse permitido, seria difícil explicar para o cotista como isso é feito. Taxa Interna de Retorno, nesse ponto, é ainda mais problemático. O fato de existirem investidores isentos de imposto de renda impossibilita que seja feito um ajuste nos valores da cota. A única solução que vejo é alguém independente realizar os cálculos de rentabilidade por conta própria e permitir a comparação com um FIA normal, levando ou não em conta a vantagem tributária.

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