Fui perguntado se eu sabia qual era a primeira empresa brasileira a valer US$ 1 bilhão em bolsa. A inspiração foi esse artigo que afirma que a U.S. Steel foi a primeira empresa americana a chegar nessa marca no começo dos anos 1900s. Não sabia qual era, mas fui pesquisar e encontrei a resposta.
Para calcular o valor de mercado de uma empresa em
dólares, você precisa de três coisas: quantidade de ações, cotações e taxa de
câmbio. Essas informações referentes a hoje podem ser facilmente encontradas na
internet. Se você quiser voltar ao passado, até 1994 não é tão difícil assim já
que quantidade de ações e cotações estão disponíveis nos sistemas da CVM e da
B3. Voltar além disso ao passado se torna cada vez mais difícil e aqui iremos
precisar voltar 50 anos ao passado.
Na biblioteca da FEA-USP estão disponíveis para
consulta na seção de periódicos as revistas da Bovespa e da Bolsa do Rio. Lá é
possível encontrar uma série de informações, mas curiosamente cotações e outros
dados não constam necessariamente dessas publicações. No que parece ser uma
edição especial da “Revista da Bôlsa de Valôres de São Paulo” chamada “Retrospecto
do 1º Semestre/70” eu consegui encontrar informações como cotações, índice P/L,
valor patrimonial e quantidade de ações. Com isso, é possível calcular o valor
de mercado, mas não sabia se isso seria suficiente. Teria que ser, já que a
única informação anterior a 1970 é 1952 em outra publicação, de difícil
consulta.
Primeiro de tudo, é necessário descobrir o que é
US$ 1 bilhão na moeda da época. Eu procurei duas referências já que não sabia inicialmente
se o preço se referia a 1969 como as informações contábeis ou a 30/06/1970. No
artigo “A utilização
da cotação do dólar para eliminar efeitos da inflação” de Roberto Carvalho
Cardoso publicada em 1971 há uma série de cotações antes de 1970 e nesse site eu encontrei cotações
para o período anterior. Em 1969 a cotação Cr$/US$ era de 4,153 ao longo de
todo ano e em junho de 1970 era 4,560. É uma grande variação em apenas seis
meses, mas me parece que ambas informações estão corretas. Também irei usar as
cotações oficiais do mesmo jornal em que encontrei a cotação e os resultados
independem de qual cotação usar.
Logo, uma empresa precisaria valer Cr$ 4,56 bilhões
para chegar a US$ 1 bilhão em 30/06/70. Nessa primeira parte, irei considerar
apenas o “Retrospecto” de 1970 com cotações referentes a 30/06/70, e não
cotações de jornal. Meu receio inicial era que eu encontraria várias empresas
nessa situação, mas não foi esse caso. O Banco do Brasil tinha 240.000.000
ações e a cotação era de Cr$ 25,22, logo, valia Cr$ 6.052.800.000,00, ou US$
1,3 bilhão. Petrobras é um caso complicado porque eu só tinha o total de ações
sem separar entre ON e PN e há uma grande diferença nas cotações. O total era
de 2.456.400.000 ações; a ON valia Cr$ 0,86 e a PN Cr$ 2,10. Felizmente, outra
referência, o “Anuário da Bolsa Oficial de Valores de São Paulo” de 1970 traria
uma informação chave, embora referente ao final de 1970. Lá constava que a
quantidade de ações ordinárias da Petrobras era de 2.847.688.917 contra
100.011.083 preferenciais. Embora os valores não batam por se referirem a datas
diferentes e entre uma e outra deve ter havido um aumento de capital, fica
claro que havia muitíssimo mais ações ordinárias do que preferenciais. Fixando
o número de preferenciais e mudando o de ordinárias, chegaríamos ao valor de
mercado de Cr$ 2.672.107.737,86.
A Vale do Rio Doce era avaliada em Cr$ 3,281
bilhões com 403.650.000 ações cotadas a Cr$ 8,13. A quarta maior empresa era a
Light com Cr$ 1,170 bilhão e a última a passar a marca bilionária na moeda da
época. Dentre os bancos, o segundo maior (me parece) era o Banespa com Cr$ 993
milhões e o Bradesco era o terceiro com Cr$ 150 milhões. Itaú (América) era
apenas o sexto maior banco com Cr$ 84 milhões.
Logo, em 30/06/70 tínhamos uma empresa com valor de
mercado superior a US$ 1 bilhão, o Banco do Brasil. Mas teria sido a primeira?
Acessando o acervo do Estadão, é possível examinar o histórico de cotações em
1969 e usar como referência as quantidades de ações em 30/06/70. A questão é saber
se as quantidades de ações em 1970 são válidas para 1969. Examinando as
cotações no ano anterior, é fácil perceber que houve um aumento de capital
tanto no Banco do Brasil quanto na Petrobras em 1969 porque elas chegam a ser
negociadas “ES” ou “ex subsc”, ou seja, ex-subscrição.
Seria necessário então obter mais informações sobre
tais subscrições. Pesquisando no próprio acervo do Estadão, é possível
encontrar algumas pistas. Em fevereiro de 1969, eu encontrei edital de
convocação de AGE para aprovar o aumento de capital do Banco do Brasil, porém,
sem maiores informações de quanto era a quantidade de ações e para quanto iria
depois. O que sei é que em julho de 1970 seria anunciado o aumento de capital
de Cr$ 240 milhões para Cr$ 720 milhões. Logo, sem ter havido nenhuma outra
subscrição entre fevereiro de 1969 e julho de 1970, a quantidade de ações após
fevereiro de 1969 era de 240 milhões.
Quanto à Petrobras, houve dois aumentos de capital
importantes. O primeiro ocorrido em abril de 1969 levaria o capital da
petroleira de NCr$ 1,932 milhões para NCr$ 2,456 milhões, logo, batendo com a
informação que tínhamos anteriormente. Em junho de 1970, ocorreria novo aumento
para Cr$ 2,947 milhões, agora batendo com a informação de final de 1970 do “Anuário”.
Mas se o aumento ocorreu em junho de 70, por que isso não afetou a quantidade
em 30/06/70 segundo o “Retrospecto”? Ocorre que a subscrição efetiva só iria
ocorrer em uma data futura após junho. Os bônus de subscrição foram
distribuídos, por algum motivo primeiro na Bovespa e depois na BVRJ, e a
cotação cairia. Duas forças iriam levar a essa cotação menor: o reajuste por subscrição
que deveria levar o preço teórico da ação “ex” para [preço anterior – cotação do
Bônus] e também desvalorização. Em tese, a empresa deveria ser negociada a
partir do patamar mencionado para calcular o preço “ex”, mas, como mencionei no
meu texto sobre Diluição,
se a expectativa for de que a empresa irá pegar esse dinheiro e investir em
projetos com VPL negativo, o correto é que haja desvalorização. Nesse caso, ou
o mercado interpretou errado o aumento de capital e a direção espera que o VPL
seja positivo ou a empresa arrecadou mais recursos para perseguir “outros
objetivos”. Sendo uma empresa estatal em uma época em que não se discutia muito
os direitos das “minorias acionárias”, como os minoritários eram chamados, a
segunda hipótese é plausível.
Logo, podemos usar 240 milhões como quantidade de
ações para o Banco do Brasil e 2,456 bilhões para a Petrobras em 1969. Eu
examinei muito rapidamente e não encontrei cotações que justificassem valor de
US$ 1 bilhão antes do aumento de capital. Sem pegar todo o histórico de
cotações é impossível afirmar categoricamente, mas não me parece que Petrobras
ou Banco do Brasil tenham chego a US$ 1 bilhão com menos capital. Examinando as cotações dia a dia, vi que Banco do Brasil não chegou a US$ 1 bilhão antes do aumento
de capital da Petrobras. Portanto, após esse evento começaria uma corrida entre
os dois.
Acompanhando as cotações de abril para frente, fui
procurando a cotação de NCr$ 17,31 que levaria o Banco do Brasil a atingir US$
1 bilhão e um valor próximo de NCr$ 1,60 para as ações ordinárias da Petrobras.
E aqui uma curiosidade: ao longo dessa pesquisa, estava pronto para dizer que
Banco do Brasil foi a primeira empresa a chegar à marca bilionária e teria
alcançado esse valor em 15/07/1969. Depois fui fazer as contas e percebi que a
Petrobras teria chego lá antes em junho de 69 se tivesse 50/50 de ações ON e
PN. Após descobrir que as ações preferenciais representavam muito pouco, a
corrida ficaria restrita a meados de junho de 1969 e 15/07/69.
Consultando apenas o acervo do Estadão, seria
impossível descobrir a data exata já que as primeiras edições de julho de 1969
foram escaneadas com uma qualidade inferior que impede ler as cotações.
Felizmente, o acervo d’O Globo permite ler melhor as cotações, embora a
qualidade seja um pouco abaixo do necessário para obter total nitidez. Fazendo
isso, no dia anterior, 14/07/69, as cotações na BVRJ eram de NCr$ 18,85 para
Banco do Brasil e NCr$ 1,69 e NCr$ 3,95 para Petrobras. No Estadão, é fornecida
a cotação do dia anterior, mas apenas para as cotações da Bovespa e (acho)
apenas para as cotações das ações negociadas no dia. No dia 14/07, o Banco do
Brasil era cotado a NCr$ 17,22, logo, abaixo de US$ 1 bilhão. Mas no jornal do
dia 16/07, não havia informações sobre a cotação da ação ordinária da
Petrobras, logo, não havia a cotação do dia 14/07. O jornal do dia 15/07 tinha
essa cotação, mas era um borrão que pode ser muitas coisas, inclusive o que era
necessário para chegar a US$ 1 bilhão.
O câmbio que estou usando é NCr$ 4,153/USD. O
câmbio “livre” nos dias 14 e 15 oscilou entre NCr$ 4,075 e NCr$ 4,10, logo, os resultados
independem das taxas de câmbio exceto se outra fonte fornecer um valor “verdadeiro”
para o câmbio que talvez estivesse sendo definido de forma artificial.
Logo, a melhor conclusão é que Banco do Brasil e
Petrobras chegaram a US$ 1 bilhão ao mesmo tempo no dia 14/07/1969 na Bolsa do
Rio de Janeiro e no dia seguinte na Bovespa. Pode ser que no mesmo dia 14/07 a
Petrobras tenha chego a US$ 1 bilhão na Bovespa e o Banco do Brasil não, mas
acho que isso não mudaria a conclusão.
Outra empresa poderia ter chego lá antes? Não
cheguei a examinar o histórico completo em 1968, mas pelo pouco que vi nem
Petrobras e Banco do Brasil teriam conseguido (ainda mais com menos capital),
nem Vale ou Light. Não tenho os dados de quantidade de ações de empresas negociadas
apenas na BVRJ, mas não me parece que uma CSN ou White Martins valesse mais do
que Petrobras ou Banco do Brasil. Não dá para descartar completamente, mas acho
provável que a minha conclusão esteja correta.
Não sei se será possível aprimorar essa pesquisa,
porque 1970 com informações até 1969 é o máximo que consigo voltar no tempo com
o que tem na biblioteca da FEA-USP. Tem o “Anuário Oficial da Bôlsa de Valôres
de São Paulo”, mas dificilmente alguém teria chegado a US$ 1 bilhão em uma
época em que sequer existia Petrobras. Além do mais, esse Anuário é de consulta
extremamente difícil porque é uma grande lista de fichas de empresas, sem
nenhum tipo de tabela resumo.
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