Yakov Amihud e Haim Mendelson
Journal of Applied Corporate
Finance. Volume 24. 2012
O artigo de
Amihud e Mendelson, publicado na última edição do Journal of Applied Corporate Finance,
analisa o efeito da liquidez dos títulos de dívida e de capital próprio no
valor da empresa e no retorno dos ativos. Trata-se de uma revisão da
bibliografia a respeito do artigo, e os outros artigos mencionados serão
comentados de acordo com o que os autores escreveram.
Começa por
uma definição de liquidez, sendo a facilidade, em termos de tempo e de custos,
com que os ativos podem ser convertidos em dinheiro. A negociação de ativos
envolve custos de liquidez, os mais óbvios sendo os custos diretos de
corretagem e emolumentos, mas havendo também o impacto nos preços na forma de
ágio para o comprador e desconto para o vendedor. A liquidez pode ser medida
como o número de negócios realizados com o ativo ou o valor financeiro
movimentado, mas a diferença entre as ordens de compra e de venda (referido
aqui apenas como “diferença de preços”) também é uma medida de liquidez e de seu
custo. Isso acontece porque além da disponibilidade de ativos para negociação,
há a questão da assimetria de informações. Os investidores sempre têm receio de
negociar com um investidor mais bem informado e esse receio se reflete no livro
de ofertas, com investidores colocando ordens menores e com maior distância em
relação à outra ponta temendo negociar com um investidor mais bem informado.
Além da diferença de preços, há a questão da profundidade do livro, medido como
a máxima ordem de compra ou venda que poderia ser enviada sem afetar
significativamente os preços. Formadores de mercado também enfrentam riscos de
estoque, ao terem que segurar ou vender a descoberto ativos para realizar as
suas atividades e correndo o risco de valorização ou desvalorização do ativo.
Em outro
artigo (Amihud
e Mendelson (1986)) os autores modelam o efeito da liquidez nos retornos
exigidos pelos investidores, função de diferença dos custos de liquidez e dos
horizontes de tempo. Os retornos exigidos aumentam com a redução na liquidez
(medida pela diferença de preços de compra e de venda), porém, em uma função côncava
e não linear, ou seja, quanto menor a liquidez, menor o incremento nos
retornos. Isso acontece porque cada vez mais os ativos serão detidos por
investidores de longo prazo que não exigirão acréscimos de retornos tão
elevados, com os custos de liquidez sendo mais diluídos no tempo. Uma segunda
implicação do modelo é que ativos de alta liquidez sofrerão mais com quedas
repentinas e generalizadas na liquidez, já que esses ativos continuarão a ser
negociados com frequência, mas o impacto dos custos de liquidez serão maiores.
Figura 1 do artigo referido |
Esse modelo
gera hipóteses testáveis que são examinadas em testes empíricos. No mesmo
artigo, os autores analisaram ações listadas na NYSE e na AMEX no período
1960-1980. As ações são divididas em sete grupos de liquidez (diferença de
preços) e posteriormente divididas em sete carteiras agrupadas por beta. Os
autores constatam que as ações menos líquidas possuem maiores retornos e a
relação entre liquidez e retornos é côncava como esperado pelo modelo. Brennan
e Subramanyan (1996), Datar
et. al. (1998) e Brennan
et. al. (1998) confirmam os resultados. Loderer
e Roth (2005) analisaram o outro lado da mesma questão, que é o valor da
empresa, determinando que ações mais líquidas resultam em maiores relações
Preço/Lucro. Indo para outros tipos de ativos, Amihud
e Mendelson (1991) analisaram títulos do tesouro americano, comparando
notas (notes) e letras (bills). Igualando a maturidade dos títulos, os autores
determinam que as letras, que são mais negociadas, possuem menor diferença
entre preços de compra e de venda e possuem rendimento menor. Para títulos
corporativos, parte da diferença de rendimento por conta de diferença de notas
de crédito é atribuível a diferenças na liquidez, já que foi constatado por Chen
et. al. (2007) que há também diferenças na diferença de preços entre
títulos de alta e de baixa classificação. Chaplinsky
and Ramchand (2004) verificaram que títulos distribuídos segundo a regra
144A oferecem maior rendimento do que títulos negociados sem restrições.
Outra questão
é a mudança na liquidez ao longo do tempo e como isso afeta o comportamento dos
ativos. Grandes quedas no mercado possuem um componente de redução na liquidez
que dispara um ciclo vicioso, na medida em que menor liquidez leva a menores
preços, que por sua vez acaba também afetando a liquidez. Isso foi comprovado
por Amihud
et. al. (1990) no Crash de 1987, com a diferença de preços aumentando junto
com a desvalorização expressiva das ações. As ações que mais caíram nesse dia
tiveram também a maior queda na liquidez e na recuperação as que mais ganharam
liquidez foram as que mais subiram. O mesmo deve ter acontecido com a Crise
Financeira e as quedas a partir da quebra do Lehman Brothers, embora não tenha
referenciado nenhuma análise mais profunda desse período.
As empresas
podem adotar providências para aumentar a liquidez de seus ativos e assim
aumentar o valor da empresa. Listar as ações em mercado de bolsa, saindo do
mercado de balcão, resulta em menores diferenças de preços e maiores valores.
Esses resultados poderiam se dar por conta da sinalização de maior qualidade
com a listagem das ações em bolsa. Amihud
et. al. (1997) analisaram o mercado israelense, onde a própria bolsa mudou
algumas ações de um regime de leilão diário para negociações de maior frequência,
independente de deliberação da empresa emissora. Essa migração resultou em
altas, ou seja, aumento no valor da empresa.
Diversos
economistas procuraram incorporar a liquidez nos modelos de precificação de
ativos. Além de um beta de mercado para medir a sensibilidade de uma ação ao
retorno do mercado como um todo. Amihud
(2002) utilizou como medida da liquidez do mercado a razão entre o retorno
de mercado e o volume negociado, uma aproximação para o impacto das negociações
nos preços. Quedas na liquidez do mercado resultam em queda nos preços e após
choques que reduzam a liquidez o retorno futuro das ações aumenta. O efeito
constatado foi maior para small caps,
que geralmente são menos líquidas. Uma boa explicação é que, quando há uma
redução na liquidez, além de haver uma migração de ações para renda fixa, os
investidores trocam ações menos líquidas pelas mais líquidas, havendo a cadeia
inversa para aumentos na liquidez. Esses resultados são confirmados por Pastor
e Stambaugh (2005) e Acharya
e Pedersen (2005). Um estudo mais recente de Acharya et. al. (2010) sobre
títulos corporativos concluiu haver dois regimes de liquidez, o normal, quando
choques de liquidez não parecem ter efeito muito importante, e o adverso,
quando o preço dos títulos de grau de investimento sobe e os de grau
especulativo caem.
Os autores
passam a discutir a questão pelo outro lado, que é o do custo de capital, além
de verificarem como decisões corporativas afetam a liquidez das ações. O
primeiro estudo comentado (Lesmond et.
al. (2008)) determina que a diferença de preços aumenta quando há um
aumento na alavancagem e diminui quando há uma redução. Dificuldades em honrar
os compromissos de dívida também reduzem a liquidez dos títulos da empresa, de
forma que pode ser considerado outro custo de dificuldades financeiras. Lipson
e Mortal (2007) descobriram uma maior propensão das empresas com ações mais
líquidas de emitirem ações e serem menos alavancadas. Bharath et. al.
(2009) também encontram uma relação negativa entre liquidez e alavancagem.
Segundo Baker
e Stein (2004), as empresas decidem emitir títulos quando há um nível geral
de liquidez maior (medido pelo giro das ações). Butler
et. al. (2005) encontram evidências de que os custos de emitir ações, como
as taxas pagas aos coordenadores, diminuem durante períodos de maior liquidez.
Dessa forma, as empresas podem desejar manter elevada liquidez, limitando o
endividamento, para acesso ao mercado de capitais mais fácil e a menor custo.
Emitir
diversos tipos de títulos pode ajudar a atrair diferentes tipos de
investidores, porém, isso é obtido com um aumento na complexidade e reduzir a
liquidez dos ativos individualmente. Isso foi constatado por Amihud
et. al. (2003), que analisaram empresas com warrants muito “dentro do dinheiro”. Essas warrants diminuem a liquidez do ativo-objeto e após a sua expiração
e conversão em ações houve uma tendência à alta nas ações proporcional ao
aumento na liquidez. Isso não seria de se esperar analisando o mercado apenas em
termos de risco de mercado, mas pode ser justificável considerando a questão do
custo e risco de liquidez. Para evitar essa situação, o melhor seria não emitir
tantos tipos diferentes de títulos, o que pode se aplicar ao caso brasileiro,
havendo potencial de redução no custo de liquidez com a emissão apenas de ações
ordinárias.
Há ainda
questões relativas à política de dividendos, sendo que dividendos que nada mais
são do que a transformação de parte de ativos menos líquidos no ativo mais
líquido que há (dinheiro). Logo, uma hipótese seria a de que os dividendos são
mais importantes para ações menos líquidas. O estudo de Banerjee
et. al. (2007) mostra que há a tendência das empresas com ações menos
líquidas pagarem mais dividendos. Além disso, o risco de liquidez das ações de
menor liquidez diminui após a iniciação de pagamento de dividendos. Amihud
e Li (2006) descobriram que a reação do mercado ao anúncio de distribuição
de dividendos é maior entre as ações menos líquidas. Apesar de ter o mesmo
efeito em diverso contextos, no que se refere à liquidez a recompra de ações
pode ter efeito diferente, ao reduzir o número de ações em circulação e
exacerbar preocupações com assimetria de informações. Brockman et. al. (2008),
além de confirmar que iniciação de dividendo é mais provável para empresas com
ações menos líquidas, além da razão de distribuição ser maior, descobrem que
empresas com ações mais líquidas são mais propensas a recomprar ações e que o
desembolso em recompra de ações é uma função crescente de acordo com a liquidez.
Talvez isso explique a crescente propensão a recomprar ações, contemporânea do
aumento na liquidez geral do mercado.
As empresas
podem contribuir para o aumento na liquidez de suas ações de diversas maneiras.
Uma maneira é atrair mais investidores pessoa física, o que resultaria em maior
atividade por investidores menos informados, o que pode ser benefício para a
liquidez (reduzindo o receio de negociação com investidores com informações
privadas). Uma maneira é diminuir o lote mínimo de negociação, o que, conforme Amihud
et. al. (1999), aumentou o número de investidores pessoa física, também
aumentando liquidez e retornos proporcionalmente ao aumento da base de
investidores. Muscarella
e Vetsuypens (1996) analisando ADRs (para não contaminar os resultados com
efeitos de sinalização vindos da empresa) e Mukherji
et. al. (1997) confirmam os resultados para desdobramento de ações. Grullon et. al.
(2004) analisaram o efeito da promoção de produtos e encontraram efeitos
positivos na liquidez das ações. A empresa pode ainda contratar formadores de
mercado, o que, segundo Menkveld
(2008), diminuiu a diferença de preços e resultou em alta nas ações. Dessa
forma, atrair mais investidores pessoa física pode ser uma boa ideia, não
porque esses investidores reduzem a volatilidade (ver aqui),
mas por aumentar a liquidez.
Há ainda a
possibilidade de reduzir os custos de liquidez aumentando a transparência de
informações. Botosan (1997) concluiu que empresas que divulgam mais informações
em seus relatórios anuais possuem menor custo de capital, o efeito sendo maior
para empresas menores e com pouca cobertura de analistas. Raman
e Tripathy (1993) e Barth et. al. (2007) confirmam esses resultados. Coller
e Yohn (1997) encontram resultados parecidos analisando empresas que emitem
projeções e Brennan
e Subrahmanyam (1995) encontraram relação positiva entre número de
analistas e liquidez, resultados confirmados por Roulstone (2003). Quando as
empresas perdem cobertura de analistas, como analisado por Balakrishnan et.
al. (2011), há uma perda de liquidez que pode ser compensada por maior
divulgação voluntária de informações. Em suma, a assimetria de informações
afeta a liquidez das ações, medida pela diferença de preços. Dass et. al.
(2012) mostram que as empresas mais inovadoras (com maiores gastos em
P&D e maior número de patentes/citações) possuem maior liquidez e também se
preocupam mais com a questão da liquidez e da assimetria de informações.
Maior
liquidez também pode influenciar as decisões de investimento, já que impactam o
custo de capital. Uma maneira de testar essa hipótese foi examinar as ações
após sua inclusão no S&P 500, o que aumenta a liquidez das ações. Becker-Blease
e Paul (2006) analisaram essa questão. Após esse evento, há um aumento nos
gastos de capital das empresas proporcional ao aumento da liquidez.
Maior
liquidez pode envolver maiores custos para empresa, tanto com gastos para
aumentar a divulgação de informações e com formadores de mercado quanto custos
de competitividade ao também fornecer informações aos concorrentes.
Aumento na
liquidez também afeta a governança corporativa, podendo ter efeitos positivos
ou negativos. Maior liquidez pode reduzir a estabilidade das ações e dispersar
a concentração acionária (e não sei se esse último fator é positivo ou
negativo). Segundo Bhide (1993),
maior liquidez pode reduzir o ativismo dos investidores, que irão simplesmente
vender as ações ao invés de tentar mudar a empresa, mas Maug
(1998) sugere que o contrário pode ocorrer, inclusive com fundos podendo
adquirir participações relevantes, aproveitando-se da liquidez. Chung
et. al. (2010) analisam o reverso da causalidade, ou seja, como a governança
pode aumentar a liquidez e encontram relação negativa entre o índice de
governança (calculado de acordo com as práticas de governança adotadas pela
empresa) e a liquidez (diferença de preços). Por fim, a liquidez afeta a
remuneração da administração, maior liquidez reduzindo, segundo Jayaraman e
Milbourn (2011), a proporção de dinheiro e aumentando a sensitividade da
remuneração ao desempenho. Isso ocorre por reduzir o custo de uma futura venda,
mas também porque pode ações mais líquidas refletem de maneira mais adequada a
visão do agente interno (o administrador) sobre o valor da empresa. Aumento de
liquidez após desdobramento potencializa esses efeitos.
Essa é uma
questão muito importante na análise de investimentos e para o estudo do retorno
dos ativos. Muitas ações podem parecer baratas (ou seja, têm baixo P/L ou baixo
P/VPA), porém, é necessário verificar se a baixa liquidez não está afetando a
avaliação dessas ações. O segundo ponto é que, como posto pelos autores,
incluir a liquidez das ações ou “betas de liquidez” ajuda a explicar os
retornos das ações. O modelo
de três fatores não inclui explicitamente a liquidez, mas a minha opinião é
a de que isso está parcialmente refletido no fator HML (o que tem a ver com a
minha primeira observação), mas também com o SMB, já que, como visto no artigo,
ações de empresas menores são menos líquidas. Como já devo ter expressado
antes, é necessário “desembutir” os diversos outros fatores dentro dos dois
adicionados por Fama e French para termos uma visão melhor sobre os fatores de
risco que influenciam os retornos e preços dos ativos.
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