quarta-feira, 2 de maio de 2012

Desempenho dos pares e decisão de entrar na bolsa


A: Cara, tô feliz com minhas Cielos subindo 100%...
B: É... (p@%$#, devia ter comprado...)
(Peer performance and stock market entry)
Markku Kaustia e Samuli Knüpfer
Journal of Financial Economics. Volume 104. Ed. 2. 2012

Todos os que convivem com pessoas com uma renda razoavelmente elevada ou que estudem em cursos de administração, economia, contabilidade ou engenharia já devem ter ouvido alguma pessoa contar seus feitos na bolsa de valores. Os que já investem em ações podem eventualmente sentir uma pontada de inveja, por não estar indo tão bem, ainda mais dependendo da forma como a pessoa se comunica. E quem está fora quer entrar. Será?

O artigo de Kaustia (o mesmo de um artigo sobre preferências políticas e participação no mercado, já analisado aqui) e Knüpfer analisa a relação entre o desempenho de pessoas próximas e a decisão de entrar no mercado acionário. A interação social influencia diversos tipos de comportamento, incluindo o aprendizado, decisões no mercado de trabalho e decisões de consumo. Dois canais podem influenciar a decisão de investir em ações por conta do desempenho dos pares: o primeiro é a reavaliação das perspectivas sobre o desempenho futuro das ações (hipótese da extrapolação) e o segundo é preocupação com riqueza relativa.

A pesquisa foi feita na Finlândia entre 1995 e 2002 com informações da depositária central do país, uma base de dados (assustadoramente) detalhada das operações dos investidores. Os autores agregaram os investidores por CEP e calculam diversas variáveis, dentre elas a taxa de entrada e o “retorno das redondezas”. A taxa de entrada é calculada com base na data da primeira operação de compra do investidor, excluindo aquisição de ações por outros meios (oferta de ações, herança, presente etc.), e é definida de duas maneiras: número de novos investidores dividido pela população do CEP ou pelo número de não investidores. Para fins de descrição da população, os autores procuraram os fatores que determinam a taxa de entrada no mercado, renda, patrimônio e escolaridade sendo fatores determinantes. Já o retorno das redondezas é o retorno da carteira agregada do CEP, com ponderação igual da carteira dos investidores. Os autores utilizam defasagem de um mês, ou seja, analisam a taxa de entrada de um mês com os retornos do mês anterior. A periodicidade das observações é mensal.

A hipótese é que haja uma relação positiva entre as duas variáveis porque as pessoas contam sobre suas experiências a pessoas próximas e histórias de sucesso na bolsa incentivariam os outros a investir em ações. Claro que essa definição de variáveis não é perfeita, porque pessoas de uma região interagem com pessoas de outras, mas constatar uma relação positiva seria sugestivo. Outras variáveis serão analisadas em conjunto, como a taxa de participação (número total de investidores no CEP dividido pela população) do mês anterior, já que é provável que a taxa de entrada seja menor em um local onde já há bastante investidores.

E os resultados da análise indicam que há uma relação entre a taxa de entrada e os retornos das redondezas no mês anterior, adotando as duas definições de taxa de entrada. O aumento de 1 desvio padrão nos retornos resultam em aumento na taxa de participação de 0,085 pontos base, ou 9,4% da taxa de entrada média. Separando os CEPs pela taxa de participação, nota-se que o efeito dos retornos na taxa de entrada é maior em regiões já com maior taxa de participação, mesmo controlando por essa variável. Isso reforça que há um aprendizado social, já que em regiões com maior taxa de participação haverá mais pessoas falando sobre seus ganhos no mercado, o que irá “contaminar” os demais. Imagine que em uma roda de amigos só um dentre dez invista em ações: mesmo que esse esteja obtendo retornos expressivos, o assunto provavelmente não virá a tona; porém, se for quatro dentro dez, haverá mais chance de tocarem no assunto, influenciando os demais seis dentre dez. Ponderar por valor, não igualmente, produz um coeficiente menor, o que indica que mais importante é o número de investidores ganhando do que o ganho médio em si. Ponderar por valor geralmente é uma boa ideia, mas aqui faz com que se analise mais os retornos dos maiores investidores e menos da maioria, que é o grupo mais relevante na análise de influência social. No exemplo da roda de amigos, mais vale quatro investidores com retornos razoáveis do que um ganhando por quatro na hora de influenciar a decisão dos outros integrantes.

A relação positiva entre as variáveis tem uma fraqueza. O mais provável é que as pessoas contem mais sobre seus sucessos do que sobre seus fracassos, seja por gostarem mais de falar de suas experiências positivas, seja para passarem uma imagem melhor e extrair benefícios privados, seja por creditarem à sua competência o bom retorno. Para não passar uma imagem ruim, as pessoas deixariam de contar sobre seus fracassos, porém, a relação positiva entre retorno da redondeza e taxa de entrada sugere que retornos negativos levariam a saídas líquidas porque pessoas contariam também sobre seus fracassos. Isso é o que se chama de comunicação seletiva.

A próxima etapa da análise é separar os retornos positivos e os negativos. Os resultados indicam que a taxa de entrada é influenciada exclusivamente pelos retornos positivos, coerente com a hipótese de comunicação seletiva. E quanto maior o retorno, maior o impacto na taxa de entrada. Restrições a vendas a descoberto, que aparentemente não foram incluídas nas carteiras (ou não houve vendas a descoberto) provavelmente influenciam esses resultados.

Outros fatores poderiam explicar esses resultados, além da extrapolação e da comunicação seletiva. O chefe do domicílio poderia comprar ações em nome de outros membros da família, o que aumenta a taxa de participação sem que isso seja resultado da interação social analisada pelos autores. Essa situação é contornada analisando apenas os homens nascidos entre 1948 e 1968 (ou seja, que tenham entre 27 e 54 anos), grupo que os autores acreditam ser menos passíveis de virem a ganhar ações de presente de outras pessoas da família. Os resultados são parecidos com as análises principais.

Fatores locais além da interação social poderiam afetar a decisão de entrar no mercado. Dois canais poderiam aumentar a riqueza local e, com isso, aumentar a taxa de participação sem que haja necessariamente o efeito dos contatos sociais. Os autores isolaram o efeito do retorno das redondezas em municípios onde na há sede de empresas ou que não haja empresas no raio de 30 quilômetros, mas os resultados mostram que não há diferença entre regiões com ou sem empresas sediadas, de forma que esse tipo de choque local não determina a relação estabelecida. Em seguida, os autores isolam as regiões onde há número acima da meda de donos de imóveis próprios ou de empreendedores, o que poderia elevar a renda nessas regiões, também não encontrando resultados significativos. Poderia acontecer dos retornos com ações em um mês afetar a decisão de entrada nos próximos meses por algum aumento da renda local, mas retornos da redondeza com mais de dois meses de atraso não geram resultados significativos.

Poderia acontecer dos novos investidores decidirem entrar no mercado adquirindo as ações que os investidores locais compram, independente dos retornos obtidos por esses investidores. Os autores examinam esse caso analisando apenas ofertas públicas iniciais, já que nenhum investidor teria aplicado anteriormente nessas ações. Ainda há uma relação positiva entre os retornos e a taxa de entrada mesmo considerando apenas essas ações, e em magnitude superior ao dos resultados base. Estudo anterior dos mesmos autores (aqui) mostram que boas experiências com IPOs gera mais demanda por essas ofertas pelos investidores, e o novo estudo mostra que os retornos dos pares acaba por gerar interesse por ofertas iniciais.

Por fim, poderia acontecer da cobertura local da imprensa afetar a decisão de entrada, e poderia haver uma correlação entre maior cobertura e retornos da região. No entanto, a imprensa é bastante concentrada na Finlândia, não havendo muitas estações de TV ou jornais locais, os meios nacionais dominando o mercado. Há meios de comunicações do nível das províncias/estados, mas a análise já leva em conta efeitos fixos das províncias, de forma que qualquer diferença na cobertura do mercado já deveria estar incorporada nas análises.

Em suma, o resultado da pesquisa de Kaustia e Knüpfer sugere que investidores que estejam com ganhos positivos no mercado contem seus bons resultados para pessoas próximas e isso acaba por influenciar a decisão de não investidores de começar a aplicar em ações. Como mencionei no primeiro parágrafo, essa é uma sensação que muitos devem ter, e esse artigo acaba por confirmar essa impressão. E o mais interessante é o efeito assimétrico, todos os gênios dos investimentos que jogavam aos quatro ventos seu bom desempenho sumindo quando o mercado começa a entrar em um período de baixa. Mais modernamente, basta acompanhar o Twitter de alguns investidores ou analistas: quando eles sumirem por um tempo da rede social, já sabe o que está acontecendo...


Fonte da imagem: Esquire

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