segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Subdiversificação

Há quase seis décadas que se discute os benefícios da diversificação na redução de riscos de carteiras de investimentos. Pesquisas anteriores, como Goetzmann e Kumar (2008) mostram que, na prática, os investidores pessoa física pouco diversificam. Muitos fundos optam pela baixa diversificação como estratégia de investimento para a geração de alfa. Riepe (2002) fornece três explicações para essa escolha por subdiversificação:

1) Fenômeno vegetais: Um ótimo conselho para se ter uma vida longa é manter uma dieta balanceada, comer vegetais, fazer exercícios físicos regularmente e viver uma vida de moderação. Boa parte da humanidade sabe disso, porém, embora eu não tenha estatísticas sobre isso, creio que está longe de ser maioria as pessoas que seguem esse preceito. Riepe argumenta que “tenha uma carteira diversificada” soa como os conselhos para a vida longa do começo do parágrafo: faz todo sentido, mas é pouco divertido. E dá pouco status: não se impressiona ninguém no churrasco dizer que investe em fundo indexado ou em ETF; não se seduz mulher alguma em festas dizer que é investidor passivo, ao contrário; a chance de ser personagem de revista ao investir de forma diversificada é muito menor do que a do investidor que ficou (alegadamente) milionário na bolsa.

2) Excesso de confiança: Investidores que subdiversificam a carteira podem ter muita confiança de que as poucas ações escolhidas terão um desempenho excepcional. Se realmente a pessoa achar isso e não tiver receio de agir com base nessa opinião, essa é de fato a decisão ótima a ser tomada. Porém, essa especulação não será muito rentável para a maioria dos investidores, e talvez não seja rentável para ninguém de forma consistente (o que remete à discussão de mercados eficientes, que não será retomada aqui). E há um mecanismo mental que fortalece o excesso de confiança e que é extremamente natural em diversos contextos: botar a culpa em alguém. Se a especulação não rendeu o que deveria, antes de concluir falta de habilidade, é sempre possível botar a culpa no mercado, na economia, na “mídia”, nos especuladores, nos vendedores, nos “tubas”... a lista tende ao infinito.

3) Síndrome de Bill Gates: Todos os investidores mais ricos do mundo são pouquíssimo diversificados. Bill Gates pode ser entendido como um investidor com uma única ação na carteira (da Microsoft). Uma carteira composta apenas por ativos de desempenho excelente certamente será melhor do que o retorno de mercado; mas o risco de perder tudo também é bastante considerável (o autor cita no início do artigo o caso da Enron, onde muitos empregados da empresa investiram boa parte de suas economias). Todo mundo quer ser o novo Warren Buffett, mas até hoje não temos tantos gestores com desempenho tão marcante assim (talvez não mais do que se esperaria encontrar ao acaso).

O autor faz uma série de simulações escolhendo aleatoriamente uma ação e uma data entre 1926 e 1997. Com investimentos de 1 ano, os 2,5% piores investimentos em ações de elevado valor de mercado tiveram retornos inferiores a 50%, mas os 2,5% melhores investimentos subiram mais de 90%, o desempenho sendo mais extremado para ações de médio valor de mercado. Isso mostra como é o comportamento geral de uma carteira composta por apenas uma ação: pode dar muito certo, ou muito errado. Se uma única ação com participação igual ou inferior a 20% for misturada com uma carteira bem diversificada, o risco da parte não diversificada não afeta muito o risco total da carteira. Na metáfora nutricional, é possível manter alguns maus hábitos alimentares, desde que na maior parte do tempo a pessoa tenha uma alimentação equilibrada e faça exercícios.

A situação das 2,5% melhores e piores carteiras indica que carteiras pouco diversificadas têm distribuição obliqua, com retornos muito elevados ou muito baixos ocorrendo com razoável frequência. Muitos investidores podem gostar dessa propriedade de distribuição de retornos e buscá-la. É o que Mitton e Vorkink (2007) procuram analisar.

O artigo analisa a questão teorica e empiricamente. No primeiro segmento, parte da tradicional função utilidade quadrática e a altera para incluir um termo que indique a preferência por obliquidade. Ou seja, além de buscar aumentar o valor esperado do patrimônio e reduzir a variância desse valor, o investidor deseja também aumentar a obliquidade do valor esperado. No estudo teórico, há dois tipos de investidores, o investidor tradicional e o “investidor de loteria” (Lotto Investor, que busca obliquidade) e quatro tipos de ativos, um sem risco, dois ativos sem obliquidade, mas com risco e retorno compatíveis com o CAPM, e um terceiro ativo com obliquidade positiva. Com aversão à obliquidade infinita, os dois investidores manteriam carteiras diversificadas com os três ativos em iguais proporções (a função utilidade dos dois investidores seria a mesma). Com menor aversão à obliquidade, os dois investidores manteriam carteiras subdiversificadas sob a óptica média-variância, mas os dois investidores agindo de maneira diferente, o que investidor de loteria aumentando a participação do ativo que conta com mais retornos extremos quanto maior for a obliquidade positiva, o investidor tradicional agindo de maneira oposta. O investidor de loteria parece agir irracionalmente, mas apenas está refletindo suas preferências em suas escolhas. A carteira do investidor tradicional muda porque a ação do investidor de loteria afeta o retorno do ativo com obliquidade, mesmo que não afete os demais ativos. Isso indica que o CAPM não precifica corretamente ativos com obliquidade positiva, os retornos sendo menores do que o previsto pelo CAPM. O índice de Sharpe do investidor de loteria é menor do que o do investidor tradicional: o que ocorre é que o investidor de loteria troca eficiência média-variância por mais obliquidade.

Na parte empírica, os autores testam algumas previsões do modelo que criaram. Os dados utilizados se referem a investidores pessoa física nos Estados Unidos entre 1991 e 1996. Primeiro, os pesquisadores calculam três índices de diversificação e classificam os investidores com base nesses índices, analisando o retorno, a variância e a obliquidade da carteira. Quanto menos diversificada a carteira, maior a variância e maior a obliquidade, conforme o esperado (o retorno médio também é maior, o que eu não esperava que acontecesse). Porém, o índice de Sharpe cai conforme a carteira se torna menos diversificada, ou seja, subdiversificação se mostra ineficiente em termos de média e variância. Os autores analisam a relação entre o índice de Sharpe, a obliquidade e a diversificação das carteiras através de regressões múltiplas. Espera-se coeficientes negativos para a obliquidade e o índice de diversificação (onde números próximos de 0 indicam carteira bastante diversificada) e é isso o que ocorre. Ou seja, uma carteira sem obliquidade e pouco diversificada é ineficiente, assim como uma carteira muito diversificada, mas com obliquidade. Constata-se uma troca entre eficiência média-variância e possibilidade de retornos extremos.

A próxima questão é sobre se os investidores conscientemente montam suas carteiras de forma a terem maior obliquidade. Os autores criam um indicador para medir o grau de diversificação dos compradores de uma ação. Encontram que investidores menos diversificados compram mais ações com elevada obliquidade. Confirmando a análise anterior, há uma combinação de subdiversificação com escolha de ativos para aumentar a ocorrência de retornos extremos, mesmo que isso leve o investidor a assumir mais risco sem aumento adequado no retorno.

Por fim, os autores analisam as características dos investidores de loteria, classificando as carteiras em decis de obliquidade da carteira e analisando as características pessoais. O investidor de loteria típico é homem, jovem, solteiro e com investimentos menores (ou seja, possivelmente mais pobre).

O que se conclui é que investidores podem querer aumentar a probabilidade de ocorrência de retornos extremos (ter preferência por obliquidade), resultando em carteiras menos diversificadas. Essas carteiras são ineficientes do ponto de vista da média-variância, mas pode haver eficiência média-variância-obliquidade. Dessa forma, a subdiversificação para aumentar a obliquidade não é um comportamento irracional. Alguns investidores desejam a possibilidade de ganhar muito dinheiro e parecem aceitar correr mais riscos sem que, na média, tenham retornos maiores que compensem esse risco. Esses resultados têm implicação tanto na análise da escolha dos investidores quanto na precificação de ativos.

Há uma classe de ações que as pessoas denominam de micos, que têm características de ações-loteria, incluindo a elevada obliquidade. Geralmente, são pessoas físicas e frequentadores de fóruns de investimento (alguns bem famosos por abrigar esse tipo de forista). O último caso de ação-loteria foi a Mundial, que, embora não tivesse tanto essa característica, passou a ter com altas expressivas e sucessivas, atraindo muitos investidores, que poderiam ter multiplicado seu capital por 10 ou por 0,10. É errado ir atrás desses micos, dessas ações-loterias? Como o artigo argumentou, os investidores podem querer tentar ganhar muito (marcar um “home run de investimentos”, como escrevem os autores), mesmo aceitando uma carteira ineficiente. Os autores não ressaltaram isso (eles focam na obliquidade positiva), mas outro ponto negativo é que a obliquidade tem dois lados, como a Mundial exemplificou. Tudo depende do investidor conhecer bem com o que se está lidando.

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