Na
internet, está em voga a teoria da conspiração sobre o mundo não ter a forma
que pensamos ter (redondo, oval, helicoidal, como preferir).
Embora
o título faça menção a isso, não é sobre esse tema que quero falar e até evitei
usar os termos mais utilizados para evitar mecanismos de busca. A questão é que
se isso fosse verdade, ou seja, que o planeta não tivesse a forma que pensamos
ter, isso não mudaria completamente nosso entendimento sobre tudo? E por mais
que seja um fato que a maioria das pessoas toma como verdade absoluta, ninguém tem
uma evidência pessoal (nem eu nem nenhum dos meus leitores entrou em órbita para
comprovar por si mesmo ou deu a volta ao mundo) e é algo que as pessoas sequer
pensam em ter uma argumentação para defender algo tomado como tão absoluto.
Uma
discussão parecida com essa em Finanças é sobre a ausência de prêmio por risco.
O que entendemos sobre risco e retorno é que deve haver uma relação positiva
entre esses dois fatores, ou seja, deve haver alguma recompensa por assumir
mais risco e se há um retorno elevado é porque deve ter um risco elevado
envolvido. Claro que nem sempre assumir risco é recompensador (de outra forma,
não seria arriscado), mas toda a teoria de Finanças e Retorno Esperado tem como
base essa relação entre risco e retorno.
Depois
de um tempo acompanhando com curiosidade até mórbida essa discussão no Twitter*,
lembrei de Eric Falkenstein. Ele escreve possivelmente o melhor blog de
Finanças que pouca gente lê (link)
e cultiva essa teoria de que não há uma relação entre risco e retorno e
escreveu um livro
sobre o tema (disponível gratuitamente no Kindle Unlimited americano). Não me
aprofundei muito em seus argumentos, mas o pouco que vi não me impressionou. Baixo
retorno de ativos de alta volatilidade não é exatamente uma anomalia
inesperada, já que muitas vezes envolvem empresas em precária situação
financeira que provavelmente devem ir a falência com algumas poucas se salvando
e produzindo retornos espetaculares. Além do mais, essas empresas tendem a ter
um beta estatístico baixo, já que a correlação com o mercado é baixíssima, mas
beta tende a ser uma péssima medida de risco para essas ações.
Ações
com tanta volatilidade tendem mais a serem precificadas como opções reais fora
do dinheiro que provavelmente vão virar pó, mas que podem serem “exercidas”
(nesse caso, sobreviverem) com retornos elevados nessa hipótese. Mesmo pensando
em uma perspectiva mais tradicional de avaliação, a taxa de desconto em
equilíbrio poderia ser menor não por conta de a empresa ter um risco menor, mas
porque investidores que gostam de correr risco são atraídos por esse tipo de
empresa (o que foi chamado de ação-loteria).
Nesse caso, o correto seria adotar uma taxa de desconto maior (talvez
acrescentando algum prêmio de risco por precariedade financeira), o que faria
com que a empresa valesse menos com maior retorno esperado. Isso faria com que
a ação fosse julgada como superavaliada (preço justo abaixo do preço de
mercado) e o mais sensato seria não recomendar a compra dessa ação. Se a ação é
persistentemente negociada acima do preço justo por conta dos “risk lovers”, paciência.
Saindo
desse caso específico, podemos afirmar que deve necessariamente haver uma relação
entre risco e retorno. Preço no mercado de ações é definido como em qualquer
outro mercado, pela interação entre compradores e vendedores. O comprador abre
mão de liquidez em troca de um ativo de risco e o vendedor troca um ativo de
risco por caixa. As duas partes analisam o risco e o retorno dessa e de outras
transações na hora de decidir comprar ou vender. Se o ativo de risco sequer
oferece um retorno superior ao ativo considerado sem risco (ou seja, não há
prêmio por risco), então porque alguém aceitaria entrar nessa transação como
comprador? Tirando o caso mencionado acima, ninguém iria aceitar esses termos
de troca. Então, é muito difícil imaginar um mundo sem um prêmio por risco excetuando
os casos especiais.
Mas
é importante entender a razão da existência da relação entre risco e retorno,
explicada de maneira básica acima. Igualmente, em Finanças Corporativas é
importante entender a razão do objetivo da empresa ser a maximização do valor
ao acionista (assunto analisado aqui
neste blog). Da mesma forma que o prêmio por risco, toda a área de Finanças
Corporativas (talvez toda a Administração de Empresas) teria que ser repensada
se você não considerar que este é o objetivo. Porém, diferente da relação entre
risco e retorno, assunto que qualquer livro ou curso de investimentos deve
abordar, nem todos os livros ou cursos de Finanças Corporativas estabelecem o
objetivo das empresas e um número ainda menor analisam a fundo essa questão.
No
fim, teorias da conspiração são um pouco subestimadas, na minha opinião. Não
que eu acredite em alguma. Ingenuidade ou não, eu acredito que as coisas
acontecem e aconteceram mais ou menos da forma como as pessoas contam. Que o
homem foi à Lua, que Kennedy morreu do jeito que morreu e por ai vai. Mas o
interessante das teorias da conspiração não é que elas mudam a sua opinião
sobre o tema, e sim que elas permitem analisar a questão por outros ângulos e
forçam um entendimento mais formal sobre tópicos considerados como
autoevidentes (como os mencionados acima). Talvez nunca chegaremos ao ponto de
rejeitar a existência do prêmio por risco mas, ao menos para mim, essa
discussão será sempre bem-vinda.
*
De início, pensei em parar de seguir a pessoa que passou a escrever
obsessivamente sobre esse tema sem, a bem da verdade, escrever nada relevante
antes disso, mas fiquei curioso para saber até onde isso ia e não me arrependi!
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