Em avaliação de empresas, o que importa é a geração de caixa, e não o lucro. Isso é um fato inquestionável, mas a divergência começa em como diferenciar uma coisa da outra. Uma abordagem utilizada é a de calcular algum tipo de lucro que desconsidera custos e despesas não-caixa, como o EBITDA (Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), mas eu prefiro utilizar outro método.
A grande dificuldade em se adotar uma métrica dessa
natureza é a sua definição e quais contas deveriam entrar nesse cálculo. A
Comissão de Valores Mobiliários criou uma Instrução Normativa para regulamentar
o cálculo, mas as companhias podem adotar as suas próprias métricas na forma de
um EBTIDA pró-forma. O problema é que há outras contas que não produzem efeito
no caixa além da depreciação e amortização e é possível alterar o cálculo do
EBITDA para considerar esses efeitos. Só que aí se perde a simplicidade e a
comparabilidade que a métrica deveria oferecer. A questão pode se tornar ainda
mais complexa com disputas de natureza até política sobre a inclusão ou
exclusão de alguma conta de resultado que pode resultar na criação do LADMN
(Lucro Antes de Más Notícias). Outra observação é que geralmente se exclui os
resultados financeiros do EBITDA, mas nem todo resultado financeiro está ligado
à dívida da companhia, possuem efeito caixa e poderia muito bem ser
classificada como uma despesa geral e administrativa (tarifas bancárias, por
exemplo).
Se uma conta de resultado não produz efeito caixa,
pode procurar que em algum outro lugar há de ter efeito. Uma possibilidade é
que tenha efeito no Patrimônio Líquido ao invés do caixa, como despesa com
opções de ações. Outra é que tenha efeito no Ativo ou no Passivo e a solução
que eu adoto é analisar cada conta patrimonial e de resultados na hora de
estimar os fluxos de caixa, sem precisar criar uma métrica como EBITDA, NOPAT
ou seja lá o que for. Eu analiso a razão de existência da conta de resultado e
em alguns casos é possível atrelar essa conta com alguma conta patrimonial.
Dessa forma, é possível resolver simultaneamente o mistério de como projetar um
ativo ou passivo e também uma conta de resultado.
Vou mencionar dois exemplos. A Odontoprev possui
uma considerável Provisão para Riscos. Nas Notas Explicativas, é informado que
a maior parte se refere a uma disputa judicial a respeito do pagamento de INSS
para os dentistas como se fossem empregados da companhia, quando na verdade a
Odontoprev alega que são prestadores de serviços. A minha dúvida, então, era:
como projetar essa linha do balanço?
Analisando mais a fundo a questão, percebemos que a
movimentação é basicamente atualização monetária e adições às provisões. De
início, pensei que essas adições eram novos processos contra a empresa, o que
não é bem o caso. Provisões, de maneira geral, são constituídas com um débito
nas despesas. Porém, procurei nas notas explicativas a respeito das despesas
gerais e administrativas, outros resultados operacionais e até no resultado
financeiro, e nada constava. Verifiquei a Demonstração de Fluxo de Caixa (que
só consulto para tirar dúvidas) e lá consta que essa é uma despesa não caixa
(adiciona caixa ao Caixa Gerado pelas Operações).
Então que encontrei na divulgação de resultado a
informação de que o custo identificado como “Encargos sociais sobre serviços” é
a tal despesa (embora seja um custo) que adiciona às provisões. De fato, a
variação das provisões é praticamente idêntica à soma dos encargos sociais
sobre serviços e a atualização monetária das provisões. Mistério resolvido!
Agora sabemos que esse é um custo não caixa. Porém,
um cálculo de EBITDA ignorando esse fato iria considerar os encargos como um
custo com efeito caixa. No cálculo do EBTIDA da empresa há o ajuste para a
variação da PEONA, mas não para os encargos sociais. A empresa contabiliza esse
custo como se fosse devido, mas a contrapartida não é uma saída de caixa, e sim
um aumento nas Provisões para Riscos. E é importante analisar essa questão, já
que um dia a justiça irá decidir sobre a questão (espero que estejamos vivos
para ver isso!) e isso terá impacto na empresa.
Na minha análise, fiz duas avaliações: considerando
que a empresa irá ganhar a ação e considerando que irá perder. Seja qual for o
cenário, ele só iria se manifestar em uma data futura e até lá projetei a
Provisão somando os encargos sociais e a atualização monetária. Na data da
decisão, caso a empresa ganhe a ação, há a reversão da provisão, do tributo
diferido sobre a provisão e do depósito judicial (também atualizado monetariamente)
e o pagamento de um dividendo extraordinário; é como se a empresa estivesse
compensando o pagamento inferior de dividendos dos últimos anos, já que
registrou custos e despesas financeiras mais elevadas. Caso perca, a provisão é
zerada com o pagamento dos encargos devidos, o depósito judicial é zerado pois
ajuda a pagar esses encargos e a empresa ainda realiza o tributo diferido.
O segundo caso é referente à Qualicorp, que possui
no seu passivo uma Opção para Compra de Participações Minoritárias. A empresa
infelizmente não caracteriza de maneira muito precisa essa opção, chamando de
opção de compra para a empresa e opção de venda para os sócios. Já que se trata
de um passivo para a companhia, essa opção então é uma obrigação da empresa, a
de comprar as ações se os titulares da opção de venda (os sócios) exercerem a
opção. Esse passivo aumenta de valor contábil a cada trimestre por conta da
atualização do valor dessa opção, que é uma despesa financeira. Então, é bem
simples ligar uma coisa à outra e eu estimo simultaneamente a despesa
financeira com atualização das opções e o próprio valor das opções no Passivo.
Essa conta já não entra no EBITDA uma vez que é um resultado financeiro, mas
não tem nada a ver com pagamento de juros da dívida, de forma que deveria ser
analisada com mais cuidado uma vez que pode resultar em uma saída de caixa
expressiva para a companhia no futuro.
O processo pode até ser complexo pois exige
examinar cada conta patrimonial e de resultado, mas lida com problemas que são
ignorados pelo EBITDA ou por qualquer outro tipo de métrica. Não se trata aqui
de criar uma métrica, e sim examinar o que afeta ou não o caixa caso a caso. No meu entender, análise é sobre responder
perguntas e se não utilizo o EBITDA é porque eu encontro as respostas em outros
lugares. Nesse caso, encontrei nas notas explicativas e na análise de cada
conta patrimonial e de resultado relevante para a avaliação da empresa.
e no caso de algumas empresas como bancos que não tem EBITDA no relatório? complica mais né
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