Prosseguindo com a série sobre projeção de receitas, irei neste texto escrever sobre shopping centers.
A receita das empresas de shopping centers vem do aluguel de suas lojas, parte fixa
reajustado por índice de inflação, parte variável de acordo com as vendas da
loja. Cada empreendimento gera uma receita diferente por conta de uma série de
motivos, um deles diferença de área bruta locável (ABL) do shopping. As empresas de shopping
centers possuem participação nos empreendimentos, raras vezes sendo uma
participação integral e algumas vezes até uma participação não-controladora,
embora as empresas prefiram ser controladoras para exercer influência na
administração e adotar padrões e estratégias unificadas.
O crescimento da receita pode vir de cinco fontes,
listada em ordem de frequência: 1) aumento da receita com os mesmos
empreendimentos; 2) expansão dos empreendimentos existentes; 3) inauguração de
novos empreendimentos; 4) aumento na participação dos empreendimentos e; 5) aquisição
de shoppings existentes.
No primeiro caso, são quatro as principais métricas
utilizadas: aluguel mesmas lojas, aluguel mesma área, vendas mesmas lojas,
vendas mesma área. As quatro variáveis são altamente correlacionadas, mas
possuem diferenças importantes entre si então é importante considerar todas.
Porém, não é uma boa ideia incluir todas em um mesmo modelo de regressão por
conta de serem muito autocorrelacionadas. Qual variável deve-se levar mais em
consideração varia caso a caso, mas ao longo do tempo elas deveriam convergir
para o que o analista considera ser o crescimento de longo prazo dos mesmos
empreendimentos.
Uma diferença importante dos shopping centers para o varejo que exige um texto em separado é o
crescimento através de expansão ou novos empreendimentos. No varejo, cada nova
loja ou novo metro quadrado de loja é parecido com os anteriores. Certamente
que abrir uma nova loja em uma área nobre é diferente de abrir em uma localização
pior e abrir uma loja grande gera mais receita que abrir uma loja pequena, mas
essas diferenças tendem a não ser tão grandes porque o acréscimo marginal não é
tão grande. No chamado varejo alimentar, a tendência recente é a aposta em
lojas pequenas, o que reforça a necessidade de usar métricas por área de
vendas, mas essa ainda é uma diferença gerenciável. Para shoppings, no entanto,
não é recomendável supor que o novo é parecido com o existente, já que um novo
empreendimento apresenta um acréscimo relevante na ABL total. Basicamente, nem
toda ABL é igual e tentar projetar o acréscimo de receita por conta de uma
receita/ABL médio dos atuais empreendimentos pode levar a erros consideráveis.
Ou seja, acréscimo de ABL * Receita/ABL não é uma boa maneira de projetar a
receita de novos empreendimentos.
No meu entender, é necessário separar o crescimento
dos empreendimentos antigos com o acréscimo de expansões e novos
empreendimentos. Isso é possível já que as empresas divulgam os resultados
(aluguel e/ou vendas) de cada shopping de seu portfólio. Dessa maneira, é
possível separar os resultados e trabalhar com as bases apropriadas. O efeito
do acréscimo de um novo empreendimento ou expansão é tão grande que eu até tive
que considerar as datas exatas em que eram inaugurados, vendo que poderia haver
diferenças significativas entre supor que o shopping é inaugurado no final de
outubro ou no final de novembro, por exemplo. Novas inaugurações e expansão são
diferentes em tamanho, mas na minha
opinião o tratamento deve ser semelhante. Nem toda ABL é igual, inclusive
dentro de um mesmo shopping
comparando área existente e expansão.
Aumento de participação nos shoppings é muito mais
fácil de trabalhar, basta ajustar a base para considerar o aumento na
participação societária. Novos shoppings (ou venda de empreendimentos) também
não é tão difícil porque basta acrescentar na base ou analisar a aquisição em
separado e depois incorporar na base. Mas esse tipo de movimento não é tão
comum dentre as empresas de capital aberto e me lembro mais de vendas de
participação do que aquisição.
Até agora, eu descrevi os cuidados necessários para
analisar o passado. Para empreendimentos ainda a serem inaugurados, a projeção
deve levar em conta o prazo previsto de inauguração e uma previsão do potencial
de geração de receita. As próprias empresas costumam divulgar as estimativas de
NOI (Net Operational Income, lucro
líquido operacional), então o analista pode usar essa estimativa ou fazer a sua
própria.
Uma particularidade de shopping centers é a receita diferida, também conhecida como luvas,
adiantamento de clientes, instalações técnicas e outros nomes que significam a
mesma coisa. Quando o empreendimento está em fase de construção, as empresas já
acertam o aluguel das futuras lojas para acelerar a geração de receita e,
principalmente, para viabilizar o investimento. Comercialmente, é muito mais
fácil alugar lojas quando já há uma base de lojistas comprometidos com o
empreendimento e demora em conseguir lojistas pode significar que a empresa
tenha que reduzir o aluguel, reduzindo a rentabilidade. Em geral, esse acerto
inclui um pagamento adiantado. Contabilmente, essa é uma receita diferida, uma
entrada de caixa que tem como contrapartida o passivo Receitas Diferidas. Nada
mais é do que o adiantamento de aluguel, já que no futuro o lojista pode abater
esse valor do aluguel a pagar. Não é uma receita pelo regime de competência já
que não houve a prestação do serviço e apenas será reconhecido como receita (de
maneira destacada na DRE) quando efetivamente houver a prestação do serviço
quando o empreendimento for inaugurado. Nesse caso, será uma receita não-caixa
que tem como contrapartida o passivo Receitas Diferidas.
Naturalmente os shopping centers afetam o ativo da
empresa, mas não a conta de Imobilizado como alguém poderia supor, e sim o
Investimento na parte Propriedades para Investimento. É possível contabilizar
ao custo ou ao valor justo, conforme já escrevi
antes e não pretendo me estender aqui. Uma coisa importante é separar os
ativos em operação dos ativos em andamento e infelizmente nem toda empresa faz
essa separação no Balanço. Há dois tipos de investimento: investimentos nos
ativos operacionais para manutenção ou investimento nos empreendimentos em
construção. Quando termina a construção, há uma transferência de contas e esse
novo empreendimento passará a ser depreciado (se avaliado ao custo). Como são
ativos de longa vida útil, reinvestimentos não serão necessários por um longo
tempo após a inauguração e essa é outra diferença bem importante para o varejo,
que possuem lojas de menor vida útil projetada.
Shoppings
são parte do varejo, mas devem ser analisados de maneira diferente das
varejistas que muitas vezes são suas clientes. Para resumir as diferenças em
uma única ideia, que gera todas as diferenças de tratamento descritas ao longo
do texto, nem toda ABL é igual.