segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Projeção de receita de shopping centers

Prosseguindo com a série sobre projeção de receitas, irei neste texto escrever sobre shopping centers.


A receita das empresas de shopping centers vem do aluguel de suas lojas, parte fixa reajustado por índice de inflação, parte variável de acordo com as vendas da loja. Cada empreendimento gera uma receita diferente por conta de uma série de motivos, um deles diferença de área bruta locável (ABL) do shopping. As empresas de shopping centers possuem participação nos empreendimentos, raras vezes sendo uma participação integral e algumas vezes até uma participação não-controladora, embora as empresas prefiram ser controladoras para exercer influência na administração e adotar padrões e estratégias unificadas.

O crescimento da receita pode vir de cinco fontes, listada em ordem de frequência: 1) aumento da receita com os mesmos empreendimentos; 2) expansão dos empreendimentos existentes; 3) inauguração de novos empreendimentos; 4) aumento na participação dos empreendimentos e; 5) aquisição de shoppings existentes.

No primeiro caso, são quatro as principais métricas utilizadas: aluguel mesmas lojas, aluguel mesma área, vendas mesmas lojas, vendas mesma área. As quatro variáveis são altamente correlacionadas, mas possuem diferenças importantes entre si então é importante considerar todas. Porém, não é uma boa ideia incluir todas em um mesmo modelo de regressão por conta de serem muito autocorrelacionadas. Qual variável deve-se levar mais em consideração varia caso a caso, mas ao longo do tempo elas deveriam convergir para o que o analista considera ser o crescimento de longo prazo dos mesmos empreendimentos.

Uma diferença importante dos shopping centers para o varejo que exige um texto em separado é o crescimento através de expansão ou novos empreendimentos. No varejo, cada nova loja ou novo metro quadrado de loja é parecido com os anteriores. Certamente que abrir uma nova loja em uma área nobre é diferente de abrir em uma localização pior e abrir uma loja grande gera mais receita que abrir uma loja pequena, mas essas diferenças tendem a não ser tão grandes porque o acréscimo marginal não é tão grande. No chamado varejo alimentar, a tendência recente é a aposta em lojas pequenas, o que reforça a necessidade de usar métricas por área de vendas, mas essa ainda é uma diferença gerenciável. Para shoppings, no entanto, não é recomendável supor que o novo é parecido com o existente, já que um novo empreendimento apresenta um acréscimo relevante na ABL total. Basicamente, nem toda ABL é igual e tentar projetar o acréscimo de receita por conta de uma receita/ABL médio dos atuais empreendimentos pode levar a erros consideráveis. Ou seja, acréscimo de ABL * Receita/ABL não é uma boa maneira de projetar a receita de novos empreendimentos.

No meu entender, é necessário separar o crescimento dos empreendimentos antigos com o acréscimo de expansões e novos empreendimentos. Isso é possível já que as empresas divulgam os resultados (aluguel e/ou vendas) de cada shopping de seu portfólio. Dessa maneira, é possível separar os resultados e trabalhar com as bases apropriadas. O efeito do acréscimo de um novo empreendimento ou expansão é tão grande que eu até tive que considerar as datas exatas em que eram inaugurados, vendo que poderia haver diferenças significativas entre supor que o shopping é inaugurado no final de outubro ou no final de novembro, por exemplo. Novas inaugurações e expansão são diferentes em tamanho, mas na  minha opinião o tratamento deve ser semelhante. Nem toda ABL é igual, inclusive dentro de um mesmo shopping comparando área existente e expansão.

Aumento de participação nos shoppings é muito mais fácil de trabalhar, basta ajustar a base para considerar o aumento na participação societária. Novos shoppings (ou venda de empreendimentos) também não é tão difícil porque basta acrescentar na base ou analisar a aquisição em separado e depois incorporar na base. Mas esse tipo de movimento não é tão comum dentre as empresas de capital aberto e me lembro mais de vendas de participação do que aquisição.

Até agora, eu descrevi os cuidados necessários para analisar o passado. Para empreendimentos ainda a serem inaugurados, a projeção deve levar em conta o prazo previsto de inauguração e uma previsão do potencial de geração de receita. As próprias empresas costumam divulgar as estimativas de NOI (Net Operational Income, lucro líquido operacional), então o analista pode usar essa estimativa ou fazer a sua própria.

Uma particularidade de shopping centers é a receita diferida, também conhecida como luvas, adiantamento de clientes, instalações técnicas e outros nomes que significam a mesma coisa. Quando o empreendimento está em fase de construção, as empresas já acertam o aluguel das futuras lojas para acelerar a geração de receita e, principalmente, para viabilizar o investimento. Comercialmente, é muito mais fácil alugar lojas quando já há uma base de lojistas comprometidos com o empreendimento e demora em conseguir lojistas pode significar que a empresa tenha que reduzir o aluguel, reduzindo a rentabilidade. Em geral, esse acerto inclui um pagamento adiantado. Contabilmente, essa é uma receita diferida, uma entrada de caixa que tem como contrapartida o passivo Receitas Diferidas. Nada mais é do que o adiantamento de aluguel, já que no futuro o lojista pode abater esse valor do aluguel a pagar. Não é uma receita pelo regime de competência já que não houve a prestação do serviço e apenas será reconhecido como receita (de maneira destacada na DRE) quando efetivamente houver a prestação do serviço quando o empreendimento for inaugurado. Nesse caso, será uma receita não-caixa que tem como contrapartida o passivo Receitas Diferidas.

Naturalmente os shopping centers afetam o ativo da empresa, mas não a conta de Imobilizado como alguém poderia supor, e sim o Investimento na parte Propriedades para Investimento. É possível contabilizar ao custo ou ao valor justo, conforme já escrevi antes e não pretendo me estender aqui. Uma coisa importante é separar os ativos em operação dos ativos em andamento e infelizmente nem toda empresa faz essa separação no Balanço. Há dois tipos de investimento: investimentos nos ativos operacionais para manutenção ou investimento nos empreendimentos em construção. Quando termina a construção, há uma transferência de contas e esse novo empreendimento passará a ser depreciado (se avaliado ao custo). Como são ativos de longa vida útil, reinvestimentos não serão necessários por um longo tempo após a inauguração e essa é outra diferença bem importante para o varejo, que possuem lojas de menor vida útil projetada.


Shoppings são parte do varejo, mas devem ser analisados de maneira diferente das varejistas que muitas vezes são suas clientes. Para resumir as diferenças em uma única ideia, que gera todas as diferenças de tratamento descritas ao longo do texto, nem toda ABL é igual.