A prática comum no que se refere à recomendação de
investimentos com base em análise fundamentalista é informar o preço-alvo (ou
valor justo, como preferir chamar) para uma data futura, seja final do atual
ano, do ano seguinte ou doze meses no futuro.
Na minha opinião, o ideal seria informar o
preço-alvo para a data atual (hoje) ou para uma data futura bem próxima (final
do trimestre ou do mês, por exemplo). Um dos motivos é que estamos calculando o
preço-alvo trazendo a valor presente
os fluxos de caixa. Claro que é possível levar o valor dos fluxos de caixa para
qualquer data, seja hoje, daqui doze meses ou para o ano 2262, mas, vendo
alguns relatórios, não tenho certeza se a conta foi feita para a mesma data da
recomendação (algumas vezes, penso se o preço não se refere ao valor presente
no final do ano passado). É mais eficiente levar os fluxos de caixa para o
final do mês ou do trimestre simplesmente porque é mais fácil de fazer conta;
se estamos no dia 15 de outubro, a taxa de desconto acumulada para os fluxos de
caixa em dezembro pode ser calculada elevando 1 mais a taxa de desconto elevado
por 2/3 (para final de outubro) ou por 1 (para dezembro), o que é algo simples
de se fazer. A rigor, o mais correto seria elevar a 15/92 e depois ir
“acruando” a taxa a cada dia que passa, mas não só isso não vai fazer muita
diferença como ninguém exige tanto rigor. Mas, lembremos: o valor justo da ação
muda a cada dia se estamos calculando a valor presente para a data de hoje.
Outro motivo é que, conforme vemos na Introdução a
Matemática Financeira, precisamos comparar valores nas mesmas datas, por isso
que fazemos cálculo de valor presente. Você não pode comparar um valor daqui
doze meses com um valor atual (o preço de mercado). O que media a relação entre
um valor hoje e em uma data futura é a taxa de desconto, e aqui vemos que o “upside” informado nos relatórios pode
ser enganoso. Se, por exemplo, a comparação do valor justo com o preço atual
implicar taxa de retorno de 10%, isso é bom ou ruim? A reação mais imediata é
achar que é bom já que apresenta uma valorização. Mas o que precisamos fazer é
comparar essa taxa de retorno com a taxa de desconto do período, que é a taxa
de retorno esperada considerando o risco da ação e considerando o tempo de
investimento. Então, sem nenhuma informação adicional, dizer que o retorno
esperado é 10% não significa rigorosamente nada se estamos utilizando um
preço-alvo em uma data futura. Se o preço-alvo se referir a hoje, qualquer
valorização positiva indica retorno anormal (que mais do que compensa o risco).
Mas há um problema adicional: preço-alvo futuro irá
implicar taxa de retorno esperada apenas se não houver distribuição de
dividendos entre hoje e a data futura. Quando há o pagamento do dividendo, a
reação imediata é uma queda no preço (que não é uma desvalorização). Em termos
de avaliação por fluxo de caixa descontado, é a diferença entre o valor
presente dos fluxos de caixa futuros mais o fluxo de caixa na data atual (o
dividendo) e o valor presente dos fluxos de caixa futuros já sem esse fluxo de
caixa, já que a compra da ação não mais dá direito ao recebimento do dividendo.
Imagine que a avaliação da ação indique que o preço para o dia 29/12 seja $
110, que no dia 29/12 será feita a distribuição de $ 10 em dividendos e o preço
atual seja $ 100. No dia 30/12, o preço-alvo é $ 100 (mais precisamente, 100
mais a taxa de desconto “acruada” por
um dia, mas vamos ignorar isso). Se compararmos alvo e atual, a taxa de retorno
esperada deveria ser 0%, mas na verdade é 10%. Dessa forma, o correto seria
dizer que o preço-alvo da ação no dia 30/12 é $ 100 e que, comparando com o
preço atual de $ 100, temos um retorno esperado de 10% considerando a distribuição
de $10 em dividendos antes do dia 30/12. Confuso o suficiente? Se você calcular
o preço-alvo para a data atual ou para uma data futura sem que haja
distribuição de dividendos entre hoje e essa data, não temos esse problema.
Uma crítica à ideia de utilizar a data atual é que
o usuário do relatório poderia perguntar: então, porque o preço atual não é
igual ao preço-alvo? Jogar o preço-alvo para o futuro dá a entender que em
algum momento entre hoje e essa data o mercado irá perceber o erro de
precificação, que irá corrigir esse erro e que a taxa de retorno será a
diferença percentual entre o preço atual e alvo. Ou seja, é dizer que hoje o
mercado precifica erroneamente a ação, mas que em até doze meses ou até o final
do ano irá corrigir esse erro. Parece fazer sentido, mas na verdade o mesmo
raciocínio pode ser aplicado com a abordagem de utilizar a data de hoje para
cálculo o valor justo. Por exemplo, poderíamos dizer que a ação deveria valer
5% a mais do que vale hoje e em algum momento no futuro haverá uma correção na
precificação, resultando em um ganho de 5% mais a taxa de desconto acumulada no
período. Então, utilizar uma data futura para estabelecer o preço-alvo pode
parecer intuitivo, mas na verdade é mais uma vez enganoso.
Um ponto talvez não pertinente ao tema principal deste
texto, mas acho que vale a pena mencionar: o que significa dizer que a ação
deveria valer 5% a mais? Se os fluxos de caixa futuro forem idênticos ao
projetado pela avaliação, então o retorno do investimento será superior à taxa
de desconto. Isso pode significar que o analista conseguiu identificar uma
oportunidade de investimento com retorno que mais do que compensa o risco, ou
pode significar que meramente projetou errado a taxa de desconto (na maioria
dos casos, há uma taxa de desconto qualquer que faz com que o valor presente
dos fluxos esperados seja igual ao preço de mercado). O que podemos dizer de
concreto (mas de maneira complexa) é: se os fluxos de caixa forem iguais ao que
eu estou esperando, terei um retorno anormal de acordo com o meu modelo de precificação de ativos se eu comprar
a ação por esse preço.
Em suma, considero que o preço-alvo de um relatório
de avaliação deveria se referir a data atual (ou a uma data futura próxima
meramente para facilitar os cálculos), pois isso evita uma série de erros, que
poderiam ser corrigidos mesmo utilizando uma data futura, mas não sem uma série
de explicações que poderiam confundir o usuário do relatório para termos a
mesma eficácia utilizando preço-alvo na data de hoje.