terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Custos e Despesas não-caixa

Em avaliação de empresas, o que importa é a geração de caixa, e não o lucro. Isso é um fato inquestionável, mas a divergência começa em como diferenciar uma coisa da outra. Uma abordagem utilizada é a de calcular algum tipo de lucro que desconsidera custos e despesas não-caixa, como o EBITDA (Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), mas eu prefiro utilizar outro método.


A grande dificuldade em se adotar uma métrica dessa natureza é a sua definição e quais contas deveriam entrar nesse cálculo. A Comissão de Valores Mobiliários criou uma Instrução Normativa para regulamentar o cálculo, mas as companhias podem adotar as suas próprias métricas na forma de um EBTIDA pró-forma. O problema é que há outras contas que não produzem efeito no caixa além da depreciação e amortização e é possível alterar o cálculo do EBITDA para considerar esses efeitos. Só que aí se perde a simplicidade e a comparabilidade que a métrica deveria oferecer. A questão pode se tornar ainda mais complexa com disputas de natureza até política sobre a inclusão ou exclusão de alguma conta de resultado que pode resultar na criação do LADMN (Lucro Antes de Más Notícias). Outra observação é que geralmente se exclui os resultados financeiros do EBITDA, mas nem todo resultado financeiro está ligado à dívida da companhia, possuem efeito caixa e poderia muito bem ser classificada como uma despesa geral e administrativa (tarifas bancárias, por exemplo).

Se uma conta de resultado não produz efeito caixa, pode procurar que em algum outro lugar há de ter efeito. Uma possibilidade é que tenha efeito no Patrimônio Líquido ao invés do caixa, como despesa com opções de ações. Outra é que tenha efeito no Ativo ou no Passivo e a solução que eu adoto é analisar cada conta patrimonial e de resultados na hora de estimar os fluxos de caixa, sem precisar criar uma métrica como EBITDA, NOPAT ou seja lá o que for. Eu analiso a razão de existência da conta de resultado e em alguns casos é possível atrelar essa conta com alguma conta patrimonial. Dessa forma, é possível resolver simultaneamente o mistério de como projetar um ativo ou passivo e também uma conta de resultado.

Vou mencionar dois exemplos. A Odontoprev possui uma considerável Provisão para Riscos. Nas Notas Explicativas, é informado que a maior parte se refere a uma disputa judicial a respeito do pagamento de INSS para os dentistas como se fossem empregados da companhia, quando na verdade a Odontoprev alega que são prestadores de serviços. A minha dúvida, então, era: como projetar essa linha do balanço?

Analisando mais a fundo a questão, percebemos que a movimentação é basicamente atualização monetária e adições às provisões. De início, pensei que essas adições eram novos processos contra a empresa, o que não é bem o caso. Provisões, de maneira geral, são constituídas com um débito nas despesas. Porém, procurei nas notas explicativas a respeito das despesas gerais e administrativas, outros resultados operacionais e até no resultado financeiro, e nada constava. Verifiquei a Demonstração de Fluxo de Caixa (que só consulto para tirar dúvidas) e lá consta que essa é uma despesa não caixa (adiciona caixa ao Caixa Gerado pelas Operações).

Então que encontrei na divulgação de resultado a informação de que o custo identificado como “Encargos sociais sobre serviços” é a tal despesa (embora seja um custo) que adiciona às provisões. De fato, a variação das provisões é praticamente idêntica à soma dos encargos sociais sobre serviços e a atualização monetária das provisões. Mistério resolvido!

Agora sabemos que esse é um custo não caixa. Porém, um cálculo de EBITDA ignorando esse fato iria considerar os encargos como um custo com efeito caixa. No cálculo do EBTIDA da empresa há o ajuste para a variação da PEONA, mas não para os encargos sociais. A empresa contabiliza esse custo como se fosse devido, mas a contrapartida não é uma saída de caixa, e sim um aumento nas Provisões para Riscos. E é importante analisar essa questão, já que um dia a justiça irá decidir sobre a questão (espero que estejamos vivos para ver isso!) e isso terá impacto na empresa.

Na minha análise, fiz duas avaliações: considerando que a empresa irá ganhar a ação e considerando que irá perder. Seja qual for o cenário, ele só iria se manifestar em uma data futura e até lá projetei a Provisão somando os encargos sociais e a atualização monetária. Na data da decisão, caso a empresa ganhe a ação, há a reversão da provisão, do tributo diferido sobre a provisão e do depósito judicial (também atualizado monetariamente) e o pagamento de um dividendo extraordinário; é como se a empresa estivesse compensando o pagamento inferior de dividendos dos últimos anos, já que registrou custos e despesas financeiras mais elevadas. Caso perca, a provisão é zerada com o pagamento dos encargos devidos, o depósito judicial é zerado pois ajuda a pagar esses encargos e a empresa ainda realiza o tributo diferido.

O segundo caso é referente à Qualicorp, que possui no seu passivo uma Opção para Compra de Participações Minoritárias. A empresa infelizmente não caracteriza de maneira muito precisa essa opção, chamando de opção de compra para a empresa e opção de venda para os sócios. Já que se trata de um passivo para a companhia, essa opção então é uma obrigação da empresa, a de comprar as ações se os titulares da opção de venda (os sócios) exercerem a opção. Esse passivo aumenta de valor contábil a cada trimestre por conta da atualização do valor dessa opção, que é uma despesa financeira. Então, é bem simples ligar uma coisa à outra e eu estimo simultaneamente a despesa financeira com atualização das opções e o próprio valor das opções no Passivo. Essa conta já não entra no EBITDA uma vez que é um resultado financeiro, mas não tem nada a ver com pagamento de juros da dívida, de forma que deveria ser analisada com mais cuidado uma vez que pode resultar em uma saída de caixa expressiva para a companhia no futuro.


O processo pode até ser complexo pois exige examinar cada conta patrimonial e de resultado, mas lida com problemas que são ignorados pelo EBITDA ou por qualquer outro tipo de métrica. Não se trata aqui de criar uma métrica, e sim examinar o que afeta ou não o caixa caso a caso.  No meu entender, análise é sobre responder perguntas e se não utilizo o EBITDA é porque eu encontro as respostas em outros lugares. Nesse caso, encontrei nas notas explicativas e na análise de cada conta patrimonial e de resultado relevante para a avaliação da empresa.