sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Procurando a quem culpar


Um dos comportamentos mais bem conhecidos do investidor pessoa física é o efeito disposição, a propensão a segurar as ações que mais se desvalorizaram ao invés de vendê-las. Um artigo recente do Journal of Finance procura entender o padrão para fundos de investimento.

Ao contrário do que ocorre com ações, a propensão do investidor é a de desinvestir os fundos que mais se desvalorizam, um resultado que me parece bem conhecido na prática; gestor de fundo algum se sente confortável quando as cotas estão se desvalorizando e isso tem um motivo mais forte do que o orgulho ferido, e sim a remuneração, já que perdas resultam em saques. Ora, há até mecanismos para evitar um volume excessivo de resgates que possam prejudicar a liquidez e as estratégias do fundo, pensadas justamente para esses casos. A relação é até mais forte para o caso contrário (fundos com bons retornos recebem mais aplicações), mas também é válido para a relação perda-resgate.

Uma potencial explicação, encampada pelos autores do artigo, é a de que o efeito disposição se reverte quando a gestão é delegada. O efeito disposição é uma dissonância cognitiva, o desconforto que surge quando há o reconhecimento de que a pessoa mantém duas crenças incongruentes: a ideia de que a pessoa é boa em gerir os seus investimentos se choca com a realidade de que não é, dado o retorno da ação que escolheu comprar. Ao invés de mudar uma de suas cognições (sou um investidor competente), os investidores geralmente utilizam de diversos artifícios mentais para não reconhecer o seu erro. O viés cognitivo que força os investidores a não vender ações perdedoras é o de não querer admitir que a pessoa tenha cometido um erro porque isso afetaria a imagem que têm de si mesmas. Deve ser por isso que o pensamento de “se não vendi, não perdi” com o corolário de que se você não realizar perdas então há uma chance de recuperar os prejuízos. Se o investidor vender a ação perdedora, estará tornando a perda “permanente” e admitindo para si mesmo que errou, enquanto que mantendo o investimento há sempre a esperança de que seja algo temporário e que a ação voltará ao mesmo patamar de quando comprou.

Julgando racionalmente, você pode recuperar as perdas mantendo o investimento, mas também pode vendendo e aplicando em outro ativo. E mesmo que a perda não tenha sido realizada, ela já ocorreu sim. As pessoas deveriam se preocupar mais com o quanto possuem do que com a rentabilidade desse investimento específico. Se tinha R$ 100 mil e perdeu 50%, precisa decidir o que vai fazer com os R$ 50 mil que possui e esquecer os R$ 100 mil que uma vez teve e não tem mais. Considerar ou não se a perda de R$ 50 mil é permanente ou não é mera questão de terminologia, o fato é que pode ou não voltar a ter R$ 100 independente de ser com essa ação ou com outra (ou mesmo com outro tipo de investimento).

De todo modo, esse efeito é revertido para fundos porque a pessoa encontra alguém para botar a culpa, que é o gestor do fundo. Aplicando diretamente em ações, o culpado é única e exclusivamente o investidor; aplicando indiretamente, é sempre possível culpar o gestor e admitir como única culpa o erro de ter confiado na pessoa errada. E mesmo admitindo essa falha, resgatar o fundo perdedor serve para satisfazer o mecanismo cognitivo de colocar a culpa em outra pessoa sem maiores prejuízos à auto-imagem. Nesse sentido, o gestor do fundo é um alvo fácil para se colocar a culpa, mais do que o abstrato “mercado”, ou o diretor-presidente da empresa ou outra pessoa. Resgatar o fundo é uma ação que diminui a perda psicológica provocada pelo prejuízo transferindo a culpa por esse resultado negativo de uma forma contrária ao que acontece com ações, onde a venda seria a confirmação de que o investidor tomou uma má decisão.

O estudo procurou testar essa hipótese usando a base de dados de Barber e Odean (2000). Um fator que aumenta a credibilidade da pesquisa é que a base de dados utilizada permite estudar investidores que aplicam em diversas classes de ativos e estudar como é seu comportamento com cada uma. Ou seja, se muitos investidores seguram ações perdedoras ao mesmo tempo em que vendem fundos perdedores, então corrobora-se a hipótese. Assim, é menos provável que o efeito observado seja meramente uma diferença de preferências com relação a risco ou retorno, ou mesmo que investidores em ações sejam irracionais e em fundos sejam mais racionais. Testes experimentais também foram utilizados para testar a hipótese.

Dessa forma, os testes foram feitos analisando ao mesmo tempo ações e fundos. As equações de regressão utilizada foram:

Sale é uma variável dummy com valor 1 caso o investidor tenha vendido a ação ou fundo, Gain é outra variável dummy com valor 1 caso o investidor tenha vendido com lucro e Fund é outra dummy com valor 1 para os casos em que a negociação envolve fundos. Coeficiente positivo para Gain indica efeito disposição (vender vencedores e manter perdedores) e coeficiente negativo indica o efeito disposição reverso.

Os testes são feitos em três grupos: aqueles que possuem um ou outro tipo, aqueles que em algum momento chegaram a ter os dois tipos de ativos e as situações em que os investidores tinham as duas classes ao mesmo tempo. Em todos os casos, o coeficiente b1 para ações é positivo variando entre 1,57% e 3,91% que incidem sobre uma constante (b0) entre 18,88% e 21,70%. Para fundos, o coeficiente é sempre negativo variando entre -4,85% e -6,56% e a constante varia entre 23,16% e 32,49%. Dessa forma, o efeito disposição reverso para fundos é ainda maior do que o já muito documento efeito disposição para ações.

Outro teste importante é restringir ainda mais as classes de ativo para examinar se o efeito disposição tem a ver com a delegação de gestão. O coeficiente b1 é positivo e estatisticamente significativo para quatro ativos, todos eles de gestão não-delegada (Warrants, Ações canadenses, Ações estrangeiras, Ações americanas) enquanto que o coeficiente é negativo e significativo para sete classes, sendo que duas delas têm características de serem de gestão não-delegada e o restante delegada.

Em outra parte do artigo, os fundos de gestão passiva são examinados destacando-os dos fundos de ações. No teste básico considerando apenas fundos indexados (primeira equação acima), o coeficiente sobre a variável Gain é estatística e economicamente insignificante (0,35%). Considerando todos os tipos de fundos e usando a segunda equação (trocando Fund por Index para indicar se o fundo tem ou não gestão passiva), a soma de b1 e b2 é praticamente zero, sendo b1 negativo e b2 positivo. Ou seja, um fundo indexado tem praticamente a mesma probabilidade de ser liquidado da carteira esteja ou não ganhando.

Levando em conta o viés de sobrevivência, b2 se torna mais positivo e a soma de b1 e b2 indicando efeito disposição. Esse resultado leva a uma nova pergunta, sobre se há uma diferença de efeito disposição entre ações e fundos indexados, repetindo a segunda equação com Index no lugar de Fund. B1 é positivo e significativo, mas b2 e b3 não são estatisticamente significativos, o que corrobora a ideia de que não há diferença de efeito disposição entre as duas classes de ativos.

Dessa forma, ativos que possuem gestão delegada apresentam efeito disposição reverso, ou seja, desvalorizações levam a desinvestimentos porque os investidores colocam a culpa de suas perdas nos gestores. Esse resultado se dá mesmo considerando um investidor que investe em ações e fundos ao mesmo tempo.

Para examinar mais a fundo essa questão e testar hipóteses que não podiam ser trabalhadas observando a base de dados, os autores realizaram experimentos com alunos de graduação. O desenho básico do experimento separava os alunos entre os que iam negociar ações (componente do Dow Jones) e fundos (os melhores classificados pela Morningstar) que recebiam um patrimônio hipotético de US$ 100 mil. Antes, foi aplicado um teste para examinar a atitude com relação ao risco e a experiência com investimentos.

Os estudantes tinham que escrever as razões que levaram a tomar a decisão de investimento como parte do exercício e também recebiam dois tratamentos especiais. No primeiro (“Estória”), eram constantemente lembrados de seus raciocínios para comprar ou vender ações ou fundos, de forma a aumentar a dissonância cognitiva. Ou seja, se o aluno comprou uma ação e ela se desvalorizou, eram lembrados que eles tomaram a decisão de comprar a ação. O segundo tratamento (“Demitir”), exclusivo para fundos, era substituir a nomeação da decisão de Comprar/Manter/Vender para Contratar/Manter/Demitir, além de haver um link para a biografia do gestor, com o objetivo de ressaltar que os resultados se devem ao desempenho de outra pessoa que você contrata e demite.

Com base nos resultados desses experimentos, os autores realizaram testes parecidos com os utilizados na base de dados, acrescentando variáveis dummy para indicar se o estudante estava em um dos grupos de tratamento e a interação dessa variável com Gain, essa última sendo a variável de interesse. Para fundos, tanto a interação entre Gain e Estória e quanto entre Gain e Demitir são negativas e b1 é insignificante. Ou seja, quando realçamos elementos que reforçam o efeito disposição reverso, de fato os alunos apresentam maior tendência a vender fundos perdedores. Para ações, considerando apenas o tratamento Estória (já que o Demitir não se aplica), verificamos que a interação Gain e Estória é positivo, indicando que ressaltar a dissonância cognitiva faz com que os investidores apresentem maior efeito disposição para ações.

Ao final do experimento, os estudantes precisavam preencher um questionário avaliando o quanto que aprendeu ao longo do experimento sobre a sua própria habilidade como investidor e a habilidade do gestor, para o caso dos que investiam em fundos. De forma geral, não houve muito efeito do aprendizado. Era importante analisar essa questão, já que os resultados observados podiam se dar por meio do aprendizado. Mas, segundo os testes dos autores, estar em um dos grupos de tratamento não afetou de maneira significativa o aprendizado. Levando em conta os resultados (ganhos ou perdas), há alguma evidência de que os alunos aprendem menos sobre a sua própria habilidade quando perdem, reforçando o efeito da dissonância cognitiva entre os resultados e a sua auto avaliação que levam ao efeito disposição.


Dessa forma, há um efeito disposição para ações, mas um efeito disposição reverso para fundos, efeito explicável pela dissonância cognitiva, e não por outros fatores (rebalanceamento, reversão à média, diferentes curvas de utilidade etc.) que podem até explicar o comportamento para ações, mas não para fundos. Ou seja, os investidores se desfazem de investimentos perdedores quando podem colocar a culpa em alguém e, quando não podem, mantém o investimento porque isso seria a confissão de que o culpado pelas perdas é ninguém mais a não ser o próprio investidor. Perder dinheiro, então, não é apenas uma questão financeira, mas também de autoestima.