segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Falácia do WACC

Ao avaliar um projeto de investimento, o mais correto seria utilizar o custo de capital apropriado ao projeto tendo em vista o seu risco, e não utilizar o custo de capital da empresa. Porém, na prática o que se verifica é a utilização de uma taxa de desconto única no que é chamado de falácia do WACC.


No artigo de Krüger, Landier e Thesmar publicado no Journal of Finance, os autores procuraram examinar se as empresas americanas cometem esse erro e tentar estimar o impacto econômico dessa medida. A consequência de usar a taxa de desconto errada é superestimar o valor presente dos projetos mais arriscados e subestimar o valor dos projetos menos arriscados, levando a erros na tomada de decisões de investimento. Para examinar essa questão, os autores analisam como empresas diversificadas alocam recursos entre as suas divisões, separando entre o negócio nuclear e as divisões menores.

Os autores trabalham com dados relativos ao período 1992-2007 com empresas americanas, utilizando diversas bases de dados. Consideram como conglomerados as empresas que atuam em mais de uma indústria seguindo o critério de Fama e French. Em seguida, definem uma divisão da empresa como núcleo se esta tiver a maior participação nas vendas da empresa e em divisões as demais.

Para os testes empíricos, é calculado o beta médio de cada indústria, que será utilizado em substituição a um beta específico para cada empresa. Em seguida, esses betas são alocados para os núcleos e para as divisões de acordo com o seu setor de atuação e a falácia do WACC é medido como a diferença entre o beta da divisão e o beta do núcleo. A suposição aqui é que a empresa utiliza o custo de capital do núcleo para avaliar os projetos das divisões. Seria possível utilizar um beta médio, porém, os testes dos autores indicam que que as empresas utilizam o custo de capital dos núcleos em suas decisões de investimento. Além disso, o núcleo representa em média 73% das vendas, de forma que o custo nuclear é próximo ao WACC, as duas variáveis sendo ainda altamente correlacionadas, de forma que a aproximação utilizada é precisa.

A variável dependente dos testes empíricos é o investimento realizado pelas divisões. A principal variável de interesse é a diferença entre o beta da divisão e do núcleo (aproximação para o WACC), que irei chamar de spread. O ideal seria que o coeficiente de regressão desse spread fosse zero (indicando que a empresa utiliza a taxa de desconto apropriada para os projetos das divisões) e para que a falácia do WACC se configure é necessário que o coeficiente seja positivo. Isso indica que a empresa investe mais nas divisões quando a empresa utiliza um custo de capital inferior para avaliar projetos mais arriscados, fazendo com que o spread seja positivo.

Analisando apenas a relação entre spread e investimento, agrupando as empresas em decis de acordo com o spread e utilizando ou não ajustes industriais, nota-se que de forma geral o investimento é uma função crescente do spread. Uma regressão simples confirma esse resultado ao mostrar que o coeficiente de regressão do spread é positivo e estatisticamente significativo e mesmo a inclusão de controles não afeta esse resultado. Ao invés de utilizar o spread na regressão, é possível utilizar os betas da divisão e do núcleo em separado. O coeficiente de regressão da divisão é positivo e do núcleo é negativo (ambos estatisticamente significativos), confirmando a relação já constada utilizando o spread.

Quando à significância econômica, utilizando o segundo modelo (spread mais controles) e um spread igual a um desvio-padrão, o aumento no investimento é equivalente a 10% do investimento médio.

Em testes adicionais, os autores examinam se o crescimento tem algum impacto nos resultados. A falácia do WACC é mais danosa em indústrias com maior crescimento, o valor presente dos projetos sendo mais volátil nessa situação. Incluindo variáveis dummy para indicar que a divisão está em um setor de médio e alto crescimento e mais duas variáveis interagindo essas dummies com o spread. Os resultados mostram que esse segundo conjunto de variáveis tem coeficiente positivo e significativo, corroborando a ideia de que o investimento é maior em indústrias de médio e alto crescimento por conta da falácia do WACC.

Uma discussão interessante é sobre se esses resultados se devem a gestores irracionais ou a mercados irracionais. Para testar essa hipótese, os autores incluem variáveis relativas ao financiamento externo de forma parecida com o teste explicado no parágrafo anterior. Pode acontecer de o mercado ser irracional e utilizar o custo de capital do núcleo para avaliar as divisões e os gestores racionais se valem desse fato ao captar dinheiro mais barato para projetos mais arriscados. Os resultados mostram que a interação entre o spread e a captação de recursos externos não é estatisticamente significativa, refutando essa hipótese.

Os resultados se mantém realizando alterações nos modelos, como excluir o setor financeiro, mudar a definição de beta e outros. Em testes adicionais, os autores examinam a questão da integração vertical. Se a divisão e o núcleo forem integrados, aumento nos investimentos nas divisões podem se dar por conta dos aumentos nos investimentos do núcleo. No exemplo dos autores, uma empresa pode aumentar o investimento na divisão de entregas para responder à maior produção de sua atividade nuclear, a fabricação de brinquedos. Utilizando um indicador do BEA de integração vertical e o próximo investimento no núcleo como variáveis adicionais não mudam o resultado a respeito da falácia do WACC, descartando essa explicação alternativa.

A próxima questão a ser analisada é se a racionalidade limitada desempenha alguma influência nessa situação. Se o impacto provável da falácia do WACC for grande, é de se esperar que a tomada de decisão seja mais racional e que os projetos sejam analisados pela taxa de desconto adequada. O primeiro teste relacionado com a racionalidade limitada é examinar se a falácia do WACC é reduzido ao longo do tempo, o que pode ser atribuído ao maior nível educação dos diretores financeiros com a disseminação dos cursos de MBA. Os resultados mostram que o impacto da falácia do WACC é decrescente no tempo. Outros três testes examinam se a falácia do WACC é menor quanto maior for a importância relativa das divisões, quanto maior for o desvio-padrão dos betas das divisões e quanto maior for a participação acionária do diretor-presidente, os resultados corroborando as três hipóteses. Com isso, podemos concluir que a racionalidade limitada tem influência na falácia do WACC, ou seja, a chance da taxa de desconto correta ser usada aumenta quanto mais importante isso for.

Para medir a significância econômica dessa questão, os autores analisam operações de fusão e aquisição, que também podem estar sujeitas à falácia do WACC. Dessa vez, o spread é medido pela diferença entre o beta do ofertante e o beta do alvo. Analisar fusões e aquisições tem como vantagem o fato de conhecermos o valor investido de maneira mais específica (ao invés de forma agregada nos gastos de capital) e também de podermos examinar a reação do mercado ao anúncio da oferta. Outra vantagem é podermos utilizar os betas de maneira mais precisa utilizando os dados relativos às empresas envolvidas (exceto se a empresa tiver capital fechado), e não aproximações para estimar o beta das divisões.

O primeiro teste é uma análise gráfica da reação do mercado ao longo do tempo e o spread. O resultado mostra que o retorno é maior quando o spread é positivo, ou seja, o WACC do ofertante é superior ao do alvo. Nessa situação, o ofertante usa o seu custo de capital superior para analisar o alvo, provavelmente subestimando o valor da oferta.

Em modelos mais sofisticados, os autores realizam regressões múltiplas tendo como variável dependente o retorno anormal na janela de 7 dias após a oferta. Há a diferenciação entre o alvo ter ou não capital aberto e para cada um são aplicados os mesmos testes. Os resultados confirmam a falácia do WACC para ambas especificações, os retornos cumulativos sendo maiores quando o beta do ofertante é maior do que do alvo. Usando o coeficiente de regressão e o valor médio das ofertas, podemos estimar uma perda média de 8% (9% quando os alvos são de capital aberto) de valor quando o ofertante usa uma taxa de desconto inferior para avaliar o alvo.

Dessa forma, o artigo mostra como as empresas americanas estão sujeitas ao que se denominou de falácia do WACC, situação na qual a taxa de desconto utilizada para avaliar os projetos das divisões é o WACC da empresa como um todo (ou a taxa de desconto da divisão principal), quando o certo seria utilizar a taxa adequada ao projeto de acordo com o seu risco.

Phillip Krüger, Augustin Landier e David Thesmar
Journal of Finance. Volume 70. Ed. 3. 2015