terça-feira, 28 de julho de 2015

Economia é Estranha

Economia é estranha

Life is Strange é um jogo lançado nesse ano para diversas plataformas em um formato episódico. É um jogo com foco em história cuja jogabilidade consiste, basicamente, em resolver quebra-cabeças usando o poder de voltar no tempo da protagonista, Max Caufield.

O desenrolar do enredo depende das decisões tomadas pelo jogador, algumas impactando o curto prazo e outras tendo consequências de longo prazo. Uma ação tomada no primeiro episódio pode ter impacto no terceiro episódio, por exemplo, quando não será mais possível voltar no tempo e refazer a ação anterior. A protagonista pode voltar no tempo para um passado recente, mas não pode usar esse poder para períodos mais longos, muito menos para episódios anteriores. Essa habilidade pode servir tanto para resolver os quebra-cabeças do jogo quanto para examinar várias possibilidades antes do jogador se definir por um determinado curso de ação.

Conforme mencionado, uma ação tomada no passado pode ter consequências futuras imprevisíveis de uma maneira parecida com o chamado efeito borboleta, situação na qual o bater de asas de uma borboleta em um lugar poderia causar um tufão em outro. O jogo cita diretamente não apenas o efeito borboleta como a sua teoria mais ampla, a Teoria do Caos (título do terceiro episódio do jogo).

Em Economia, também temos essa ideia de causas e consequências, com a ação de um agente econômico podendo ter consequências imprevistas e até mesmo indesejadas. E a grande dificuldade para o leigo com relação à economia é justamente entender que as ações econômicas possuem inter-relações complexas e que modificações em uma parte podem ter impactos no sistema econômico como um todo. A falta de entendimento dessa questão faz com que as pessoas defendam medidas políticas como controles de preços, subsídios e outras questões que aparentemente resolvem um problema, mas que uma análise mais profunda mostra que, além de ineficazes, geram distorções em outros temas.

Um filão literário muito popular hoje em dia é a de livros que procuram ensinar Economia ou abordar temas econômicos de uma maneira mais compreensível para o público geral, sem recorrer à pesada matemática ou a teorias complexas que se ensinam nos cursos introdutórios de Economia. Dois clássicos desse gênero, lançados antes de serem moda, são o O que se vê e o que não se vê de Bastiat e o Economia em uma única lição de Hazlitt. Os dois usam como um dos primeiros exemplos a janela quebrada, situação na qual aparentemente um infortúnio como a quebra de uma janela parece ter efeitos econômicos positivos, mas que, ao se analisar melhor a situação, o óbvio de que a destruição da janela destruiu riqueza aflora.

E essa clássica análise me remeteu ao Life is Strange. Imagine um jogo com mecânica parecida, mas com um enfoque econômico (Economia é Estranha, seria um bom título), no qual o jogador toma uma determinada decisão e isso tem consequências econômicas futuras. O próprio caso da janela quebrada pode servir de exemplo e foi o que me inspirou a escrever este texto. O jogador poderia deixar que o garoto da parábola quebrasse a janela ou poderia impedi-lo. No primeiro caso, veria a prosperidade do vidraceiro e poderia achar que esse foi um bom curso de ação. Porém, poderia voltar no tempo e impedir que o garoto quebrasse a janela e veria que o dono da casa que teve a janela quebrada além de ter a sua janela em bom estado tem ainda sapatos novos, seguindo o exemplo de Bastiat.

Esse jogo hipotético teria uma série de eventos parecidos e seria possível que uma ação que aparentemente beneficia o jogador ou uma terceira parte na verdade se mostrem prejudiciais no futuro. Poderia servir até de ferramenta pedagógica para o ensino de Economia de uma maneira menos direta, menos didática, mas, talvez por isso mesmo, mais interessante.


Não sei quão viável seria esse projeto ou se alguém do ramo teria interesse em desenvolver tal jogo, mas fica a ideia!

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Valor Justo de Propriedades para Investimento

Nesse texto, vou tratar do tema da contabilização a valor justo das propriedades para investimento, partindo do ponto de vista do usuário das informações contábeis.


Propriedades para Investimento é uma conta recente na Contabilidade brasileira, tendo sido introduzida pelo CPC 28. Tratam-se de propriedades mantidas para gerar renda e/ou para valorização para futura venda. Antigamente, eram contabilizadas como Imobilizado e depois de sua introdução passaram a fazer parte da conta Investimento e dentro desta em Propriedades para Investimento. Há duas formas de mensuração, pelo custo ou a valor justo.

O método do custo é o mais tradicional, registrando as propriedades ao valor de custo e aplicando a depreciação. Já no valor justo, o valor a ser registado no Balanço Patrimonial tem origem em uma avaliação econômica (geralmente, fluxo de caixa descontado) e periodicamente esse valor é ajustado. Esse ajuste tem como contrapartida uma receita (ou despesa, se for negativo) lançada na Demonstração de Resultado do Exercício.

Na quase totalidade dos casos, o método do valor justo resulta em valores maiores do que no custo. Na transição de um método para o outro, as Propriedades para Investimento são ajustadas a valor justo, contando ainda com a incorporação de parte do Imobilizado e do Intangível. A contrapartida no passivo se dá com o aumento no Patrimônio Líquido (na conta de Reserva de Retenção de Lucros, em muitos casos) e também na conta Tributos Diferidos. Essa segunda conta leva em consideração o pagamento de tributos no caso da venda das propriedades e é debitada apenas nessa situação.

Empresas de shopping centers passaram a ter seus principais ativos reclassificados de Imobilizado para Propriedades para Investimento e podem optar por qualquer dos dois métodos. Dentre as companhias de capital aberto, metade usa cada método, com Multiplan, Aliansce, Iguatemi e Cyrela Commercial Properties adotando o custo e BR Malls, Sonae Sierra, General Shopping e JHSF adotando o valor justo. Mesmo empresas que adotam o método do custo precisam realizar o cálculo do valor justo das propriedades e realizar a redução ao valor justo caso o custo superestime o valor das propriedades. Essa diferença de métodos dificulta a comparação entre elas, mas, mais importante, impossibilita a comparação com empresas de outros setores.

Um dos problemas da diferença de métodos é que impossibilita a comparação direta, já que tende a superestimar o lucro (considerando que normalmente o ajuste de valor justo é positivo) e o Patrimônio Líquido, o que afeta métricas como rentabilidade, Preço/Lucro e Preço/Valor Patrimonial.

Mas o maior problema do método do valor justo, na minha opinião, é que não adiciona nenhuma informação relevante para a análise e, na verdade, oculta informações. No método do custo, temos informações sobre o custo, inclusive dos terrenos (embora nem todas as empresas divulguem o valor dos terrenos), a depreciação acumulada e a depreciação do período que, na minha opinião, são muito úteis para a avaliação de empresas de shopping centers. Quando as propriedades são contabilizadas a valor justo, não temos nenhuma dessas informações, apenas o valor justo, as movimentações (adições, baixas, ajuste) e o valor das obras em andamento (que são contabilizadas ao custo). Com apenas essas informações fica mais difícil avaliar a empresa, no meu entender.

Outro problema é que qualquer análise por fluxo de caixa descontado é apenas uma opinião, por mais que seja uma avaliação objetiva e criteriosa. E, por ser uma opinião, o valor pode variar de avaliador por avaliador e ao se pesquisar as metodologias das diferentes empresas nota-se uma grande variabilidade de métodos e de premissas. Dessa forma, os usuários das informações são obrigados a formar a sua própria convicção em cima de outra opinião, e não de algo mais objetivo como o valor de custo, por mais que possam existir questionamentos a respeito da contabilização ao custo.

E ao ser obrigatório que as empresas também realizem o cálculo do valor justo mesmo que adotem o método do custo, utilizar exclusivamente o valor justo não adiciona informação, apenas reduz. Também há um aumento na dificuldade de entendimento dos demonstrativos contábeis, na medida em que esse método afeta os resultados e o balanço patrimonial sem que isso tenha muito significado econômico. Ao avaliar uma empresa que adota o valor justo, é necessário realizar uma série de modificações meramente para que a empresa fique nos moldes de uma que adote o custo e dessa forma se torne mais fácil de entender e modelar.

Dentre os ajustes a serem realizados, é necessário considerar que o ajuste a valor justo é uma receita (ou despesa) não-caixa e também é preciso estimar o quanto do Patrimônio Líquido se deve ao ajuste a valor justo. Normalmente, é uma conta de Reserva de Retenção de Lucros ou de Lucros a Realizar, o problema é que essas contas estão limitadas ao Capital Social, que é aumentado quando o valor da reserva se torna muito elevado. Então, seria necessário ver o histórico de movimentações do Patrimônio Líquido para determinar a parcela do PL que se refere ao valor justo.

E uma vez que o método do valor justo superestima o resultado e o patrimônio líquido, uma empresa poderia utilizar esse método para mostrar números mais positivos, muito embora qualquer um que analise a empresa de forma mais criteriosa não se deixaria iludir por isso, de forma que é duvidoso esse benefício.


A impressão que fica é que os ajustes a valor justo são meramente virtuais, somando um valor qualquer no Ativo e o mesmo valor no Passivo após transitar pelo resultado, sem que isso tenha maior significado econômico. Essa metodologia acaba por tornar menos transparente a demonstração contábil ao não acrescentar nenhuma informação, ao contrário, diminuindo, e tornando a comparabilidade direta impossível.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Pode uma empresa valer menos do que seu caixa?

Em um texto dos primórdios deste blog, escrevi sobre a possibilidade de uma empresa valer menos do que seu Patrimônio Líquido. Mas e quanto a uma situação ainda mais drástica, valer menos do que o caixa?

De início, parece uma situação absurda o valor de mercado de uma empresa ser inferior ao valor do dinheiro em caixa e essa situação poderia indicar uma barganha irresistível. Uma possibilidade seria a empresa distribuir todo o caixa em dividendos e isso já seria suficiente para que ela devesse valer mais. Além disso, é uma prática comum na avaliação de empresas somar o valor do caixa ao valor presente dos fluxos de caixa futuros. Esse segundo componente não deveria ter valor negativo, ao menos não no agregado, então, por esse raciocínio, não seria possível a empresa valer menos do que o caixa.

Na prática, é muito difícil encontrar uma empresa nessa situação, porém, existe. Para dar um exemplo, a General Shopping (GSHP3) vale R$ 226 milhões à cotação de R$ 4,48 e seu caixa no primeiro trimestre de 2015 era de R$ 228 milhões, sendo que a empresa já chegou, em um histórico recente, a valer R$ 200 milhões.

Eu fiz a avaliação da General Shopping. A grande questão é o elevado endividamento da empresa, com dívida bruta de R$ 2,2 bilhões e gerando resultado antes do resultado financeiro e dos tributos de por volta R$ 40 milhões. Ou seja, uma situação financeira nada invejável e precisando desalavancar, o que não será fácil pela baixa geração de caixa com relação ao imenso serviço da dívida. Não vou entrar em detalhes sobre a avaliação, mas basicamente todo o valor da empresa virá da perpetuidade em uma data bastante distante quando a dívida da empresa terá convergido para um patamar mais razoável. É por esse motivo que a empresa vale tão pouco, muito menos do que empresas com resultados operacionais um pouco superiores, como a Sonae Sierra (SSBR), que vale por volta de R$ 1,4 bilhão.

Quanto à soma do valor do caixa ao valor da empresa, eu não acho que essa seja uma prática sensata. O que faço em minhas avaliações é projetar explicitamente o caixa da empresa de acordo com os seus resultados, com os efeitos dos ativos e passivos e os projetos futuros. É necessário ter em mente que caixa nem sempre é dinheiro ocioso e que a empresa irá precisar do atual caixa para investir ou para realizar pagamentos. Somar o valor do caixa seria igualar a um dividendo na data 0 e essa é uma situação absurda.

Alguém poderia perguntar se não seria possível a empresa pagar um elevado dividendo quando seu valor de mercado está tão baixo assim. A questão é que provavelmente a empresa não tem condições financeiras para isso (a General Shopping, por exemplo, não tem lucros acumulados para tal) e pode ser impedida legalmente de fazer isso ou mesmo ter os seus administradores processados caso isso venha a ocorrer. Então, essa possibilidade também está descartada.


Dessa forma, o valor do caixa não é referência para patamar mínimo para seu valor de mercado e há casos em que a empresa pode ter valor inferior ao seu caixa e essa situação ser plenamente justificável.