segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Tudo ou Nada (1) - Resenha

Tudo ou Nada, Eike Batista e a verdadeira história da EBX

A maior história do mercado de capitais em tempos recentes provavelmente é a ascensão e queda do Império X de Eike Batista. Estamos acostumados a estudar o mercado de capitais lendo sobre eventos ocorridos há muito tempo atrás, mas essa é verdadeiramente a História passando por nossos olhos. Na era da internet, há uma enxurrada de informações sobre os fatos recentes e o caso de Eike Batista e seu império não poderia ser diferente. Felizmente, temos no livro Tudo ou Nada, de Malu Gaspar, um bom registro dessa história.


Editora da Veja no Rio de Janeiro, Malu Gaspar acompanha a história de Eike Batista desde 2006, quando o entrevistou pela primeira vez, e começaria a escrever o livro a partir desse ponto. Em oito anos, acompanhou a trajetória balística (ascendente e descendente) do Império X e coletou um vasto e impressionante material durante esse tempo, inclusive entrevistas com personagens importantes (exceto o próprio Batista já no período decadente de seus negócios). Com isso, pôde escrever uma história bastante completa de Eike Batista e seus negócios.

O prólogo do livro relata uma reunião em que Eike Batista entra na sala de reuniões e é informado de que estava fora da companhia, que seria comandada pelos credores. Parece um relato do fim de seu comando na OGX, mas na verdade se refere a eventos ainda mais anteriores, sua saída do comando da TVX, empresa de mineração do Canadá. Os dois primeiros capítulos do livro são justamente dedicados aos seus negócios anteriores, no Brasil e no Canadá.

O terceiro capítulo do livro aborda a sua “volta ao jogo” após os fracassados projetos. Começaria com o que apelidaram de “Termoluma” no Ceará, uma termelétrica que Batista buscaria construir na época do Apagão do começo do século. E aqui começa a parte que sempre me incomodou no que se refere a Batista: a relação com políticos no que se denomina hoje como Capitalismo de Compadrio. A obra foi um pedido dos políticos da época (Tasso Jereissati e outros tucanos) e construída com muita ajuda governamental para um empreendimento que nunca foi bem-sucedido. Com a vitória do PT em 2002, Batista passaria a querer se entrosar com o novo governo e procuraria ser um “empresário do PT”, nas palavras dele. Demoraria, mas com seu ganho de prestígio e muitas doações para campanhas, seria bem-sucedido nesse objetivo e ganharia ainda outros “amigos”, o mais importante o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

Ainda no capítulo 3, vemos como surgiu a MMX, a primeira empresa do Império X sob a holding criada nesse mesmo período, a EBX. Batista não pretendia que esse fosse o único empreendimento e sob a ideia de um Grand Design pensaria em investir em toda a cadeia logística. Como dizia seu pai, Eliezer Batista, uma empresa de mineração é acima de tudo uma empresa de logística. A ideia era integrar à MMX portos e ferrovias a serem construídos por outras empresas do grupo.

A hora de investir em mineração, meados da década de 2000, não poderia ter sido melhor, com o Mega Ciclo das commodities impulsionado pelos gastos de infraestrutura da China. O capítulo 4 trata da IPO da MMX, um plano ousado para a época. O mercado de capitais brasileiro não era muito desenvolvido na época (é discutível se é hoje) e o mercado de ofertas públicas iniciais ainda não tinha deslanchado, apesar de iniciativas como o Novo Mercado. Se empresas já estabelecidas não iam tanto a mercado, o que dizer de uma empresa pré-operacional? Era um negócio legítimo, mas de difícil execução. Para auxiliar nessa tarefa, Batista contou com a ajuda do Pactual, que topou o desafio que já tinha sido recusado por outros anteriormente. Como sabemos, a IPO sairia, mas seria necessário que o próprio Batista colocasse dinheiro na oferta para viabilizá-la. Essa é apenas uma das várias arriscadas jogadas de Batistas, um equivalente ao all-in do póquer, de onde, inclusive, sai o título do livro.

A ideia toda de Batista era criar empresas do zero e vendê-las ainda na forma de projeto, primeiro na bolsa com oferta inicial e depois para outra empresa. Seria assim com a MMX, futuramente vendida parcialmente para a Anglo American em eventos retratados a partir do capítulo 6 e que precisaria de mais um all-in do empresário. Operar por meio de IPO de pré-operacionais é um dos aspectos mais controversos envolvendo Eike Batista e eu particularmente não me incomodo com essa prática, tema a ser desenvolvido em futuro texto.

O capítulo 5 é sobre a criação da petroleira OGX, a que seria a maior empresa do grupo, tanto para erguê-lo quanto para afundá-lo. Um empecilho era que o braço-direito de Batista, Rodolfo Landim, era egresso da Petrobras e tinha prometido informalmente que não competiria com a empresa. Para convencê-lo, Batista lançaria mais um all-in, prometendo uma generosa participação na própria EBX. O acordo, se é que podemos chamar assim, foi feito em um papel de caderno durante um voo e geraria muita discórdia quando Landim deixasse o grupo. Porém, Landim acreditou na palavra de Batista (coisa que se arrependeria, como muitos outros) e o projeto OGX começaria. Para a empresa nascente, seria trazido da Petrobras Paulo Mendonça, o Dr. Oil, como Batista o chamava, que depois seria o braço-direito de Batista da saída de Landim até o Império X estar em franco desmoronamento. A equipe de técnicos e executivos vindos da Petrobras passou a buscar as melhores alternativas para investir no leilão de campos da ANP (Agência Nacional de Petróleo). E aqui o na época presidente Lula desferiria o golpe que se mostraria fatal na ainda por nascer OGX ao pedir para que o pré-sal fosse excluído do leilão. Mesmo assim, o projeto OGX seguiria em frente com os campos que restavam, que, porém, eram muito menos promissores, muitos dos quais já rejeitados pela Petrobras.

O próximo passo, após arrematar os campos no leilão, seria abrir o capital da OGX, evento relatado no capítulo 7. No chamado Projeto The Doors, Batista, seus subordinados e seus consultores nos bancos de investimentos realizariam a até então maior oferta pública inicial que tornaria Eike Batista o homem mais rico do mundo, meses antes da Grande Recessão de 2008. E começaria aqui também o hype criado em torno de Eike Batista, o que inclui várias capas de revista.
Eike Batista na Veja

No capítulo 8, vemos o primeiro sinal de problemas no Império X com a Operação Toque de Midas da Polícia Federal, que investigou os negócios de mineração de Eike Batista e com talvez desnecessário espalhafato envolveu a entrada na sede da EBX e na casa do empresário por agentes da PF. Essa operação pôs em risco a venda de parte da MMX para a Anglo American, mas, em outro all-in, Batista daria garantias com o próprio patrimônio para a empresa. A negociação era vista como essencial por Batista para dar credibilidade aos seus negócios, mostrando que uma grande empresa acreditou em Batista e comprou um empreendimento dele e que, portanto, ele não era um “vendedor de sonhos”.

Faria um novo all-in com a própria MMX (a parte que lhe restou da empresa) ao dar um empréstimo para a empresa em um momento em que os resultados não vinham. Ao longo de sua trajetória, vemos que Eike Batista além de um bom vendedor de projetos era um bom manipulador do mercado, no bom e no mau sentido, esse empréstimo tendo sido feito justamente para acalmar o mercado. Esse evento é retratado no capítulo 9, onde vemos ainda os primeiros sinais de discórdia dentro do grupo conforme a execução do projeto se mostrava mais problemática do que o esperado.

Nessa época, Batista já era muito bem relacionado com políticos do Rio de Janeiro, até bem relacionado demais, porém, ainda era visto com reservas pelo governo federal, em especial pelo presidente Lula, que ainda o via como apenas um aventureiro. Tudo mudaria com o projeto La Señorita, apelido dado por Eliezer Batista para a Vale. O negócio envolvia a compra de uma parte relevante do capital votante da Vale que estava nas mãos do Bradesco. Na época, a Vale estava em conflito com o governo federal por conta de demissões realizadas e pela relutância em investir em siderurgia. Batista se aproximou do governo com a ideia de assumir o controle da Vale e “realizar o potencial” da empresa, um “diamante não-polido” nas palavras de Batista. O negócio acabaria não saindo, apesar de todo o apoio do governo (inclusive via BNDES, o melhor banco do mundo, segundo o empresário), mas serviu para que Batista se tornasse “empresário do PT”. Esses eventos são retratados no capítulo 11.

O décimo segundo capítulo retrata a queda de Rodolfo Landim e a ascensão de Paulo Mendonça, diretor de exploração e reservatórios. Nesse capítulo, vemos as práticas discutíveis de governança da OGX, com a divulgação de qualquer coisa como fato relevante. A empresa era obrigada a relatar à ANP uma série de eventos, nem todos de grande importância, e a empresa os divulgava como fatos relevantes para dar a impressão ao mercado de que a empresa estava fazendo alguma coisa. Declarar a comercialidade de um campo, por exemplo, soa bem, porém, não significa que a empresa terá lucro com esse campo.

Essa questão continuou a ser abordada nos capítulos seguintes, que retrata a “bolha X” e os esforços de Batista e seus subordinados em criar expectativas no mercado fornecendo estimativas muito ligeiramente relacionadas com a realidade. Essa bolha era inflada com fatos relevantes, mas também com temerárias divulgações de estimativas por meios não oficiais, como entrevistas e Twitter, contra o qual a CVM não conseguia lutar. Teleconferências com investidores também eram utilizadas para esse fim. A OGX faria uma apresentação errônea do relatório de uma consultoria especializada, mas o mercado não comprou muito essa manipulação e esse seria o primeiro grande abalo sísmico na OGX (veja aqui um texto meu sobre o assunto na época em que ocorreu). O relatório mostrava estimativas para a quantidade de barris equivalentes de petróleo (BOE) dos campos da empresa, o que é feito separando em diversas categorias de acordo com o grau de incerteza. O que a OGX fez foi somar tudo como se fossem iguais, prática totalmente condenável pela qual a consultoria exigiu retratação.

Já nessa época, Batista tentava fazer o mesmo que fez com a MMX, vender um pedaço da empresa para um sócio estratégico. Isso se tornou mais complicado, já que não estávamos mais no Mega Ciclo das commodities e a liquidez havia diminuído após a Grande Recessão. Os resultados demorariam para vir para a OGX, criando a necessidade de levantar mais dinheiro para a empresa. Se a venda de participação estava difícil, Batista recorreria à dívida, tendo como grandes credores Itaú e Bradesco, oferecendo seus próprios bens como garantia (all-in!). Uma transação com o Mubala foi vendida ao mercado como uma compra de participação, mas também era uma operação de dívida com ações da OGX de Batista como garantia. Junto com a exclusão do pré-sal do leilão da ANP, podemos apontar esse como o segundo prego no futuro caixão da OGX.

Os capítulos 15 e 16 mostram que por trás dos primeiros resultados das empresas X (como a chegada de um navio plataforma, vendido ao mercado de maneira apoteótica) havia uma série de dificuldades. Muitos questionavam a quantidade de petróleo nos campos da OGX, a OSX tinha dificuldades em receber encomendas de outras empresas além de sua co-irmã, o porto de Açu também tinha dificuldades em atrair clientes para viabilizar o empreendimento e a MMX tinha dificuldades em executar seus projetos. As tentativas de venda de parte da OGX não evoluíam, os grupos que analisavam com mais critério as bacias não vendo nem metade do petróleo que a OGX dizia ter. Ao mesmo tempo, Batista dispersava esforços com projetos paralelos, de fábrica de semicondutores à concessão do Maracanã. Nem a generosa ajuda do governo conseguiu deslanchar os projetos da EBX. Mesmo assim, o hype em torno das empresas X na forma de avaliações ainda bem generosas das empresas e em torno da própria figura de Eike Batista, que virou uma grande celebridade e ídolo de aspirantes a empreendedores. Em uma amostra da euforia relacionada com Eike Batista, teve até “auto”biografia, road show para se vender no exterior e mais capa de revista.

Eike Baista de novo na Veja

Porém, os problemas com as empresas X começaram a aumentar e os “profetas do apocalipse” passaram a ser encarados com maior credibilidade internamente. Batista passou a abandonar alguns empreendimentos que tinha prometido e fechou a clínica de beleza da namorada. O caixa se esvaziava a uma velocidade impressionante e até o BNDES estava começando a dificultar a concessão de crédito às empresas X. A quantidade de ações sendo vendidas a descoberto aumentava mais e mais. A OGX começou a produzir, mas extraindo pouco mais da metade do que tinha prometido. Como isso era má notícia, não foi divulgado ao mercado. Na verdade, até dentro da empresa essa informação não circulava tão facilmente, para desespero de diretores financeiros e de relações com investidores. Internamente, Mendonça dizia que a produtividade aumentaria, mas só cairia.

O capítulo 17 relata a cerimônia de início da produção da OGX, com direito à presença da presidente Dilma, que declararia que não havia nem poderia haver concorrência entre OGX e Petrobras. Esse parecia ser o começo de tempos melhores, mas a situação da OGX e de todo o grupo continuaria a se deteriorar. Quando não era mais possível esconder, a OGX divulgaria a produção de seus campos de petróleo, agora em 5 mil barris diários, e rebaixaria as projeções de petróleo nos campos, o que seria um novo Armagedom nas ações X. R$ 5 bilhões foram gastos enquanto a OGX furava desesperadamente em busca de petróleo, para resultar em apenas 5 mil barris diários.

Já era evidente até para o sempre otimista Batista que a coisa ia de mal a pior e que era necessário fazer alguma coisa. Várias soluções foram tentadas. A mais bem-sucedida, que resolveu apenas parte do problema, foi a venda de parte da MPX para a alemã E.ON, apesar de várias turbulências na negociação envolvendo um homem de confiança de Eike Batista. O fechamento de capital da LLX, com a ajuda do Ontario Teachers' Pension Plan, e da CCX, empresa de carvão do grupo, foram tentados, mas nenhum dos negócios foi para frente. Batista ainda prometeria colocar recursos oferecendo uma opção de venda (put) a ser exercida contra seu próprio patrimônio (all-in), mas ele próprio não honraria seus compromissos. Venda de participações adicionais, principalmente sobre a OGX, fracassaram.

O grupo precisava de um salvador da pátria. O primeiro candidato foi o ex-presidente Lula, antes reticente com Batista e agora grande amigo do empresário. Tentou fazer com que um estaleiro saísse do Espírito Santo para o porto de Açu, mas a tentativa fracassaria com a resistência dos cingapurianos que construíam o estaleiro e com a publicidade dada às pressões que sofriam para mudar.

O próximo salvador da pátria seria o BTG Pactual de André Esteves. Como se diz, se você pede ajuda para um banqueiro para se salvar, é porque você está realmente enrascado. O próprio Esteves e uma equipe de analistas se envolveriam na procura por soluções para o grupo e o banco prometeria investir até R$ 1 bilhão. Como grande credor do grupo, o BTG queria ser o primeiro da fila e queria mais orquestrar uma liquidação organizada da EBX do que encontrar uma saída, mas não teria sucesso nesse intento, até porque Batista tiraria o BTG da jogada para trazer um novo salvador da pátria, Ricardo Knoepfelmacher (Ricardo K.). Até a Vinci Partners seria envolvida em boatos de que ajudaria o grupo X, mas isso rapidamente se mostrou infundado. Simultaneamente, Batista e seus consultores buscavam dar rumo para os negócios, vender participação (sem vender controle) e negociar com os credores, mas falhariam nas três frentes. A put de US$ 1 bilhão seria exercida pela OGX, mas Batista não aportaria os recursos, ele próprio já não tendo muito dinheiro e tudo o que tinha estando preso com os credores. Aquelas garantias pessoais dadas no passado cobravam o seu preço agora. Antes tão presente na imprensa e na mídia, se limitaria a publicar um artigo no Globo e no Valor Econômico culpando os outros pelo seu fracasso.

No fim, a OGX precisaria interromper a produção nos campos que estavam produzindo e esse seria o golpe de misericórdia. As ações das empresas X cairiam a níveis abissais, a OGX passando a frequentar o patamar de R$ 0,20 quando há alguns anos valia por volta de R$ 20. Os credores assumiriam a empresa, Batista seria rebaixado para minoritário e como havia acontecido com a TVX seria expulso do comando de suas empresas. Eike Batista, agora não apenas um ex-bilionário, mas um bilionário negativo, está às voltas ainda hoje com processos da CVM por uso de informação privilegiada na negociação de ações.
Eike Batista na Bloomberg
Batista, o bilionário negativo. Fonte: Alex Cuadros https://twitter.com/AlexCuadros/status/395639607821225984/photo/1
Uma coisa que surpreende nessa história toda é que o fracasso da TVX já era conhecido, embora a grande maioria das pessoas não tivesse conhecimento de maiores detalhes. A principal fonte utilizada pela autora é uma reportagem da Canadian Business, que pode ser lida parcialmente aqui. Certamente que a história da EBX não será esquecida e está bem registrada no livro de Malu Gaspar. Independente disso, Eike Batista já está em busca de novos negócios, como lemos no epílogo do livro. A questão é: Batista tentará fazer o mesmo que fez com a TVX e a EBX e, se o fizer, terá sucesso, apesar de seu passado o condenar? A se ver.

O livro é fascinante, de fácil leitura (ainda mais para quem está familiarizado com mercado de capitais e sociedades anônimas), tendo como grande mérito trazer os bastidores de eventos que nós acompanhamos pelo noticiário, sem imaginar os segredos que estavam ocultos. Pretendo fazer um segundo texto mais técnico detalhando alguns tópicos, como a negociação com informações privilegiadas, prática mencionada em diversas passagens do livro.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O que é capital de giro?

Capital de Giro

Capital de giro é a diferença entre o ativo circulante e o passivo circulante. Essa é a definição padrão para capital de giro, é uma conceituação correta, mas penso que é possível ir além na explicação, principalmente no seu uso em avaliação de empresas.


Para calcular o fluxo de caixa livre ao acionista, partimos do lucro líquido, depois deduzimos os investimentos necessários, levando ainda em conta os efeitos do financiamento com dívidas. Esses investimentos podem ser em capital fixo (CAPEX) ou em capital de giro. Enquanto o primeiro é um desembolso (um fluxo de caixa negativo), o segundo, como será mostrado, não é exatamente uma saída de caixa.

Imagine uma empresa comercial que venda $ 1.000 em produtos, ao custo de $ 500 e que ainda pague despesas de $ 200. Se toda a produção fosse vendida e se as vendas fossem à vista assim como o pagamento das despesas, então a geração de caixa seria igual ao lucro ($ 300, nesse caso).

Porém, na prática parte das vendas é realizada a prazo, nem toda a produção é vendida e nem toda a despesa é paga imediatamente, de forma que são criadas no balanço patrimonial as contas de Estoques e Contas a Receber (lado do ativo) e Contas a Pagar (no passivo). Contas a Receber é resultado das vendas a prazo, Estoques da não venda de todos os produtos (e ainda a produção inacabada de mercadorias) e Contas a Pagar do diferimento do pagamento de contas.

Imagine que um quarto das compras fosse recebido apenas no próximo exercício, metade das despesas pagas também no próximo exercício e que o estoque de produtos fosse de $ 80. Para simplificar o argumento, os valores anteriores no balanço patrimonial eram nulos.  Isso significa que a empresa recebeu $ 750, pagou $ 580 no custo de mercadorias vendidas e das produzidas, mas não vendidas, e ainda desembolsou $ 100 em despesas. Subtraindo custos e despesas desembolsados da receita recebida sobra $ 70, ou seja, $ 230 ficam “empatados” no capital de giro.

Esse é o valor da geração de caixa, que pode ser usado para pagar dividendos aos acionistas ou investir em capital fixo. Partindo do lucro líquido, tivemos lucro de $ 300 e investimento em capital de giro de $ 230 resultando em fluxo de caixa livre de $ 70. Em uma terceira visão, o capital de giro da empresa aumentou em $ 250 no contas a receber, $ 80 nos estoques e reduziu em $ 100 no contas a receber e totalizou aumento de $ 230.

Dessa forma, o investimento em capital de giro é uma espécie de investimento virtual, não algo que a empresa deve desembolsar, e sim dinheiro que a empresa não tem como gastar a partir de sua geração de resultados. O capital de giro reflete a parcela não-caixa do resultado do exercício. Outra parcela não-caixa do resultado, depreciação e amortização, é levado em conta no investimento em capital fixo, considerado por seu valor líquidos (Investimentos – Depreciação – Amortização).

Para complementar, um breve exercício sobre como uma melhor gestão do capital de giro pode aumentar o valor da empresa. Suponha que a empresa pudesse fazer com que apenas 10% de suas receitas fosse recebida a prazo sem que isso ocasionasse redução em vendas, que o estoque fosse de apenas $ 40 (por uma melhor estimativa das vendas a serem realizadas, por exemplo) e que 75% das despesas fosse paga apenas no próximo exercício. Sem nenhuma mudança em receitas e custos, a empresa teria um fluxo de caixa livre de $ 310, com um investimento em capital de giro negativo em $ 10. Essa situação é um tanto extrema, mas ilustra o efeito da melhor gestão do capital de giro, a liberação de caixa para poder ser investido em capital fixo (ignorado nessa análise) ou distribuído para os acionistas.

No caso acima, o capital de giro é negativo e o índice de liquidez circulante inferior a 1. Essa pode ou não ser uma situação financeira perigosa, a depender de cada empresa. Indica que a empresa não poderá pagar as contas que ficaram pendentes do exercício anterior apenas com o que tem a receber de lançamentos efetuados no exercício anterior. Porém, se a empresa consistentemente consegue adiar os seus pagamentos, essa situação pode ser considerada normal e até positiva. Por outro lado, se adia os seus pagamentos por conta da incapacidade de honrá-los em prazos menores, isso é indicativo de problemas financeiros. Como mencionado, depende de empresa para empresa.

Essa é uma explicação mais intuitiva para o capital de giro e, mais especificamente, para o investimento em capital de giro em avaliação de empresas. Talvez não seja muito “ortodoxa” do ponto de vista da Contabilidade, mas acredito que ajude a entender melhor esse conceito.