segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Há 40 anos...

Vanguard

O Journal of Portfolio Management lançou uma edição especial de aniversário de 40 anos. Uma feliz quase coincidência é que também há 40 anos foi criada a empresa de fundos de investimento Vanguard de John Bogle, como ele mesmo aponta em um dos artigos.


Disse que é uma quase coincidência porque o próprio Bogle aponta um dos artigos publicados na primeira edição da revista como uma fonte de inspiração. Trata-se do Challenge do Judgment de Paul Samuelson, um curto artigo no qual o prêmio Nobel de 1970 chega ao veredicto de que “desempenho superior em investimentos não está provado”. Samuelson não nega que existam gestores de desempenho superior, mas no abstract (que, até alguns anos atrás, era um parágrafo logo abaixo do título, mas que aboliram em tempos recentes, infelizmente) afirma que eles se escondem muito bem. Além disso, afirma que os “fatos brutos” não mostram evidência de que existam de maneira consistente.

A consequência disso, segundo Samuelson, é que a indústria de gestão estava atraindo recursos demais (em especial, recursos humanos) e que ao menos as grandes fundações deveriam investir em uma carteira que seguisse o S&P 500. Essa não era uma prática em voga e não havia nenhum produto de investimento que seguisse essa linha. E foi esse o ponto que chamou a atenção de Bogle e o inspirou a criar a Vanguard. Ou seja, alguém poderia imaginar que a Hipótese de Mercados Eficientes (que já estava em circulação em 1974) era a inspiração de Bogle, ou que era o CAPM, mas a verdade é que a grande “musa” de Bogle foi Paul Samuelson, citado várias vezes ao longo do artigo (diferente de Fama ou Sharpe). Na verdade, mesmo em um mercado ineficiente a gestão passiva teria um imenso valor, dada a Aritmética da Gestão Ativa e a Hipótese de que custos importam. Bogle até trata com certa ironia a HME, dizendo que a sua abordagem é muito mais pragmática e simples.

São dois temas comuns dos trabalhos de Bogle, em especial na própria JPM, um deles a gestão passiva e outra a estrutura da indústria de fundos (tema de sua tese de graduação). Nesse segundo ponto, a Vanguard foi pioneira também ao focar nos custos e eliminando taxas de carregamento, que eram comuns na época e hoje estão bem menores e menos frequentes. A filosofia de Bogle era a de colocar o interesse do cotista (ou acionista, como se fala nos Estados Unidos) do fundo em primeiro lugar, o que inclui a eliminação de custos. A estratégia de Bogle era oferecer o primeiro fundo indexado da história ao menor custo possível (0,05% hoje em dia com investimento inicial de US$ 10 mil e adicional mínimo de US$ 100, sendo essa a coisa que mais invejo nos americanos, ter acesso a esse fundo).

No artigo, Bogle conta a história da criação da Vanguard em 1974 como cisão da empresa que ele dirigia, a Wellington, e o lançamento do primeiro fundo indexado no ano seguinte, o (Vanguard) First Index Investment Trust. Não foi uma trajetória fácil, já que ele encontrou diversos obstáculos e até acusação de ser antipatriótico. Analisa também a sua alegação de que foi realmente o primeiro fundo indexado (spoiler: sim, foi). E demoraria uma década para que o segundo fosse lançado e hoje temos uma série de fundos indexados e até ETFs. O artigo aborda outros temas, basicamente uma revisão de todos os artigos publicados por Bogle na JPM, mas considero a criação da Vanguard o principal.

Considero John Bogle a pessoa mais importante de investimentos (teoria e prática) do século XX ao criar um excelente e barato produto de investimento que basicamente é a única coisa que qualquer investidor precisa ter ao investir em ações (não significa que todo mundo deveria investir apenas em um fundo indexado, mas que fazer isso já é suficiente para a maioria das pessoas). Como Paul Samuelson comparou, a invenção do fundo indexado é o equivalente à imprensa de Gutenberg para os investimentos, criando um produto valioso a um baixíssimo custo.

John Bogle
Journal of Portfolio Management – 40 years. 2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Smart Beta

Smart Beta é um tema que foi abordado em um texto anterior do blog, mas de maneira insatisfatória. Nesse texto, aprofundo a discussão com um artigo de Burton Malkiel publicado no Journal of Portfolio Management.


Primeiro de tudo, uma tentativa de definição de Smart Beta, não havendo uma conceituação consensual. Smart Beta é uma estratégia que procura combinar gestão passiva com gestão ativa. Assim como a gestão passiva e diferente da ativa, procura manter uma carteira bem diversificada. Porém, não procura replicar o desempenho do mercado, e sim enviesar (tilt) a carteira para algum fator, como Valor, Tamanho, Momento ou outro, baseado em estudos a respeito do desempenho desses fatores. Assim, é uma estratégia que busca retornos beta, mas não meramente seguindo o mercado, procurando na verdade superá-lo, assim como a gestão ativa, mas sem adotar uma carteira concentrada.

As bases teóricas são os diversos estudos apontando “anomalias” de mercado, que na verdade são anomalias do CAPM, como as apontadas no parágrafo anterior. Um argumento muito utilizado é que uma carteira ponderada por valor de mercado irá muito frequentemente estar comprada em ações caras, na medida em que essas ações podem ter subido de preço, se tornado caras e ganharam mais participação na carteira de mercado. Malkiel rejeita o argumento de que com isso a estratégia Smart Beta ganharia à custa da gestão passiva. Como nos mostra a Aritmética da Gestão Ativa, a gestão passiva recebe os ganhos de mercado. Se alguém obtém retornos superiores, é à custa de outro gestor ativo, não daqueles que indexam as suas carteiras.

Estratégias que balizam uma carteira Smart Beta parecem atraentes se você segue um modelo como o CAPM, ao invés do Modelo de Três Fatores. Essas estratégias parecem que superam o mercado analisando apenas o risco como a covariância com os retornos do mercado, mas quando você considera outros fatores de risco essa vantagem pode desaparecer. Todo entusiasta do Smart Beta deveria se perguntar se esse fator é realmente uma anomalia ou se simplesmente corre mais de um risco que é precificado pelo mercado e que, portanto, não garante retorno anormal (ou alfa).

Dessa forma, carteiras Smart Beta podem estar assumindo mais risco sem saberem disso. Outro ponto a ser levantado é que essas carteiras podem necessitar de muito rebalanceamento. De um trimestre para outro, uma ação pode deixar os decis inferiores de valor (relação Valor Patrimonial/Preço) ou momento e deixar de serem elegíveis para a estratégia, o que exige a venda dessas ações e a compra de outras. Seguir uma estratégia Tamanho é cara, pois há mais custos de transações implícitos envolvendo ações de baixa capitalização. Outro problema é que a própria popularização dos fundos Smart Beta podem resultar na perda de sua eficácia, na medida em que muitos investidores explorando uma anomalia fazem com que ela desapareça (se é que ela existiu para começar).

E o desempenho histórico, apesar da pequena janela de tempo, não é muito favorável. Malkiel não mostrou tantos dados a esse respeito, mas cita diversos casos em que o fundo Smart Beta não superou o mercado, ou superou por apenas algum tempo, ou assumiu enormes riscos (como ter 15% da carteira em Citigroup e Bank of America em 2009). Malkiel afirma (mas não comprova) que o maior fundo Smart Beta (RAFI Fundamental Index) superou o mercado (por conta de ter investido nos bancos em 2009), mas analisando os retornos com o modelo Fama-French o alfa é nulo.

Malkiel conclui afirmando que, por enquanto, Smart Beta é muito marketing e pouco resultado. Alguns fundos obtiveram bons resultados, que podem ser apenas compensação por assumir mais risco. De fato, muitos fundos são mais arriscados do que o mercado, apesar de promessas em contrário, de forma que não passam no teste de segurança.

Malkiel mantém a sugestão que vem fornecendo desde sempre, a de investir em uma carteira bem diversificada, de baixo custo e que siga o mercado. O mercado pode cometer erros, mas continua sendo muito difícil superá-lo e estratégias Smart Beta não mudam isso.

A minha opinião é a de que Smart Beta deveria ser usado muito menos para superar o mercado, e sim para adaptar a sua carteira de investimentos ao seu perfil de investidor. No artigo, Malkiel compara Smart Beta com um prato de comida, com diversos sabores (fatores) que podem ser adicionados. Eu comparo com um sorvete. Temos o sabor baunilha, que são os fundos indexados (aliás, em inglês usa-se o termo vanilla para produtos padronizados desse tipo). Você pode adicionar outros sabores ou mesmo toppings ao seu sorvete para adequá-lo ao seu gosto, e essas adições podem ser fundos Smart Beta.

O que ainda resta ser feito em Finanças é determinar com mais clareza quais riscos estão envolvidos em empresas de valor ou de baixa capitalização de mercado. Um fundo que procurasse investir em ações pouco líquidas está correndo risco de liquidez, se beneficiando quando a liquidez é alta, perdendo quando a liquidez é alta. O risco de crédito funciona de maneira parecida, sendo ótimo quando a situação econômica está calma, mas péssimo para a carteira em crises. Acho que é por isso que muitos ativos parecem ser pouco correlacionados em geral, mas caem todos juntos durante crises. Esses ativos se beneficiam de modos diferentes da calmaria, mas todos são afetados pela crise, quando a liquidez seca, a economia vai mal e o risco de crédito aumenta.

Enfim, se pudéssemos saber melhor como cada fator de risco se comporta, seria possível correr mais riscos que o investidor queira correr para tentar aumentar os riscos de sua carteira. A ideia aqui não é superar o mercado, gerar alfa, e sim assumir riscos diferentes que o investidor esteja disposto a assumir. Essa, na minha opinião, deveria ser a filosofia do Smart Beta.

Is Smart Beta Really Smart?
Burton Malkiel.
Journal of Portfolio Management. JPM 40. 2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

CDB com amortização

Um banco passou a oferecer um CDB com uma “mesada”, que é uma amortização do valor principal do certificado.

Essa é uma variante do CDB com juros mensais, prometendo pagar 4% do valor principal todo mês pelo prazo do certificado, que é 25 meses. Todos os juros serão pagos ao final à alíquota de 15%. A escolha de 25 meses ao invés de 24 meses é boa, pois assegura que a alíquota será de 15%. A contagem de datas para definição de alíquota é em termos de dias corridos (720 para a menor alíquota), e me parece que definir 24 meses corria o risco de cair na alíquota de 17,5%. Independente disso, 4% de R$ 10 mil é muito melhor do que 4,16666% (1/24).

Um dos problemas do CDB com juros mensais é que diversos juros são pagos a alíquotas mais elevadas começando em 22,5%. O novo produto remedia isso, já que o único fluxo de caixa tributável é o pagamento dos juros no vencimento do título.

O CDB de amortizações mensais trabalha com outra taxa, mas vamos utilizar 1% para podermos comparar com o CDB com juros mensais e facilitar as contas. A tabela abaixo mostra os principais dados do produto, se bem o compreendi.

O funcionamento parece bem simples. Primeiro incidem os juros sobre o valor investido e depois há a amortização. No final, o novo valor investido é o valor anterior, menos amortização, mais juros. No vencimento, o único valor que sobra é o dos juros acumulados, que sofrem tributação de 15%, por isso último fluxo de caixa não é R$ 1.927,04.

A Taxa Interna de Retorno é de 0,868% a.m., contra 0,864% de um CDB tradicional, ou seja, economicamente não há diferença significativa. Toda diferença se dá por conta do imposto de renda, não fosse isso ambos teriam TIR de 1%. Para o CDB com amortização mensal, os juros acumulados são menores e o pagamento de imposto também é menor e me parece que é isso que faz a diferença, mas o retorno adicional é muito pequeno mesmo aumentando o prazo do título. Se a taxa de juros aumentar essa diferença pode se expandir, mas é necessária uma considerável elevação nos juros para isso começar a ser relevante.

Reaplicação da amortização
O problema do CDB com amortização mensal é a incerteza quanto à reaplicação das amortizações. Se for possível reaplicar as amortizações no mesmo produto, à mesma taxa de juros, o resultado final antes de imposto de renda é o mesmo. De fato, com R$ 250 mil, a amortização é de R$ 10 mil, que é a aplicação mínima no produto, então é possível reaplicar no mesmo produto, só não se sabe se com a mesma taxa. Porém, aqui o resultado final é diferente por causa do imposto de renda, agora contra a amortização mensal.

R$ 250 mil investidos em um CDB tradicional resultam em R$ 310.016,80 após imposto de renda de 15%. Supondo que seja possível resgatar antecipadamente o CDB com amortização, esse valor é menor porque alguns dos CDBs frutos de reaplicações estão com alíquota superior a 15%. Na verdade, pelo que entendi, o resgate antecipado implica a perda dos juros no produto oferecido. Em todo caso, o CDB com amortização não tem os mesmos resultados do que um CDB tradicional ao reaplicar as amortizações.

Capital x Renda
Mas não faz sentido algum reaplicar as amortizações. Ou você investe no produto para se aproveitar da (pequeníssima) vantagem tributária ou você aplica para receber a amortização como uma forma de renda.

E é exatamente esse o efeito do produto, transformar capital em renda. O produto é adequado se essa é a intenção do investidor, uma vez que gera renda de uma maneira tributariamente eficiente. O investidor poderia fazer a mesma geração de renda aplicando em um fundo de investimento que rendesse a mesma taxa (suponha que isso seja possível) e ir resgatando os juros e uma parte do principal todo mês. Porém, o resgate dos juros será realizado com alíquotas de imposto de renda maiores e o pagamento do tributo ocorre mais cedo, exatamente os problemas do CDB com juros mensais. Dessa forma, o CDB com amortização mensal pode transformar capital em renda de maneira tributariamente eficiente.

Porém, se o objetivo do investidor for exatamente o contrário, transformar renda em capital, deveria preferir um CDB tradicional. A pequena vantagem tributária que pode gerar não compensa a incerteza quanto à reaplicação, fora a tentação de gastar o dinheiro que era para ser poupado. Dessa forma, o investidor que ainda está em fase de acumulação de recursos não deveria aplicar no CDB com amortização mensal.

No final das contas, o CDB com amortização mensal não é um produto ruim, diferente do CDB com juros mensais, mas só faz sentido aplicar no produto se o investidor estiver interessado em transformar capital em renda.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Jean Tirole

The Theory of Corporate Finance

O prêmio Nobel de Economia de 2014 foi para Jean Tirole por “sua análise do poder de mercado e regulação”.



Não estou nada familiarizado com o trabalho de Tirole, principalmente na área que lhe valeu o prêmio. Márcio Laurini do Raciocínios Espúrios indicou um artigo sobre softwares open source. O único contato com o trabalho de Tirole que eu tenho é com o livro The Theory of Corporate Finance, que vou comentar brevemente nesse texto.


Os livros de Finanças Corporativas geralmente são organizados por temas, seguindo a classificação básica de Projetos de Investimento, Estrutura de Capital e Política de Dividendos, com capítulos introdutórios abordando tópicos como mercado financeiro e tipos de organização. Os dois primeiros capítulos do livro de Tirole são sobre Governança Corporativa e instrumentos de financiamento corporativo, incluindo o primeiro teorema de Miller-Modigliani.

O terceiro capítulo é bastante importante, pois delineia o modelo de financiamento corporativo sob condições de informação assimétrica e custos de agência que será utilizado ao longo do livro. Ao invés de explicar um modelo para cada assunto a ser abordado ao longo dos capítulos, Tirole procurou criar um modelo que pudesse ser utilizado em diversas situações, com algumas adaptações pontuais. A grande inovação do livro é organizar os capítulos através de tópicos teóricos e não áreas temáticas aplicadas (como as mencionadas no parágrafo anterior). Aliás, como o próprio nome diz, esse é um livro teórico com menos ênfase nas evidências empíricas, menos até do que outros livros.

Observando o nome dos capítulos, verifica-se que a maior parte dos tópicos do livro são relativos a Estrutura de Capital, com os demais pontos estando diluídos ao longo dos capítulos. Foca bastante em questões de governança corporativa e informação assimétrica e aborda tópicos diferentes como teoria da escolha do consumidor e tópicos mais comuns em livros do assunto como fusões e aquisições.

Esse não é um livro tradicional de Finanças Corporativas e pode ser um bom complemento para quem já leu um desses (Brealey, Meyers, Marcus; Damodaran; Gitman, Ross, Westerfield, Jaffe etc.). Porém, é um livro de nível bem mais avançado, entre mestrado e doutorado, então é só para quem tem muito interesse no assunto. 

Juros sobre capital próprio x Dividendos

No Brasil, juros sobre capital próprio (JSCP) é uma maneira alternativa a distribuir resultados, semelhante a dividendos nessa função, mas com diferenças importantes.


Dividendos são isentos de tributação para o investidor, na medida em que o lucro da empresa, origem dos dividendos, já havia sido tributado pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica e cobrar imposto também do investidor configuraria dupla tributação. JSCP, por outro lado, estão sujeitos à cobrança de imposto de renda de 15% exceto para pessoas isentas. JSCP funciona como uma despesa financeira contabilmente, reduzindo o lucro tributável e assim na prática isentando a empresa da tributação. Por força da lei 9.249/95, o valor da dedução de imposto por conta da distribuição de juros sobre capital próprio não pode ultrapassar a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) aplicada ao patrimônio líquido deduzido de reservas de reavaliação. A distribuição de JSCP está condicionada à existência de lucro e à existência de lucros acumulados pelo menos duas vezes superior ao valor do JSCP. (Dito de outra forma, JSCP deve ser no máximo metade do lucro ou dos lucros acumulados).

JSCP parece ser muito mais vantajoso do que dividendos, até porque nem todos os investidores estão sujeitos à tributação do JSCP (algo a ser analisado mais para frente). Tirando a questão dos limites, as empresas deveriam pagar o máximo de JSCP em detrimento dos dividendos. A questão passa a ser: como as empresas tomam a decisão de política de dividendos a partir dessa situação? Um artigo publicado no Journal of Corporate Finance analisa essa questão.

O estudo tem três hipóteses:

1) A probabilidade de que uma empresa pague JSCP está positivamente relacionada com a lucratividade e a razão de distribuição de dividendos.

2) A probabilidade se reduz quanto mais instrumentos para reduzir o pagamento de impostos (NETS, na terminologia dos autores) a empresa dispor.

3) A probabilidade aumenta com o aumento na adoção voluntária a padrões mais elevados de transparência e proteção do investidor.

Os autores analisaram o período 1996 (quando a figura do JSCP foi criada) e 2007. Foram excluídas as empresas que não pagaram nem dividendos, nem JSCP. Excluem também empresas que não são elegíveis a pagar JSCP, como as que têm prejuízo líquido, patrimônio líquido negativo, prejuízo operacional ou sem reserva de lucros acumulados. A amostra é composta por 286 empresas e 1.427 observações ano-empresa.

É importante descrever a variável NETS antes de seguir com a explicação. NETS é dado por:

NETS = Lucro Operacional – JSCP – T/Tc

Tc é a alíquota marginal de imposto de renda e T o quanto a empresa efetivamente paga em impostos. Se a empresa pagou pouco imposto de renda, significa que se valeu de muitos instrumentos de redução da tributação além do JSCP e o NETS é alto. Se pagou muito, então basicamente qualquer redução no imposto de renda se deveu ao JSCP.  A variável NETS é dividida pela receita para possibilitar a comparação.

Observando as estatísticas descritivas, nota-se que as empresas mais lucrativas pagam mais JSCP, têm mais depreciação e despesas financeiras (que reduzem o imposto de renda pago) e estão em níveis diferenciados de Governança (Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2), embora esse último resultado não seja estatisticamente significativo. São indícios de que as hipóteses estão certas, mas são necessárias análises mais profundas para confirmar esses resultados. Adicionalmente, as estatísticas descritivas mostram que as empresas que pagam mais JSCP são maiores, possuem mais oportunidades de crescimento e base acionária mais dispersa.

Os autores realizaram uma análise Probit para determinar a probabilidade de uma empresa pagar JSCP. O importante aqui é analisar os controles utilizados e quais deles afetam essa probabilidade. Os resultados confirmam que empresas mais lucrativas são mais propensas a pagar JSCP, corroborando a hipótese 1. A relação entre NETS/receita e a probabilidade é negativa, corroborando a hipótese 2. Estar listada em um dos segmentos de governança diferenciada não influencia de maneira significativa a probabilidade de distribuir JSCP, refutando a hipótese 3. Das variáveis restantes, tamanho influencia positivamente, assim como o fato da empresa ter um fundo de pensão como principal acionista, o que talvez indique que esses investidores possam influenciar a política de dividendos da empresa (hipótese levantada, mas não estudada nesse artigo).

Um modelo alternativo é o Tobit, que analisa a proporção de JSCP nas distribuições de caixa ao acionista. Aqui, o único resultado diferente do Probit é que a governança se mostrou significativa, em especial do ponto de vista econômico, essa variável aumentando entre 29% e 35% o pagamento de JSCP. Ou seja, boa governança pode não influenciar se a empresa vai pagar JSCP, mas pode aumentar o seu pagamento nos casos em que isso ocorre.

A próxima análise é a respeito de mudanças na política de dividendos. Agora, a probabilidade em estudo é a de uma empresa que um ano antes só pagava dividendos passar a pagar também JSCP. O foco aqui é em mudança, inclusive nas variáveis independentes, que constam do modelo como variação (de lucratividade, de pagamento de proventos em dinheiro etc.) ao invés de valor absoluto. Empresas que aumentam a lucratividade e a razão de distribuição de proventos se mostraram mais propensas a pagar JSCP. NETS crescente, por outro lado, reduz a probabilidade da empresa começar a pagar JSCP. Aumento na depreciação aumenta a chance de pagar JSCP, o que os autores interpretam como resultado no aumento dos investimentos e a necessidade de gerenciar mais eficientemente o caixa.

Analisando a situação oposta (empresa que paga JSCP e passa a pagar apenas dividendos), mudanças na lucratividade não se mostram muito significativa, mas aumento no NETS aumenta a chance da empresa só pagar dividendos, o que reforça que o grande atrativo do JSCP é realmente a vantagem fiscal.

A análise seguinte se refere à reação do mercado com mudanças na política de dividendos. E aqui os resultados são surpreendentes, com o mercado reagindo mais positivamente (com altas maiores) a anúncios de distribuição de dividendos em relação a anúncios de JSCP. Os autores não falam isso, mas talvez os investidores valorizem mais a isenção fiscal para eles do que para a empresa.

Em resumo, empresas mais lucrativas, que pagam mais proventos em dinheiro e que dispõem de menos meios de obter isenções fiscais são mais propensas a pagar JSCP. Um grande número de empresas ainda não pagam JSCP, talvez por receio da reação do mercado, que favorece mais o anúncio de pagamento de dividendos do que de JSCP.

Barriga de Aluguel
Uma operação que procurava arbitrar a isenção de imposto de renda sobre JSCP para alguns investidores era chamada de “barriga de aluguel”. Um fundo de investimento (isento de IR) alugava as ações de um investidor pessoa física (sujeito a IR), recebia o JSCP e pagava ao investidor original o valor já deduzido de IR, ficando com a diferença. Leia essa reportagem do Valor Econômico para ver um caso real e público.

Com a popularização dessa operação, o governo se apressou para fechar a brecha fiscal. Na MP nº 651/2014, no artigo 8º, estabelece-se a cobrança de imposto à alíquota de 15% sobre o JSCP recebido por um tomador imune tomando emprestado de um doador sujeito ao IR. Dessa forma, a operação descrita acima não é mais possível. Se o doador também é imune, não há a cobrança de imposto de renda, mas também não havia oportunidade de arbitragem.

A minha pergunta é: como demorou 18 anos para essa mudança ocorrer? Ninguém tinha pensado nisso antes? Ou tinha, fazia a operação e não dava publicidade? De todo modo, a brecha foi fechada.

Payout policy in Brazil: Dividends versus interest on equity
Thomas J. Boulton, Marcus V. Braga-Alves e Kuldeep Shastric
Journal of Corporate Finance. Volume 18. Ed. 4. 2012

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Evidenciação voluntária e liquidez

A liquidez das ações negociadas no mercado é um fator importante para a administração da empresa na medida em que reduz o custo de capital. Por isso, a administração pode procurar meios de aumentar a liquidez e aumentar o valor da empresa no processo.


O artigo Shaping Liquidity: On the Causal Effects of Voluntary Disclosure publicado recentemente no Journal of Finance analisa como a evidenciação (disclousure) voluntária de informações pode ser utilizada para aumentar a liquidez das ações. Essa questão já foi estudada anteriormente, mas há uma dificuldade em estabelecer causalidade, uma vez que a evidenciação voluntária não é um evento aleatório e é mais viável para algumas empresas do que para outras. Dessa forma, não sabemos se o desejo de informar mais afeta a liquidez, ou se outra variável relacionada é a responsável por esse efeito.

A análise realizada é bastante engenhosa. Parte de um choque externo (o encerramento de um departamento de análise de ações) e depois analisa como as empresas se comportaram e como a liquidez reagiu, procurando considerar outros fatores como a contratação ou dispensa de um formador de mercado. A reação que os autores analisam é a emissão de uma orientação (guidance) de lucros após a perda de cobertura. A ideia é que a orientação reduz a assimetria de informações e aqui o foco é o investidor pessoa física, que é mais afetado pela assimetria de informações do que os investidores institucionais. Inclusive, a perda de cobertura de analistas se refere às análises para pessoa física, não para investidores institucionais. Se for comprovado que as empresas que emitem orientações conseguem aumentar a liquidez de suas ações, verificamos que a orientação é uma forma de compensar, substituir ou amplificar relatórios de análise.

Os autores separam as ações negociadas nos Estados Unidos em dois grupos: de tratamento (que sofreu o choque de perda de cobertura) e o de controle (que não recebeu o choque). A variável de relevância para medir a iliquidez é o que chamam de Medida Amihud de Iliquidez (AIM), baseado em Amihud (2002), que mede o impacto da redução da liquidez nos preços. O período de análise é entre 2000 e 2009 e os autores consideram apenas o encerramento de departamento de análises, não o encerramento de análises para empresas específicas. Dessa forma, o choque pode ser considerado exógeno, na medida em que não teria como a empresa influenciar a decisão de encerramento de um departamento de análise.

Empresas que não tinham um histórico de emissão de orientação foram excluídas da base, pois não seria possível analisar o seu comportamento. Pelo que entendi, a empresa não precisa estar emitindo orientação no momento em que ocorre o choque, só precisa que tenha emitido em algum momento. O grupo de controle é composto por ações que possuem as mesmas características em termos de tamanho, cobertura de analistas, AIM, dentre outras variáveis. No fim, o grupo de tratamento e de controle possuem 2.095 ações cada. Os autores também analisam a situação na qual o serviço de análise é encerrado junto com o de formador de mercado, mas essa é uma situação rara e mesmo sem esse controle os resultados não mudam muito.

Os resultados mostram que há uma redução na liquidez (aumento no AIM) após o encerramento da cobertura para o grupo de tratamento. O grupo de controle também registra queda na liquidez no mesmo período, porém, essa redução é menor. Aqui, o interessante é verificar a diferença entre grupo de tratamento e de controle, não as variações isoladamente. Mesmo controlando por outros fatores que afetam a liquidez (tamanho e cobertura de analistas, por exemplo) os resultados continuam mostrando o impacto maior para o grupo de tratamento.

Análises adicionais mostram que a redução na liquidez tende a ser temporária, revertendo após um trimestre. Restringindo a análise para os casos em que uma firma de análise tem também um departamento de formação de mercado, mas não encerra os dois serviços, o padrão se mantém. Na verdade, mesmo considerando o encerramento simultâneo dos dois serviços os resultados se mantêm os mesmos. Para apenas os casos de encerramento do departamento de formação de mercado, a liquidez diminui e não há uma reversão e na verdade há uma acentuação na redução da liquidez.

A próxima análise é sobre a relação entre perda de cobertura e orientação. Aqui, os autores analisam as ações com histórico de orientação (grupo de tratamento) comparando com um grupo de ações similares que não têm histórico de orientação (grupo placebo). A maioria das empresas que não tem histórico de emitir orientação continua não emitindo mesmo após a perda de cobertura, pois estimam que os custos da orientação superam os benefícios. Para empresas que não emitem orientação, há uma redução na liquidez, mas o interessante é observar que esse efeito não é revertido. Isso corrobora a ideia de que a orientação de lucros serve como uma forma de reduzir a assimetria de informações e ajuda a manter a liquidez das ações. A robustez da análise é boa, na medida em que seria necessário identificar uma variável omitida que explique o comportamento diferente de ações com e sem orientação de lucros.

Perder cobertura de analistas por conta do encerramento do departamento de uma firma aumenta em 18% a chance de a empresa emitir orientação de resultados. Esse efeito ocorre após o choque, não antes, reafirmando que o choque é exógeno (fora do controle da empresa emissora das ações). Eliminação de departamentos de serviços de formação de mercado não resulta no aumento na emissão de orientações, o que indica que as empresas sabem que redução na liquidez por conta da assimetria de informação pode ser curada com orientação, enquanto que redução na liquidez por conta da forma como as ações são negociadas não pode. Outro resultado interessante é que a perda de cobertura torna as empresas mais propensas a emitir orientações negativas. As empresas que são mais estimuladas a emitir orientação são as que mais sofrem com a queda na liquidez, como aquelas já com poucos analistas cobrindo a empresa. Empresas que gerenciam lucros não mudam seu comportamento de orientação (devem até apreciar a menor atenção devotada a elas) e a eliminação de análise para investidores institucionais não aumenta a probabilidade de emissão e orientação. Perder um analista local ou bem-reputado aumenta mais a chance de emitir orientação.

Para examinar a questão principal do artigo, se a liquidez é afetada pela decisão de emitir orientação de lucro, os autores realizam uma regressão em dois estágios. O primeiro já foi realizado, a estimativa da probabilidade da empresa emitir orientação condicionada à ocorrência do choque. O segundo estágio analisa o efeito dessa probabilidade na liquidez (AIM). Os resultados mostram que a divulgação de orientação de lucros aumenta a liquidez, independente do tipo de orientação que é divulgada. Os resultados não mudam modificando a variável utilizada para medir a liquidez.

Em resultados não mostrados com maiores detalhes, análises adicionais mostram que o valor da empresa (medido pela relação valor patrimonial/valor de mercado) é reduzido após a perda de cobertura de analistas, mas é subsequentemente recuperado por conta da divulgação de orientação de lucros.

É um tema de debate se a orientação de lucros é positiva ou negativa, o artigo resumindo essa discussão na página 5 e 20. Indiretamente, o artigo mostra os efeitos positivos da orientação, em especial no aumento na liquidez das ações. Na parte de aplicação prática, é possível imaginar que outras formas de evidenciação voluntária de informações aumentam a liquidez das ações, se o canal de transmissão realmente for a redução na assimetria de informação. Uma empresa que deseje aumentar a liquidez das ações e reduzir o impacto de uma redução generalizada de liquidez do mercado pode aumentar a evidenciação voluntária de informações para essa finalidade.

Karthik Balakrishnan, Mary Brooke Billings, Byan Kelly e Alexander Ljungqvist

Journal of Finance. Volume 69. Ed. 5. 2014

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Governança Corporativa e Retornos

Em texto anterior, expliquei sobre o índice de Governança (índice G) de Gompers et. al. (2003). Nesse texto, continuo resumindo o artigo, agora com a aplicação do índice para analisar as empresas.


O índice G está positivamente correlacionado com tamanho, volume negociado e investimento institucional, e negativamente correlacionado com crescimento de vendas, lembrando que elevado índice G é ruim em termos de governança. Metade das empresas “ditaduras” são do S&P 500 e apenas 15% das democracias fazem parte do índice.

A análise de como governança corporativa afeta os retornos é feita comparando a carteira “democracia” com a carteira “ditadura” de acordo com o índice G. Carteiras democracias possuem índice G de até 5 e as ditaduras acima de 14, lembrando que quanto maior o índice pior é a governança da empresa. $1 investido na carteira ditadura em 1990 resultaria em $ 3,39 em 1999, mas o mesmo investimento na carteira democracia resultaria em $ 7,07.

Certamente que a análise não pode se encerrar aqui. Há diversos fatores que podem explicar a diferença de retornos. Para controlar por esses fatores, os autores utilizam o modelo Fama-French para analisar o retorno de uma carteira comprada em democracias e vendida em ditaduras. O resultado mostra alfa de 71 pontos-base, ou 8,5% a.a., sendo estatisticamente significativo ao nível de 1%. Em separado, a carteira democracia gera alfa de 29 pontos-base e a carteira ditadura -42.

Para extrair mais informações dessa análise, os autores examinam os subíndices. Aqui, o foco não é em termos de retornos, e sim de valor da empresa, por meio do Q de Tobin usando a metodologia de Kaplan e Zingales (1997) e Fama e Macbeth (1973). Essa análise é realizada ano a ano e separa as ações em grupos de acordo com aqueles selecionados pelos autores. Os resultados mostram uma relação negativa e significativa entre G e Q em quase todos os anos. Na maior parte dos casos, principalmente na primeira metade do período de análise, a carteira democracia mostrou-se com Q de Tobin superior. Na média do período, a adoção de uma prática deletéria de governança resultou em 4,43% menos valor. Em geral, os subgrupos de indicadores também têm coeficientes negativos exceto pelo grupo Voto, mas a alta correlação entre os grupos não permite maiores inferências sobre causalidade. No fim, os resultados mostram que má governança corporativa destrói valor.

A próxima questão é sobre o desempenho operacional e sua relação com o índice G. As medidas são margem líquida, retorno sobre patrimônio e crescimento de vendas, controlando por fatores específicos de uma indústria (Fama-French 1997) e outros fatores. Crescimento e margem são negativamente afetados pelo índice G, mas empresas classificadas como democracias não têm um desempenho muito diferente. Não é possível extrair muita conclusão de causalidade, mas há alguns indícios de que companhias com pior governança corporativa também são pior geridas.

Então, empresas com pior governança corporativa no que se refere a medidas para restringir a tomada de controle produzem retorno de ações menores, destroem valor e têm desempenho operacional pior. Por quê? Essa é uma questão um pouco além do escopo do artigo e a falta de métodos para analisar causalidade nesse caso específico impedem conclusões mais fortes. Os autores sugerem três hipóteses:

A) Medidas restritivas de governança aumentam custos de agência, que foram subestimados pelos investidores nos anos 1990.

B) Medidas restritivas de governança foram impostas nos anos 1980 por presidentes que previram um pior desempenho na década seguinte

C) Medidas restritivas de governança estão associadas com outras características que geram retorno anormal

Uma maneira de examinar a hipótese A é analisar os investimentos realizados pela empresa. O alto custo de agência nesse caso é que os presidentes investem em projetos ineficientes para extrair benefícios privados deles. Mesmo controlando por outros fatores, há uma relação entre G e investimento. O mesmo se aplica analisando o movimento de fusões e aquisições, empresas com pior governança atuando mais nesse mercado talvez como uma forma de “construir um império”.

A hipótese B pode ser analisada verificando a relação entre insider trading legal (ou seja, agentes internos negociando as ações da empresa dentro dos limites legais) na década de 1980 e índice G. Não foi encontrada evidência de insider trading maior ou menor em função do índice G.

Para testar a hipótese C, os autores refazem as regressões incluindo ajustes industriais, incluindo o grupo de medidas na regressão ou mesmo cada uma das 24 perguntas no modelo. Controlando mais rigorosamente por indústria não muda de forma considerável os resultados em termos de impacto nos retornos. Incluir os grupos ou as medidas atrapalha o modelo por problemas de multicolinearidade. Os resultados são inconclusivos nesse ponto.

Os próprios autores apontam que esse não é um teste de eficiência de mercado, já que a teoria não fornece nenhuma previsão que pudesse dar respaldo ex-ante aos investidores. Os autores também evitam fazer afirmações muito fortes a respeito de causalidade, como mencionado anteriormente. Apesar disso, as análises do artigo mostram a importância da governança corporativa e sua relação com investimentos e finanças corporativas.

Corporate Governance and Equity Prices

The Quarterly Journal of Economics. Volume 118. Ed. 1. 2003