quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Caixa dos fundos de investimentos

Caixa é financeiramente um mau investimento, que não rende juros, o que impõe perda de oportunidade e perda com a inflação.


Mesmo que a definição de caixa seja títulos curtos de renda fixa sem risco de crédito, ainda assim o retorno é baixo na comparação com outros investimentos. Porém, o caixa pode ser um investimento estratégico e é o que o artigo de Mikhail Simutin publicado na Review of Finance procura analisar.

A manutenção de um elevado caixa por fundos de investimento pode ter várias implicações. Além da perda de oportunidade mencionada, pode mostrar uma falta de habilidade por parte do gestor, que não está conseguindo encontrar aplicações no mercado. Por outro lado, pode dar flexibilidade ao gestor ao permitir que ele adquira ações a preços atrativos ou honrar resgates sem ter que vender a qualquer preço os ativos em carteira.

No artigo, Simutin procura determinar a quantia “anormal” de caixa, ou seja, a proporção não-investida que excede o que seria de se esperar de fundos com as mesmas características. O autor utilizou a base de dados CRSP no período entre 1992-2009. Os fundos mantinham em média 4% dos ativos em caixa, mas havia uma variação muito grande, o decil de menor caixa mantendo 0,1% e o maior 9%. Ao longo do tempo, a média caiu de 7% no começo dos anos 1990 para 3% ao final dos anos 2000.

O próximo ponto é determinar os fatores que levam o gestor a manter dinheiro em caixa. Em resumo, os fundos que mantêm mais dinheiro em caixa são os fundos:

- Que têm maiores despesas (que são pagas em dinheiro)
- Que têm taxa de carregamento (porque as aplicações são menores e menos frequentes)
- Maiores (para terem que vender as ações com menos frequência)
- Com maior retorno e maior fluxo positivo (um acaba implicando o outro e mostra que o gestor está em busca de bons investimentos para aplicar os novos aportes)
- Mais arriscados (segundo os fatores do modelo Fama-French)
- Que recebem menos dividendos (porque dividendos geram caixa)
- Com a carteira mais concentrada (para não ter que vender essas posições concentradas)
- Mais novos (sem um histórico, o fundo é mais vulnerável a resgates)
- Com estratégias mais agressivas

Volatilidade dos fluxos é um fator que surpreendentemente não se mostrou significativo.

O próximo passo é determinar o “caixa anormal” para depois relaciona-lo com o desempenho. Esse é o caixa mantido pelo fundo que se desvia daquilo que seria de se esperar de fundos com as mesmas características a partir de uma regressão múltipla, como a que determinou os fatores determinantes listados acima. Os autores então procurariam relacionar o caixa anormal com o retorno ajustado ao risco, usando o modelo Fama-French, adicionando o fator Momento de Carhart (1997) e Liquidez de Pastor e Stambaugh (2003). Os fundos são classificados em quintis e os retornos são analisados em conjunto.

Não há relação entre caixa “bruto” e desempenho, mas isso ocorre porque há vários fatores que explicam tanto a manutenção de caixa quanto os retornos. Usando o caixa anormal, há uma diferença de 0,18 p.p. mensais entre os fundos classificados no quintil superior e inferior de caixa anormal. Em termos de alfa, o quintil superior ganha do inferior com alfa de 0,21p.p. superior. Na verdade, é menos inferior, embora em algumas análises os quintis superiores não mostrem significância estatística. Pelo que eu vi nas tabelas, o 4º quintil tem um desempenho melhor do que o quintil superior. De todo modo, a superioridade dos fundos com mais caixa anormal é estável analisando-se ao longo do tempo e os resultados reportados não se aplicam apenas ao agregado do período 1992-1999.

Em regressões do tipo Fama-Macbeth (1973), os autores procuraram determinar quais fatores estão relacionados com os retornos. As análises confirmam que o importante é o caixa anormal, e não o caixa bruto. Além disso, tamanho e os fatores dos modelos de precificação estão relacionados com os retornos, mas isso não invalida o caixa anormal como fator explicativo. Economicamente, o aumento de um desvio-padrão do caixa anormal resulta em um aumento de 1%a.a. nos retornos.

Porém, manter muito caixa (estar no grupo de 5% dos fundos com mais caixa anormal) é prejudicial aos retornos. A questão é: quanto de caixa anormal manter? Isso remete a outra pergunta: o que faz com que o caixa anormalmente alto seja benéfico, até certo ponto?

Primeiro de tudo, o mais natural seria pensar que a manutenção de um elevado caixa é um ponto negativo, afinal é dinheiro rendendo pouco ou até perdendo para a inflação. Uma hipótese é a de que os gestores seguram caixa a espera de boas oportunidades. Para testar isso, os autores analisaram as carteiras dos fundos e examinaram o retorno das ações que os fundos compraram, venderam e mantiveram. Uma carteira com as ações compradas pelos fundos com alto caixa anormal rendeu 0,27p.p. acima do que as ações compradas pelos fundos de baixo caixa, o resultado sendo de 0,2p.p. entre esses grupos para as ações mantidas. Para as ações vendidas, não há relação significativa.

A volatilidade do caixa anormal pode fornecer mais informações. Se o caixa é utilizado para aproveitar oportunidades, ele será volátil, diminuindo em momentos mais favoráveis, aumentando em mercados piores. Por isso, além de separar por fundos com baixo ou alto caixa anormal, é interessante separar entre fundos com caixas mais ou menos voláteis. Fazendo essa separação, os voláteis superam os persistentes, a diferença sendo maior no grupo com menor caixa anormal. Ou seja, caixa nas mãos certas, mesmo que pouco, pode fazer diferença no desempenho.

Outra forma de medir a habilidade do gestor em gerir o caixa e obter bons retornos é nas situações de alta volatilidade e de mercado subavaliado, boas momentos para gestores habilidosos lucrarem. Uma aproximação é a dispersão da relação Valor Patrimonial/Preço, grandes dispersões indicando uma boa oportunidade de encontrar ativos sendo erroneamente avaliados. Outra medida é a correlação mediana entre o retorno das ações e do mercado.  Uma elevada correlação indicaria menos oportunidades para selecionar ações, uma vez que as ações se movem em conjunto. Uma carteira comprada em fundos com elevado caixa anormal e vendido em fundos com caixa baixo tem resultados superiores conforme a dispersão do VP/P é maior e conforme a correlação é menor. Os retornos também estão positivamente correlacionados com o Retorno com Dividendos e negativamente com o rendimento dos Treasury Bills, ou seja, em momentos de preços baixos.

Analisando fundos indexados, não há diferença entre fundos com alto e baixo nível anormal de caixa. Dessa forma, há evidências de que os gestores com caixa acima do considerado normal têm habilidade superior de selecionar ações na comparação com os gestores que mantem menos caixa do que o esperado.

A próxima questão seria examinar se os gestores possuem habilidade de escolher o melhor momento para aplicar o caixa em excesso. Existem medidas para isso, os autores usam três, e confesso que não as conhecia. São baseadas nos trabalhos de Treynor e Mazuy (1966), Henriksson e Merton (1981) e Jagannathan e Korajczyk (1986). Valores positivos para esse índice indicam habilidade de temporização do mercado. Os resultados indicam, embora não sem alguma incerteza quanto aos resultados, que os fundos com menos caixa anormal têm piores habilidades de temporização de mercado.

Aportes e resgates de cotas também afetam tanto o retorno quanto o caixa, então, é interessante examinar como se dá a interação entre esses fatores. Para examinar essa questão, os autores separaram os fundos nos quintis de caixa anormal e separaram cada quintil em dois grupos, de alto e baixo fluxo. A diferença alto-baixo caixa é maior para fundos com aportes líquidos maiores do que para fundos com baixo fluxo. Isso dá suporte à ideia de que os gestores mantêm caixa mais elevado para honrarem resgates sem terem que vender a qualquer preço os ativos investidos. Isso é confirmado com uma análise que mostra que os fundos com baixo caixa sofrem mais em períodos de menor liquidez. Quando a liquidez é elevada, não há diferença.

Outra possibilidade é a de que os gestores mantêm caixa elevado como uma forma de minimizar os custos de transação, não tendo pressa para comprar ou vender as ações e dessa forma não aceitando pagar elevados spreads. As aproximações para o custo de transação são o giro da carteira e uma estimativa dos custos de execução. Os quintis com maiores caixas anormais mostram tanto menor giro da carteira quanto menor custo de execução, a diferença entre o quintil superior e inferior sendo de 10% para o giro e 0,11% nos custos em relação aos ativos líquidos totais. Esses resultados sugerem que os fundos com mais caixa anormal podem executar as suas políticas de forma mais gradual, sem terem que aceitar pagar elevados preços para negociar mais rapidamente.


Em resumo, os benefícios de se manter um caixa elevado (flexibilidade, melhor controle dos fluxos e dos custos) superam os seus custos (custo de oportunidade) em fundos de investimento em ações. 

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

HFT e Smart Beta

Na edição mais recente do Journal of Portfolio Management, dois editoriais interessantes sobre High-Frequency Trading e Smart Beta.

O primeiro, assinado por John Bogle, defende o HFT embora no final das contas faça pouco caso dele. A base da defesa de Bogle é a de que o aumento na velocidade das transações além de um benefício em si acabou reduzindo os custos para os investidores diminuindo os spreads. Porém, diminui a importância do HFT no que se refere a estratégia de investimentos, afirmando que o investidor não precisa disso para ter sucesso. O HFT não invalida a tese pessoal de Bogle, a de que o investidor deveria seguir uma gestão passiva de baixo custo. Não estou familiarizado com a literatura sobre HFT, mas não sei se os gestores que utilizam essa tecnologia estão ganhando rios de dinheiro como as pessoas pensam e que o investidor pessoa física está sendo prejudicado. Assim como ocorre com hedge funds e outros investimentos sofisticados, me parece que quem não tem acesso a esses produtos não está perdendo nada.

O segundo editorial da revista é sobre o Smart Beta, escrito por Bruce Jacobs e Kenneth Levy. Aliás, essa edição toca nesse tema em vários artigos. Os autores contrastam o Smart Beta, que seria adotar outros índices de referência além daqueles ponderados por valor de mercado, índices que fossem mais inteligentes e que não deem um peso maior para uma ação que ficou mais cara ao subir de preço. Esses índices são referentes aos estilos de investimento já largamente estudados na literatura, como tamanho, valor e momento. O Smart Alpha, na definição dos autores, também envolve esses estilos, mas de uma maneira mais ativa, procurando aqueles que parecem ter uma melhor relação risco-retorno. O artigo inteiro é sobre a diferença entre os dois estilos.

Eu ainda preciso estudar mais sobre Smart Beta, mas me parece que é necessário entender mais sobre as características dos estilos de investimentos que utilizam como índices. Como é alertado no artigo, estratégias de valor ou de tamanho podem levar a uma concentração em ações em dificuldades financeiras ou de baixa liquidez. Claro que o investidor ou gestor pode analisar as ações que aparecem no filtro e eliminar esses casos, mas ai a indexação inteligente (uma boa tradução para Smart Beta) perde o sentido. Nesse sentido, o artigo fornece algumas referências sobre “desembaraçar” o retorno de ações, que posso conferir no futuro. São os que estão abaixo:


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Liquidez como fator de risco

Em um artigo recém-publicado na Financial Analysts Journal, Roger Ibbotson e outros três autores publicaram um artigo a respeito da liquidez de ações.


O principal objetivo do artigo era mostrar que liquidez é um estilo de investimento assim como valor, crescimento, tamanho e momento. Para isso, na definição de William Sharpe, deve ser identificável antes do fato, não facilmente superável, uma alternativa viável e de baixo custo. Ao longo do artigo, os autores vão oferecendo argumentos nesse sentido.

A definição de liquidez dos autores é o giro das ações. Poderia utilizar o bid-ask spread ou outro indicador, mas eles optaram por usar esse critério.

Primeiro, é mostrado o desempenho das ações quando há a divisão por graus de liquidez, de forma parecida com o que se faz com valor, tamanho e momento. Os resultados mostram que as ações menos líquidas geram retornos superiores às ações menos líquidas, o retorno subindo conforme se varia os quartis de liquidez. Indo para a estratégia de investimento, uma carteira que investe em ações menos líquidas ou uma carteira comprada em ações menos líquidas e vendida em mais líquidas gerara alfa positivo e estatisticamente significativo, seja utilizando o CAPM, seja utilizando o modelo de três ou quatro fatores.

Isso demonstra que liquidez cumpre alguns dos requisitos para ser considerado um estilo. Para ser viável e de baixo custo, seria desejável que as classificações fossem estáveis, ou seja, que uma ação considerada pouco líquida continuasse assim por algum tempo. As ações no quartil de menor liquidez permanecem nesse quartil em 77,28% dos casos, ou seja, são relativamente estáveis. Isso indica que a estratégia é identificável antes do fato e relativamente de baixo custo. Interessante que mudar para um quartil superior resulta em retornos maiores nessa transição, o que mostra que a liquidez afeta o valor da empresa.

Com isso, os autores concluem que a liquidez é um estilo de investimentos válido.

Os resultados têm implicações além da gestão de investimentos. Uma frase interessante utilizada pelos autores é que em equilíbrio, o estilo concede uma recompensa para assumir uma característica que o mercado considera indesejável. Baixa liquidez é uma característica que os investidores querem evitar e aceitam pagar por isso. Porém, segundo os autores, isso não quer dizer que as ações mais líquidas são mais arriscadas, e os autores teimosamente insistem em definir risco como dispersão dos retornos. Entendo que “característica que o mercado considera indesejável” seja risco. Ou, em resumo da definição de Anti Illmanen, risco = “retornos ruins em momentos ruins”. Com liquidez, os retornos são piores quanto mais a liquidez é necessária, ou seja, em momentos de crise (situação que não foi analisada no artigo).

Os autores não procuraram estabelecer nenhuma implicação para eficiência de mercado, porém, os resultados poderiam ser interpretados como uma anomalia ao identificar uma estratégia de investimento que supera o mercado. Porém, caímos aqui na velha história da hipótese conjunta entre um modelo de precificação de ativos e eficiência de mercado.

Nesse sentido, os resultados também têm implicação para a precificação de ativos, mostrando que uma nova variável, Liquidez, deveria ser incluído ao modelo de três fatores, que passou para quatro e se isso ocorrer chegamos ao de cinco fatores. Qual é o limite? O que acho é que o valor possui uma série de fatores de risco embutidos. Pelos dados de Ibbotson e companhia, a liquidez possui uma correlação razoável (acima de 50%) com os outros quatro fatores, incluindo quase 60% com o valor. Acredito que o valor inclua prêmios por risco de liquidez e também da alavancagem da empresa. Entendendo porque tamanho pode ser um fator, porque liquidez pode ser um fator, mas não está muito claro porque, economicamente falando, valor e momento deveriam ser. Decompor essas variáveis em fatores com mais significado econômico seria um grande avanço na teoria de precificação de ativos.

Roger G. Ibbotson, Zhiwu Chen, Daniel Y.-J. Kim e Wendy Y. Hu

Financial Analysts Journal. Volume 69. Ed. 3. 2014

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O Mito do Votante Racional

Mito do Votante Racional

Na segunda parte da resenha do livro The Myth of Rational Voter, vou seguir escrevendo sobre o livro a partir do capítulo 4.


A ignorância racional foi abordada na primeira parte da resenha e volta no começo do quarto capítulo. O votante ideal seria plenamente informado, conhecendo as propostas dos candidatos e tendo o conhecimento econômico, político, sociológico, filosófico para saber ponderar qual candidato possui as melhores propostas. O votante real está muitíssimo longe desse ideal. A verdade é que se informar tem custo, não apenas financeiro, mas também em termos de tempo. Para piorar, o seu voto é apenas um em milhões, talvez dezenas de milhões, ou ainda centena de milhões. Ou seja, o valor marginal do voto é próximo de zero. Embora a maioria das pessoas não raciocinem nesses termos, é exatamente assim que pensam. O voto ignorante é uma externalidade negativa, que causa um prejuízo mínimo para o votante na comparação com o custo para tomar uma decisão consciente, mas traz um prejuízo considerável para a sociedade.

Dessa forma, o votante não tem incentivos para investir na aquisição de conhecimentos sobre os candidatos. O que não quer dizer que ele vota aleatoriamente, e sim que carregará para a urna as suas crenças já estabelecidas e o conhecimento, mesmo que superficial, dos candidatos.

Nesse ponto, os votantes têm a tendência de saber de coisas absolutamente irrelevantes e esquecer o que importa. Nos Estados Unidos, poucas pessoas sabem o nome dos dois senadores de seu estado e poucos sabem que são dois senadores em cada estado. No Brasil, são recorrentes a pesquisa sobre a ignorância do eleitorado sobre em quem eles votaram para deputado ou vereador nas últimas eleições. Como Caplan colocou, muita gente sabia do nome do cachorro de George Bush, mas poucos que os dois candidatos em 1992 apoiavam a pena de morte. Entre investir em conhecimento sobre assuntos vitais e assuntos irrelevantes, o eleitorado costuma optar pelo segundo.

O quarto capítulo do livro é basicamente uma análise da teoria da Escolha Pública e como definir os eleitores como ignorantes, ou mesmo racionalmente ignorantes, não ajuda a entender o comportamento do eleitor.

Mais importante é verificar as ideias de Caplan, o que retoma no capítulo 5. O argumento básico é que os eleitores são racionalmente irracionais. Agentes econômicos racionais agiriam de acordo com suas preferências e com os preços. Caplan argumenta que há um terceiro elemento no processo de decisão do eleitor, que são as suas crenças. O eleitor opta por apoiar um candidato não de acordo com o que ele prefere racionalmente, mas com relação ao que acredita ser melhor para a sociedade. Não no sentido religioso, mas guiado pelos vieses apontados anteriormente no livro. Seria diferente, por exemplo, a pessoa optar por mais bem-estar ou mais progresso, desemprego ou inflação, entre outras escolhas guiadas por suas preferências. O eleitor pode optar por políticas que terminam por prejudicar a ele e ao país, mas que satisfazem as suas crenças.

Isso só é possível porque o custo privado de agir assim é baixo, embora o custo social possa ser alto. Em outros campos da vida, agir irracionalmente de acordo com suas crenças ao invés de preferências ou preços pode ter consequências desastrosas para a pessoa. Na política, isso pode ocorrer, mas o custo social é diluído na sociedade e o benefício privado de agir de acordo com suas crenças é maior do que o custo privado. A ignorância racional diz que as pessoas não querem procurar a verdade; a irracionalidade racional diz que as pessoas evitam procurar a verdade. As pessoas pesam o benefício psicológico de abraçar a sua crença contra as perdas materiais que isso pode causar. A racionalidade fica em “stand-by” a espera de ser necessária em assuntos mais delicados onde o custo privado da irracionalidade seja maior.

Dessa forma, as pessoas escolhem quando utilizar a racionalidade, o decisivo sendo o custo privado do erro de não usar a racionalidade. Na política, irracionalmente cedem às suas crenças em um contexto que, na prática, é de pouca importância (no voto), mas agem racionalmente em questões mais cotidianas. Pouca gente leva em conta seus vieses antimercado, antiestrangeiro e a favor de criação de empregos na hora de comprar um iPhone.

Uma explicação adicional é o “benefício expressivo” do voto, onde o eleitor pode expressar seus sentimentos na hora do voto, que vão de nacionalismo até racismo e xenofobia. Os votantes não têm incentivos para serem racionais.

Caplan analisa a hipótese do voto egoísta, que economicamente poderia ser traduzido como “votar com o bolso”. Surpreendentemente, as pesquisas de opinião indicam vários fatos anômalos, com pessoas se mostrando favoráveis a políticas que os prejudicariam em várias questões, do aborto ao seguro desemprego. O argumento de Caplan é que as pessoas não votam de maneira egoísta, mas de maneira altruísta justamente porque o custo é baixo e o benefício psicológico é significativo. Uma pessoa pode votar a favor de um aumento de impostos que a atinja se isso for para o “bem comum”. Isso não ocorre porque o benefício psicológico de agir altruisticamente é maior do que o custo (o aumento de imposto), mas porque esse benefício é maior do que o custo multiplicado pela chance da pessoa decidir a eleição (uma em milhões).

Sobre a questão do “votar com o bolso”, isso não deixa de ser verdadeiro, no entanto, tem mais a ver com outra questão, a culpabilidade do incumbente quando a economia vai mal. O interessante é que esse fator pode acabar por pressionar os políticos a adotarem boas políticas econômicas que irão ter bons resultados econômicos mesmo que contrariando os vieses dos eleitores.

Parênteses para uma análise político-econônica amadora. Após as eleições de 2002 no Brasil, o novo presidente seguiu a politicamente econômica do antecessor não por convicção e não porque foi eleito para isso (do contrário, o sucessor do antigo presidente seria eleito), mas porque sua equipe econômica sabia que isso era o melhor para o país e que renderia (como rendeu) dividendos políticos (segundo mandato e em parte a sucessão). O problema é que, pelo mesmo raciocínio, no segundo mandato adotaria políticas econômicas que dão certo por um tempo, mas que depois têm graves consequências. Isso deu certo na sucessão, mas pode ter o efeito contrário na reeleição. Outra consequência dessa tendência de culpar o incumbente é a busca por inimigos externos ou o cenário externo pelos problemas do país. O pior é que dá certo! Quando um presidente culpa inimigos externos pelo fracasso do país, não adianta argumentar que isso está errado ou que o presidente está louco. Acho que o que resta é lamentar que tanta gente possa realmente acreditar nisso.

Ou seja, há um dilema entre seguir o que o povo quer e depois parecer incompetente e fazer o contrário e depois ser responsabilizado pelo bom momento da economia. Uma consequência é que um congresso desfavorável ao executivo pode forçar políticas populistas ao executivo e força-lo ou a vetar ou a aceitar e posteriormente sofrer suas consequências negativas. As pessoas atribuem ao Poder Executivo a responsabilidade pelo bom ou mau momento da economia, não ao Legislativo.

O capítulo 7 do livro é sobre o lado da oferta. Do que vimos até agora, podemos imaginar que o político não irá buscar o que é melhor para a sociedade, e sim o que ele acredita que as pessoas acreditam que é melhor. Isso pode levar à hipocrisia de defender algo que eles não defenderiam. Mas o pior é que eles não precisam mentir: muitas vezes, acreditam nas mesmas falácias que seu eleitorado. Obviamente que deve tomar cuidado com os resultados de suas políticas, por isso que não é em todo lugar que reina o populismo.

Ou seja, o político precisa misturar populismo ingênuo com realismo cínico, nas palavras de Caplan. Se o líder for carismático ou conseguir usar a seu favor uma situação de comoção nacional (como o 11 de setembro), então ele ganha poderes para utilizar a opinião pública da maneira que quiser. Por outro lado, poderia adotar uma política impopular, mas eficiente, justamente por saber que isso não o afetará a não ser que dê errado.

Outra questão é a da culpabilidade. As pessoas se preocupam com a política e seus resultados e podem ter esperanças irrealistas quanto a ambos simultaneamente. Se a política não der resultado, vai procurar um culpado. O político pode buscar então se eximir da culpa encontrando algum bode expiatório.

Na questão dos “interesses especiais”, os políticos podem favorecer doadores de campanha, mas sempre tomando cuidado para isso não dar muito na cara. No fim, o critério é fazer o que o povo quer em assuntos de interesse da população e atender interesses especiais em assuntos que as pessoas não têm interesse.

No último capítulo, Caplan fala sobre o “fundamentalismo de mercado”, a acusação de que os economistas têm uma fé cega no mercado. O grande problema é que há toda uma literatura sobre falhas de mercado criada pelos próprios economistas, não por teóricos de outras áreas. Há quem se negue a discutir as falhas de mercado, mas esses verdadeiramente fundamentalistas estão longe de ser mainstream e discutem apenas entre si. Porém, Caplan aponta para os “fundamentalistas da democracia”. Um ponto interessante é: quem dissesse que a solução para os problemas do mercado é mais mercado seria chamado de fundamentalista, mas quem diz que a solução dos problemas da democracia é mais democracia não é. O fundamentalismo da democracia é até visto como algo bom e é muitíssimo mais disseminado, popular e influente do que o fundamentalismo de mercado.

No restante do capítulo, Caplan aborda correções possíveis para a democracia baseado no que foi discutido, como aumentar a educação. Mais conhecimento econômico seria desejável, mas difícil de se conseguir na prática, em parte culpa dos próprios economistas.


Em suma, achei um livro interessante, abordando a política do prisma econômico, não apenas no que se refere à política econômica, mas também enquadrando a escolha eleitoral como análises de custo e benefício econômicos.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Página Desempenho de Fundos

Quem notar bem, tem umas abas na parte de cima do blog, abaixo do título. Separei os principais temas abordados no blog e essa página seria uma consolidação de tudo.

Pretendo escrever sobre cada um dos temas e comecei com Desempenho de Fundos. Não acrescenta muito ao que já foi escrito dispersamente, mas unifica tudo em um único texto, seguindo uma linha de raciocínio.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Estilos de investimentos

Em artigo publicado no Journal of Portfolio Management em 1978, William Sharpe explica sobre os estilos de investimentos de uma maneira interessante e bastante técnica.


Basicamente, são quatro estilos de investimentos listados por Sharpe, gestão passiva sendo um deles e a gestão ativa sendo outros três divididos em: temporização (market timing), seleção de ativos ou uma combinação de ambos.

Na gestão passiva, o investidor assume que o consenso de mercado está correto e procura manter uma carteira com ativos livre de risco (títulos públicos de prazo curto, Treasury Bills no contexto americano) e a carteira de mercado de ações. A combinação desses dois ativos depende da atitude em relação ao risco do investidor e também do consenso em relação ao risco e o retorno dos ativos. Ou seja, a gestão passiva estima a Capital Market Line e escolhe uma carteira ao longo dessa linha.
Certo, essa explicação só é simples para quem entende o que é a Capital Market Line. Escrevi sobre o tema em outro texto. Com base na CML, o investidor escolhe a carteira que tangencia uma de suas curvas de indiferença entre risco e retorno, que no caso é o ponto P. Mudanças nos retornos esperados mudam a carteira recomendada para o investidor, então a gestão passiva requer o acompanhamento do consenso do mercado sobre o risco e o retorno.

Já na estratégia de temporização, o investidor discorda do consenso de mercado a respeito do risco e do retorno. Na figura acima, é como se ele acreditasse que a CML deveria ser outra, prevê uma alteração na CML e se antecipa a essa mudança. Na figura abaixo, a CML iria de TM para TM* e a carteira escolhida de P para P*. Trocando em miúdos, o gestor ativo pode alterar a sua composição de carteira se as suas mudanças sobre a perspectiva dos retornos futuros mudar antes que o próprio mercado mude de opinião no mesmo sentido.
Sharpe discute duas maneiras mecânicas de fazer a temporização, a “formula timing” que visa manter constante o valor investido em ações e a estratégia do custo médio. Aponta problemas com essas abordagens seguindo o referencial que vinha utilizando, mas essa parte não é tão importante.

A última estratégia é a mais complicada de explicar e é baseada no CAPM do próprio Sharpe. Na seleção de ativos, o investidor pode até concordar com as condições de mercado como um todo, mas discorda da precificação de ativos individuais. Dessa forma, sua carteira de ativos de risco teria um peso maior de ativos considerados baratos e menor em ativos considerados caros.

Através da análise de ações, o gestor poderia identificar ações que produzem retornos alfa positivos (ou seja, retornos que não se devem ao movimento do mercado, nonmarket return na expressão de Sharpe). Porém, essas ações também possuem risco “nonmarket” e o que determinaria a atratividade dessa “aposta” é o retorno por unidade de risco dessa aposta.

A figura abaixo mostra essa situação em termos de Securities Market Line:

A linha 1 é aquela obtida sem “apostas”, ou seja a CML. Na linha 2, o gestor adicionou um conjunto de apostas e aumentou o coeficiente angular (ou seja, o Índice de Sharpe) da sua Securities Market Line (SML), que é uma CML que não considera a carteira de mercado. Na ausência de habilidade de seleção de ativos, a CML deveria ser a melhor carteira disponível e nenhuma poderia oferecer uma recompensa por unidade de variância maior do que ela. Aumentando a aposta (linha 4, por exemplo), a nova SML fica abaixo da CML, ou seja, essa aposta piorou a carteira.

Então, seria desejável determinar qual é a quantia ideal de aposta. Isso vai depender da relação entre o risco e o retorno da aposta. Sharpe modela essa questão através da seguinte equação:

A fórmula parece difícil de entender, mas é possível explicar melhor. w é a proporção investida na aposta. βa é o beta da aposta e w βa é o componente de mercado da aposta e 1+ βa seria a quantidade investida sob risco de mercado. Então, o lado esquerdo da equação mostra a proporção investida na aposta em relação ao investimento sob risco de mercado. Do lado direito, o numerador é o retorno da aposta por unidade de variância da aposta dividido pelo prêmio por risco (Retorno de Mercado – Taxa Livre de Risco) por unidade de variância do mercado.

Pela fórmula, é fácil perceber que quanto maior a recompensa por unidade de risco da aposta, maior deveria ser a sua proporção da aposta na carteira.

É possível combinar temporização com seleção de ativos e, na verdade, acredito que alguém que adote a seleção de ativos inevitavelmente utiliza a temporização. Ou seja, o investidor discorda do consenso de mercado em relação ao risco e ao retorno e ainda procura ativos mal avaliados que possam lhe fornecer alfa.

Traduzindo e resumindo tudo o que foi discutido, a temporização pode adicionar alfa à carteira através do desvio do consenso de mercado quanto ao risco e o retorno do mercado como um todo. A seleção de ativos pode gerar alfa selecionando ativos que gerem uma relação risco retorno superior ao mercado.

William Sharpe

Journal of Portfolio Mangament. 1978. Volume 4. Número 2.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Importância econômica da literacia financeira

Fonte da imagem: Investment Juan

Artigos de Annamaria Lusardi já apareceram anteriormente no blog. Ela volta ao tema em artigo publicado no Journal of Economic Perspective em 2014 em co-autoria de Olivia Mitchell.


Literacia financeira é definida como a capacidade das pessoas processarem informações econômicas e tomar decisões informadas sobre planejamento financeiro, acumulação de patrimônio, dívidas e pensões. Conhecimento financeiro pode ser entendido como um capital humano e o objetivo do artigo é revisar a literatura em busca de determinar os retornos auferidos com esse conhecimento.

Os estudos recentes sobre literacia financeira suprem duas lacunas. Primeiro, há muitas teorias sobre investimentos e planejamento de aposentadoria que supõem que as pessoas conseguem se planejar e executar esse planejamento, o que sabemos que não é verdade. Além disso, muito já se escreveu sobre a economia da educação, mas o conhecimento financeiro necessário para a aquisição de produtos financeiros só agora começou a ser mais estudado. 

O problema era unificar em um modelo teórico manejável a questão da aquisição de conhecimento financeiro. As duas autoras do artigo mais Pierre-Carl Michaud escreveram um artigo onde procuravam modelar essa questão. A pessoa pode utilizar uma “tecnologia” simples (sem conhecimento financeiro) recebendo uma baixa taxa de retorno ou investir em conhecimento pagando custos diretos e indiretos (tempo). Essa pessoa recebe rendas no mercado de trabalho e está sujeita a riscos vindos do mercado de trabalho, da longevidade e do custo da medicina. Usando a tecnologia mais avançada (com conhecimento financeiro) pode receber rendas maiores, mas está sujeita a mais risco. A cada período, a pessoa toma uma decisão sobre quanto consumir e quanto investir, podendo inclusive investir em conhecimento financeiro.

O modelo tem algumas implicações. Uma delas é que as pessoas decidirão quanto investir em conhecimento financeiro em função do custo de aquisição desse conhecimento. Pode parecer trivial, mas não basta tocar no assunto, é necessário reduzir o custo financeiro e psíquico, facilitando a abordagem do assunto. Implicações mais complexas incluem a previsão de que o conhecimento financeiro pode ser uma das fontes da desigualdade.

Mais interessante do que as previsões teóricas do modelo são as evidências empíricas. Antes de chegar nessa parte, o artigo mostra como a literacia é medida. Já expliquei isso alhures e não vou me repetir aqui. Nesse mesmo texto, também falei sobre o estado do conhecimento da população em diversos países a respeito da literacia financeira, com resultados bem pobres, a maioria das pessoas desconhecendo conceitos financeiros básicos. Os resultados ocorrem em todas as faixas etárias e nos diversos países examinados em diversos estudos. O pior de tudo é que, quando perguntados sobre o nível de conhecimento que as pessoas achavam que tinham, boa parte acreditava que conhecia sobre o assunto. Ou seja, o nível de literacia é baixo, mas a maioria das pessoas não se dá conta disso.

Pessoas mais velhas possuem um nível menor de literacia financeira, mas são os que mais acreditam que possuem os conhecimentos necessários. Mulheres possuem menor nível de literacia, mas também são mais conscientes dessa deficiência. Esse resultado é bem generalizado, afetando mulheres casadas e solteiras, com alta ou baixa instrução. As autoras levantam a hipótese de que as mulheres aprendem sobre Finanças de uma maneira diferente dos homens, mas o fato é que ainda não há uma conclusão sobre porque as mulheres têm um nível inferior de literacia financeira.

Grau de escolaridade está positivamente relacionado com literacia e algumas habilidades como a numeracia também estão relacionados com literacia, mas habilidades cognitivas por si só não explicam a variação do nível de literacia entre as pessoas.

O nível de conhecimento financeiro dos pais e o fato deles investirem em ações influenciam o nível de literacia dos filhos. Pessoas vivendo nas cidades possuem maior conhecimento financeiro do que os que moram no campo. Ou seja, família e comunidade também são fatores que influenciam o conhecimento financeiro das pessoas.

Desconhecimento sobre conceitos básicos de Finanças é bem disseminado, mas está concentrado em alguns grupos demográficos (pobres, mulheres, idosos, principalmente). E esse é um tema importante porque traz consequências econômicas. Com base em evidências mais robustas (não meras correlações), sabemos que a literacia financeira está positivamente relacionada com o investimento em ações e com a poupança por motivos de precaução, além do planejamento da aposentadoria. Pessoas com menos conhecimento financeiros estão mais sujeitas a contratarem hipotecas mais caras, a se endividarem mais (e a custos maiores), usarem errado o cartão de crédito e poupar menos. Em todos esses casos, o conhecimento financeiro possui um papel importante distinto da educação geral.

A ignorância financeira tem custos. Como pessoas com baixa literacia financeira investem menos, principalmente em ações, isso leva ao aumento na desigualdade. Mesmo que invistam, essas pessoas ignoram os custos das aplicações, acabando por pagar elevadas taxas de administração. Literacia financeira é importante também na aposentadoria, pessoas com mais conhecimento financeiro não apenas se planejando melhor, mas também investindo em produtos com menores custos.

A respeito de programas de educação financeira, as autoras fazem mais alertas do que revisão das evidências. Primeiro, programas curtos ou breves exposições a aulas sobre conceitos financeiros podem não ser o suficiente para mudar o comportamento financeiro das pessoas. Segundo que o ideal seria ter diferentes programas de educação financeira, uma solução única sendo ineficaz para se comunicar com públicos diferentes com necessidades financeiras diferentes. Por isso, iniciativas de educação financeira segregadas para jovens, mulheres, idosos e trabalhadores podem ser o melhor caminho, não apenas pelo estilo de comunicação, mas também por enfoques diferentes. No fim das contas, ainda não se pode afirmar muito sobre o real impacto dos programas de educação financeira no comportamento dos alunos.

Resumindo, a pesquisa empírica sobre o tema mostrou o baixo nível do conhecimento financeiro em diversos países e que a literacia financeira influencia de forma positiva a vida das pessoas em diversos aspectos econômicos. Porém, não está tão claro como aumentar o conhecimento econômico, uma vez que as pesquisas sobre o assunto não são conclusivas e faltam chegar no ponto da relação custo-benefício. Como um campo de estudos, há ainda muito a ser estudado. No Brasil, desconheço uma pesquisa abrangente sobre a literacia financeira.

Annamaria Lusardi e Olivia Mitchell.

Journal of Economic Literature. Volume 52. Ed. 1. 2014

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Vieses Eleitorais


Nesse texto, começarei a resenha do livro The Myth of Rational Voter, de Bryan Caplan.

Nas palavras de Winston Churchill, a democracia é o pior regime, depois de todos os outros. O que está por trás dessa frase é que a democracia tem as suas falhas, mas qualquer outra alternativa testada se mostrou pior, como o autor de modo algum nega, apenas pondera as falhas da democracia. O debate não é se a democracia é melhor do que tirania. Essa questão já está resolvida e o que nos resta é melhorar a democracia. De forma parecida, dispensar críticas ao capitalismo dizendo que é melhor do que o socialismo é simplista e pode fechar espaço para melhorias.

O livro The Myth of Rational Voter expõe algumas das falhas da democracia no que se refere à política econômica. O argumento básico é que a maioria das pessoas defendem políticas econômicas insensatas e que terminam justamente por prejudica-los. O motivo para esse comportamento, segundo o autor, é que os votantes agem de forma irracional. A democracia é falha, segundo o autor, porque os políticos fazem o que os votantes querem; o problema é o que a população quer.

O primeiro capítulo começa com o milagre da agregação, que diz que votantes racionalmente ignorantes (não se informam sobre política pois sabem que seu voto vale pouco) agem de forma aleatória, mas que mesmo que apenas 1% dos votantes fossem esclarecidos eles é que decidiram o resultado da eleição. Porém, os votantes não agem de maneira aleatória e geram erros sistemáticos. O restante do livro é justamente julgar os erros sistemáticos no campo da economia. Os vieses sistemáticos apontados por Caplan são: o eleitorado é antimercado, “antiestrangeiro”, pró geração de emprego e pessimistas.

Esses vieses são frutos do desconhecimento sobre Economia e em crenças enraizadas nas pessoas e geram políticas que prejudicam quem deveriam beneficiar (os votantes). A racionalidade irracional é que as pessoas valorizam tanto os ganhos das políticas que obtém quanto a lealdade para com as suas ideologias. O preço de satisfazer os seus preconceitos e crenças políticas é economicamente zero, então vale a pena votar de acordo com eles. Votar errado é uma externalidade negativa que a maioria das pessoas simplesmente ignora.

A chave para vencer uma eleição é demagogia, definida como o uso de preconceitos e falsas afirmações para obter ganho de poder. O político demagogo sequer precisa ser falso, basta compartilhar os mesmos preconceitos de seu eleitorado. Em alguns pontos onde as pessoas possuem fortes opiniões (no Brasil, pense no aborto) de forma que um posicionamento favorável ou contra causa grande aversão no eleitorado sem igualmente forte aprovação, o político tende a tomar o posicionamento menos arriscado. Em áreas “chatas” como regulação bancária, o eleitorado simplesmente ignora e esse espaço pode ser capturado por grupos com “interesses especiais” nessa questão que atuam na “margem da indiferença” do eleitorado.

Vieses
O autor aponta quatro vieses do eleitorado, já mencionados anteriormente. O primeiro é o viés antimercado, a subestimação dos efeitos positivos do mecanismo de mercado. Esse viés se manifesta no apoio a mecanismos de controle de preços, a condenação do lucro e o desprezo por juros e bancos. Cada um desses pontos merece um texto próprio, mas basicamente o controle de preços causa escassez, lucros são incentivos para aumentar a eficiência econômica e assim melhoram as condições de vida de todos e juros são uma justa compensação pelo tempo que um agente econômico fica sem o dinheiro emprestado. As pessoas condenam a ganância de empresários e banqueiros sem entender muito bem como a economia funciona.

O segundo é o viés antiestrangeiro de subestimar o valor da interação com estrangeiros. Isso vale tanto para o comércio exterior quanto para a imigração e o argumento para os dois casos é o mesmo: vantagem comparativa e valor da especialização. Um argumento interessante utilizado, citando Steven Landsburg, é: há duas maneiras de fazer carros, uma em Detroit e outra em Iowa. Em Detroit você faz o carro. Alternativamente, em Iowa você planta trigo, faz uma troca com os japoneses e consegue um Toyota.

O viés de criação de trabalho é a tendência de subestimar a conservação de trabalho. Um exemplo é a dispensa de soldados em grande número, que terão que ser incorporados ao mercado de trabalho. Bastiat em seu Aquilo que se vê e aquilo que não se vê aborda isso em um de seus capítulos. Outro ponto interessante é que o progresso não ocorre quando as pessoas têm trabalho, e sim quando fazem trabalho. Se esse trabalho não é produtivo (soldado ocioso, por exemplo), então não cria riqueza. O ludismo é outro exemplo desse viés. As tecnologias destroem empregos em um lugar, mas criam mais em outro. Computador destruiu alguns trabalhos por ser mais eficiente, mas criou outros no desenvolvimento de tecnologia da informação. Na agricultura, em 1800 era necessário que 95% dos americanos trabalhassem para fazer comida. Em 1900, era 40% e hoje 3%. Vários empregos foram destruídos, e outros criados por toda a economia. O mesmo ocorre quando uma empresa reduz o seu quadro de empregados. É chato dizer que fechar vagas de trabalho é bom, mas a verdade é que novas vagas serão criadas no futuro.

O último viés é o pessimismo, a tendência de superestimar os problemas econômicos e subestimar o desempenho da economia olhando para o passado, presente e futuro. As pessoas costumam exagerar no pessimismo de forma geral e glorificam o passado. Porém, vivemos (nós, humanos) hoje muitíssimo melhor do que há cinquenta, cem anos atrás. Aliado à falsa nostalgia, as pessoas parecem ter a tendência a acreditar em previsões catastróficas, como um certo relatório que chegou a aparecer em meus AdSenses algum pouco tempo atrás. Além desse caso, temos degradação do meio ambiente, fim do mundo, mundo dominado por máquinas, Malthusianismo etc.

O capítulo 3 do livro procura examinar se realmente há um viés na prática, se economistas pensam em algo e o público geral pensa outra coisa. Caplan cita pesquisas nas quais os respondentes defendiam tarifas de importação e discordavam que a redução ou eliminação nas tarifas aumentaria o bem-estar geral. A maioria das pessoas defendem controle de preços. Mas uma das principais referências utilizadas é da Survey of Americans and Economists on the Economy (SAEE), realizada através de pesquisa com 1510 pessoas e 250 economistas.

Economistas também podem sofrer de vieses de algumas fontes, como o benefício próprio (economistas defendem o que os favorecem) e a ideologia (economistas defendem aquilo que eles ideologicamente preferem). É possível verificar se isso é válido examinando as diferenças entre o público, economistas e a “crença esclarecida”. O “público esclarecido” é uma estimativa estatística que procura determinar quais seriam as respostas caso uma pessoa tivesse as mesmas características do público geral, mas que fosse economista. Basicamente, os resultados mostram que a “crença esclarecida” está mais próxima dos economistas do que do público geral, o que indica que os economistas não sofrem dos vieses apontados. Ou seja, os economistas pensam de forma mais parecida com o público geral na suposição de que eles tivessem mais conhecimento econômico. Se o público geral e o “esclarecido” pensassem igual, seriam os economistas que estavam enviesados.

Não vou detalhar todos os resultados da SAEE, mas em geral eles mostram que o público sofre dos vieses apontados e que os economistas discordam do público na maioria das questões. Inclusive, possuem opiniões diferente do esperado pela maioria das pessoas, como não se importar muito com o déficit e não achar os impostos altos.


Nos três primeiros capítulos, Caplan procurou mostrar como os economistas e o público em geral pensam de maneira diferente, apontando os vieses sistemáticos do eleitorado que afetam o seu julgamento das questões econômicas.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Tabela Periódica de Retornos de Investimentos Callan

Tabela Periódica de Retornos de Investimentos Callan

Uma forma de mostrar o retorno de diversas classes de ativos ao longo do tempo e ressaltar o valor da diversificação é a chamada Tabela Periódica de Retornos de Investimento.

A primeira empresa a expor os retornos de classes de ativos dessa maneira foi a Callan Associates em 1999. Você pode consultar o site da empresa para verificar como é a tabela de retornos dela, a imagem acima é meramente ilustrativa. Nas colunas, são mostrados os anos e nas linhas os retornos das classes de ativos classificados por retornos. Em cada ano, a primeira linha é ocupada pela classe de maior retorno e a última a de menor. Cada classe tem uma cor, o que torna a tabela bem visual e fácil de consultar. Na tabela da Callan, a classe de ativos que mais frequentemente ocupou a primeira posição foi a laranja, que são mercados emergentes. Porém, essa classe de ativos também frequentou a última posição em diversos anos, mostrando o risco desse investimento.


Essa é uma maneira bastante interessante de mostrar os retornos tanto entre classes de ativos quanto ao longo do tempo (é uma série temporal e ao mesmo tempo uma série cross-sectional). Essa ideia foi e é bastante copiada, inclusive no Brasil. Uma versão interessante é a da Novel Investor, com uma tabela interativa que permite ressaltar uma classe específica e verificar seu comportamento ao longo do tempo.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Cobrança diferenciada para cartões de crédito


Uma reportagem do Estadão trouxe novamente o tema da cobrança diferenciada para pagamento no cartão de crédito.

Eu já escrevi sobre o tema em 2011 e não tenho o que acrescentar. A reportagem é interessante e traz argumentos favoráveis e contrários. Volto a recomendar o texto do Brasil, Economia e Governo sobre o tema e mais dois artigos citados na reportagem. Ainda não li, mas parecem ser interessantes:

Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos Adendo Estatístico 2010: Desse relatório, saiu a estatística de que há uma transferência de renda dos não-usuários de cartão de crédito para os usuários, ainda maior para os clientes de alta renda.

Price Differenciation and Menu Costs in Credit Card Payment: E essa é a tese de doutorada mencionada.


Fonte da imagem: Freefoto

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Fundos de dividendos e títulos de renda fixa

O que querem os investidores

Nesse texto, vou abordar dois assuntos (os que estão no título) que não tem muito a ver exceto pelo fato de que tirei a inspiração de um mesmo livro, What theinvestors really want de Meir Statman, que ainda terá uma resenha aqui.

Fundos de dividendos
No sétimo capítulo, sobre o dilema entre poupar para o amanhã e gastar para o hoje, Statman faz uma colocação que depois parece óbvia, mas que achei interessante. Na fase de acumulação, nós temos que procurar transformar renda em capital; já na fase de desinvestimento, o desafio é transformar capital em renda.

É justamente isso que os fundos que pagam dividendos direto para o cotista podem fazer. Particularmente, nunca me interessei por títulos de renda fixa que pagam cupom. Ações que pagam dividendo geram a necessidade de reinvesti-los para manter o mesmo capital investido e, como o próprio Statman coloca, há a tentação de gastar o dividendo de outra maneira (idem para cupom). No caso dos fundos de dividendos diretos, a vantagem tributária é um fator importante. Se não houvesse isso, seria pior para o cotista receber os dividendos, da mesma forma que acontece com o CDB que paga juros mensais.

Não sei se há um mecanismo de reinvestimento automático dos dividendos nos fundos de dividendos diretos. Se há, seria interessante. Na fase de acumulação, o investidor recebe o dividendo, mas ele logo é reaplicado na compra de cotas, ganhando a vantagem tributária sem ter nenhuma perda (nem que seja ficar um dia sem estar investido no fundo). O investidor poderia manter esse fundo e, na fase de desinvestimento, utilizar os dividendos para transformar capital em renda. O mesmo se aplica para títulos que pagam cupom, mas aqui temos uma desvantagem tributária, que pode ser compensada pelo fato de você não precisar vender o título para transformar em renda e estar sujeito às taxas de mercado.

Ou seja, reinvestir os fluxos de caixa provenientes dos investimentos, como já expliquei antes, nada mais é do que manter o investimento, não aumenta-lo. Na fase de desinvestimento, o investidor já não quer mais manter, quer reduzir e precisa encontrar maneiras eficientes de fazer isso. Dividendos de ações ou do fundo, cupom e vencimento de títulos são boas maneiras de desinvestir.

Títulos de Renda Fixa
No capítulo dez, sobre aversão a perdas, o autor compara títulos longos de renda fixa com redes de segurança com trampolim. No contexto do capítulo, Statman coloca que o investidor pode realizar lucros se houver ganhos de capital (que é o pulo no trampolim), mas que se cair o investidor pode ficar tranquilo que receberá em algum momento o valor nominal, que será superior ao valor investido.

Como ocorreu um pouco com o tópico anterior, achei interessante, mas pensei eu outra coisa. Títulos longos de renda fixa servem como uma rede de segurança sim, pelo motivo exposto por Statman, porque valerão um valor fixo no vencimento. O preço cair não deveria ser um problema uma vez que o investidor entende isso. Mas quando sobe, é porque as taxas de juros estão caindo. Em mercados desenvolvidos, isso pode ocorrer durante uma crise, quando as taxas dos títulos caem drasticamente por conta da pressão de compra dos investidores e expectativa de queda nas taxas de juros do Fed. Ou seja, no pior momento, esses títulos ainda produzem ganhos, que ajudam a compensar a queda na bolsa.

Statman parece que separou as duas imagens (rede de segurança e trampolim), mas pensei nas duas ao mesmo tempo: o investidor cai (em crise, perde dinheiro), mas tem um impulso para cima, por mais modesto que seja, ao bater na rede de segurança.


Foram esses os dois pontos que pensei a respeito do livro e quis escrever um texto em separado para eles. No futuro, uma resenha do livro inteiro.