segunda-feira, 31 de março de 2014

A Aritmética do “Tudo incluso”

Um artigo já comentado aqui sobre a Aritmética da Gestão Ativa de William Sharpe concluía que por definição a gestão passiva possui um rendimento médio superior à gestão ativa com um argumento bem simples e preciso. Nesse texto, comentário sobre três artigos da Financial Analysts Journal a respeito dos custos envolvidos em fundos de investimento.


O primeiro é um editorial da revista escrito por Charles Ellis, publicado na edição de 2012 (maio/junho). Ellis analisa a opinião geral de que os custos são baixos. De fato, observando-se a forma como é expressa, uma modesta porcentagem de 1% ao ano ou até menos, pode parecer baixa. Porém, é necessário observar que essa porcentagem incide sobre todo o principal, não sobre o lucro. Calculando a taxa de administração sobre o lucro, e não sobre o ativo, pode fazer com que esse custo pareça maior, como de fato é. Em uma conta simples (e imprecisa), se o retorno é de 10% e a taxa de administração é de 1%, o investidor pagou 10% de seu lucro em taxa de administração, o que já não parece mais tão baixo. Para fundos de gestão ativa, com taxas de administração maiores, seria necessário calcular a taxa como um acréscimo em relação a fundos de gestão passiva (que, segundo Ellis, podem chegar a cobrar taxas de 0,20% para investidores pessoa física, o que nem fundos DI cobram do público geral no Brasil). Nessa perspectiva, Ellis estima que os custos incrementais podem representar até 50% dos ganhos incrementais. Pior, ganhos acima do mercado são raros. Agora o custo dos fundos definitivamente não parecem baixos.

Partindo desse editorial, Sharpe escreveu o artigo “The Arithmetic of Investment Expenses”, uma espécie de extensão de seu artigo clássico procurando calcular de maneira mais exata os seus argumentos. Mais especificamente, calcula a diferença do patrimônio final entre fundos com custos menores e maiores (TWR). Considerando que o retorno bruto dos dois fundos seja o mesmo, essa razão depende da diferença entre os custos e o horizonte de tempo. Comparando um investimento único em um fundo de ações com taxa de 0,06% (um fundo da Vanguard) e outro de 1,12% (que é a taxa média), em 10 anos essa razão é de 1,1125, ou seja, o investidor de baixo custo obteve 11,25% a mais do que o de alto custo. Em 30 anos, a diferença é de 38%. Note que esse cálculo independente de estarmos utilizando retornos reais ou nominais e independe da inflação.

O cálculo muda se formos considerar vários aportes ao invés de um único no começo do período e agora o ideal é utilizar fluxos de caixa e taxas de retorno reais. Nessa situação, quanto maior a taxa de retorno, maior será a TWR, porque quanto maior a taxa de retorno, maior a contribuição dos primeiros aportes com menores taxas de despesas. Comparando o investimento único com múltiplos aportes, o TWR será menor para o segundo caso, tudo o mais constante. Para 30 anos e as mesmas taxas, a TWR varia de 1,175 e 1,26 dependendo do retorno real.

Para adicionar realismo, o autor realiza simulações de Monte Carlo baseada em parâmetros históricos. O retorno do fundo de maior taxa é igual ao retorno do fundo de menor taxa mais um erro com valor médio igual a zero e um desvio-padrão que depende do grau de risco do fundo (para fins de simulação, serão utilizados vários valores para o desvio-padrão). Para um investimento único, o TWR será maior do que 1 em 99% dos casos com desvio-padrão de 0,025 para o erro e em 90% para desvio de 0,05. Em todos os casos, a chance do TWR ser superior a 1,38 é de 50%. Os resultados são semelhantes para o caso de múltiplos investimentos.

John Bogle, autor de A Dose Certa, recria o argumento incluindo agora todos os fatores que afetam a rentabilidade do fundo além dos custos. Considerando esses fatores, os resultados do artigo de Sharpe subestimam o impacto dos custos totais. Essas outras despesas incluem a corretagem paga pelos fundos, taxas de carregamento, custo de oportunidade de investimento em caixa e impostos. Ou seja, giro da carteira, posições em caixa e impostos podem impor ainda mais penalidades para o investidor além da taxa de administração.

Essas questões não foram muito analisadas anteriormente e não é à toa, devido à dificuldade em estimar esses fatores com precisão. Reconhecendo a imprecisão, Bogle faz as suas estimativas, tentando ser o mais conservador possível. Para fundos ativos, os custos de transação foram estimados em 50 pontos-base e para fundos indexados zero. Para a parcela deixada em caixa, usando a estimativa de 5% de caixa e prêmio de risco de 6%, Bogle estimou o custo em 30 pontos-base para fundos ativos, cortando pela metade para levar em conta possíveis posições em futuros que possam ser utilizadas para aplicar esse caixa. Para taxa de carregamento, o autor estimou um custo médio de 50 pontos-base para fundos ativos.

Colocando tudo junto, o fundo de 1,12% de taxa de administração passa a ter 2,27% de custos totais, contra 0,06% de um fundo indexado. No primeiro caso, os custos consomem um terço dos retornos, enquanto no segundo apenas 1%. Isso significa que em 30 anos, usando os mesmos dados de Sharpe, a diferença entre os dois fundos será de 44% e de 65% em 40 anos. Considerando os impostos, fundos ativos mais caros sendo mais tributados do que fundos passivos baratos, essa diferença pode chegar a 175%. Considerando a inflação, a diferença do valor terminal é de 177%. Se o viés de sobrevivência dos dados relativos a retornos forem considerados, esse cenário fica ainda pior.


Esses resultados são impressionantes e, apesar de talvez serem imprecisos, mostra uma realidade: os custos dos investimentos importam, e muito. Infelizmente, muita gente não dá a mínima para isso. O conselho que eu daria é o de escolher os tipos de investimento mais adequado para o perfil do investidor (mistura de renda fixa e renda variável, com ou sem liquidez etc.) e olhar de perto os custos.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Capitalismo de Compadrio na The Economist

Capitalismo de Compadrio

Na edição da semana passada, a reportagem de capa da revista The Economist foi sobre o crony capitalism, capitalismo de compadrio em português. Basicamente, consiste em extrair renda (rent-seek) através de conexões políticas, o que pode ou não envolver corrupção. Como destaque da edição, esse tema teve várias reportagens especiais.


A primeira tratava dos problemas que vários países estão enfrentando com corrupção, como Ucrânia, Turquia e China, enquanto uma reportagem inteira foi dedicada à Índia. Em mercados emergentes, o capitalismo de compadrio é bastante forte, mas há indícios de que isso está mudando, com o escrutínio sobre os governantes aumentando, a parcela de setores conhecidos por serem afeitos ao compadrio (commodities e infraestrutura) diminuindo e o crescimento menor podendo obrigar os governantes a fazer reformas, inclusive nas leis antitruste.

A principal reportagem, e a mais interessante, é sobre o índice de capitalismo de compadrio. O índice é calculado utilizando a porcentagem do patrimônio dos bilionários em setores considerados mais propensos ao compadrio como uma porcentagem do PIB. O país mais “compadrista” é Hong Kong e o segundo a Rússia. Brasil aparece apenas em 13º, o que não é uma posição muito ruim. Talvez a posição do Brasil estivesse pior se o ranking fosse feito há uns três, quatro anos atrás, quando um Xerto bilionário fervoroso adepto e defensor do capitalismo de compadrio estava em alta.

Esse índice não é perfeito. Ignora pessoas que escondem a sua riqueza, como muitos dos chineses mais abastados. A caracterização dos setores “compadristas” pode ser frágil e ainda é possível apropriar renda em outros setores através de conexões políticas. Ao considerar apenas bilionários, ignora os multimilionários que enriqueceram graças às suas conexões políticas, mas não chegaram na marca do bilhão.


Esse é um assunto importante tanto do ponto de vista do crescimento quanto do desenvolvimento/distribuição de renda. Para os defensores do livre mercado, é importante atacar o capitalismo de compadrio para que isso não se confunda com a verdadeira livre iniciativa. Um excelente livro brasileiro sobre o tema é o Capitalismo de Laços, resenhado aqui.

Atualização
A propósito de rent-seeking, o blog Brasil, Economia e Governo tem um ótimo texto sobre o assunto.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Custo da Inércia

Uma reportagem do dia 19/03 publicada no Valor Econômico tratou do custo da inércia e trouxe alguns dados interessantes e até assustadores coletados pelo site Comparação de Fundos. Tem alguns fundos DI e Renda Fixa que geram mais taxa de administração para os bancos do que rendimento para os cotistas. Essa é uma situação bizarra, eu diria, já que esses são fundos bem simples e alguns grandes bancos cobram taxas de 4, 5%, enquanto em algumas gestoras independentes essa taxa pode facilmente ser de 0,5% ou até menos.


Algumas justificativas para utilizar esses fundos são os resgates automáticos e a participação de premiações. Nenhum dos dois faz sentido. Resgates automáticos são desnecessários se a pessoa tem disciplina para não deixar a conta negativa e é possível encontrar mesmo nos grandes bancos fundos mais em conta sem essa característica. Quanto às premiações, além do inevitável retorno esperado negativo de sorteios, a pessoa estaria melhor apostando em jogos de azar de uma maneira separada das suas aplicações financeiras e isso sairia muito mais barato.


Essa reportagem só lembra a importância de se atentar aos custos envolvidos em investimento em fundos, que podem fazer uma grande diferença, principalmente em fundos de renda fixa, embora os impostos sejam o fator que mais afetam a rentabilidade dos fundos. Procurar gestores independentes pode resultar não só em produtos melhores, mas também mais baratos. Deixar a liquidez no banco em um fundo DI ou Renda Fixa é uma boa ideia, melhor do que deixar na conta corrente, mas pagar 4% de taxa de administração é simplesmente absurdo.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Preferência Intertemporal

Shane Frederick, George Loewenstein e Ted O’Donoughe
Journal of Economic Literature. Volume XL. 2002.

Preferência intertemporal se refere à predileção por consumo presente em detrimento de consumo futuro e é um tema essencial em Finanças. O artigo Time Discounting and Time Preference: A Critical Review é uma revisão da literatura sobre o tema que é muito mais complexo do que se pensa (ou que eu pensava).


História
O primeiro a chamar a atenção ao assunto foi Adam Smith, que considerava importante a escolha intertemporal para o desenvolvimento da nação. Depois, o economista escocês John Rae examinaria as raízes sociológicas e psicológicas dessa variável. Rae via dois motivos para as pessoas economizar, que era o desejo de deixar um legado e o desejo de se auto restringir, dois fatores que agem na direção contrária sendo o limite da vida humana e a excitação do consumo presente. William e Hebert Jevons diriam que apenas importa a utilidade imediata e que a postergação do consumo ocorre porque gera utilidade antecipada. N.W. Senior diria que presente e futuro são equivalentes, mas que há a preferência por consumo presente pelo sofrimento da autonegação necessária para atrasar a gratificação. Eugene von Böhm-Bawerk adicionaria que as pessoas dão maior preferência para consumo presente pois sistematicamente subestimam os seus desejos futuros. Irving Fischer formalizaria a ideia primeiro proposta por Böhm-Bawerk de escolha em dois períodos de tempo e diria que a escolha intertemporal depende a taxa marginal de preferência temporal. Além dos motivos já citados, Fischer acrescentaria que a poupança vem da capacidade de estimar os desejos futuros (contrariamente ao déficit de Böhm-Bawerk) e ”moda”, o desejo de garantir o status que a riqueza traz.

Modelo de Desconto de Utilidade
Por fim, Paul Samuelson formalizaria a escolha intertemporal no Modelo de Desconto de Utilidade (DU) estendendo as ideias de Fischer. A vantagem do DU foi a sua extrema simplicidade, que nada mais é do que uma operação de desconto a valor presente utilizando não uma taxa de juros, mas uma taxa de desconto intertemporal (ρ), que condensaria todas as escolhas entre valores em dois tempos distintos. O próprio Samuelson tinha as suas reservas quanto ao modelo, mas ele logo recebeu boa aceitação e só depois viriam maiores testes empíricos com respeito à sua validade.

O Modelo DU possui uma série de características. A primeira é a integração, sendo assumido que a pessoa avalia novas alternativas integrando-as com as já existentes. A segunda é a independência da utilidade, o que importando sendo a soma do valor descontado ao longo do tempo, não importa o padrão que os fluxos ocorram ao longo do tempo. A independência do consumo estabelece que a utilidade do consumo em um período independe do consumo passado ou do consumo futuro. Por exemplo, uma pessoa ter ido a um restaurante italiano em um dia não afeta a utilidade de ir a um restaurante italiano no dia seguinte, nem a expectativa de ir amanhã afeta a decisão presente, o que, como veremos, não é realista, mas é o que o Modelo DU diz indiretamente.

O DU também considera que as preferências se mantêm constantes ao longo do tempo, o que também não é muito realista. Outra premissa é a de que as pessoas descontam todas as formas de consumo da mesma maneira, o que é uma ideia-chave, já que, de outra forma, não teríamos um único fator, e sim vários fatores (taxa de desconto intertemporal de bananas, taxa de desconto intertemporal de maças etc.). Também como consequência da taxa única, a pessoa deve preferir as mesmas coisas em períodos de tempo iguais, adiantando ou atrasando dois resultados da mesma maneira não devendo afetar o resultado, de forma que a taxa de desconto é consistente no tempo. O modelo ainda assume utilidade marginal decrescente e taxa positiva. Uma boa justificativa para a taxa positiva de desconto na formulação de Derek Parfit é que menos do que somos agora vai sobreviver ao futuro e por isso que nos importamos menos com o futuro, muito embora, empiricamente, não haja relação entre desconto monetário e estabilidade de personalidade no único teste feito a esse respeito.

“Anomalias” do DU
O modelo DU foi testado empiricamente em suas diversas implicações, com resultados anômalos sendo encontrados universalmente de forma que os autores questionam se são mesmo anômalos ou o modelo é que não é uma boa representação da realidade.

A “anomalia” mais bem estudada é o desconto hiperbólico, que indica que as pessoas descontam muito mais fortemente resultados próximos do que distantes. Ou seja, para diferentes alternativas, as mais próximas no tempo recebem maior taxa de desconto do que as mais longínquas, resultando no inesperado resultado de uma preferência intertemporal declinante com o tempo. Além do mais, essas preferências não são constantes, de forma que alguém pode preferir R$ 110 daqui a 31 dias a R$ 100 daqui a 30 dias, mas não R$ 110 amanhã a R$ 100 hoje. Há ainda o desconto subaditivo, quando a taxa de desconto de um período completo é menor do que a composição das taxas de desconto em subperíodos, o que não é previsto pelo desconto hiperbólico.

Outras “anomalias” do DU são o efeito sinal (pessoas descontam mais pesadamente ganhos do que perdas), valores menores serem mais descontados, diferenças nas preferências entre atrasar ou adiar um resultado que deveriam ser o mesmo nos dois casos, as pessoas preferirem sequências crescentes (mesmo que o valor presente de uma sequência crescente seja maior), as pessoas desejarem espalhar o consumo ao longo do tempo e o fato de uma escolha afetar uma decisão futura, entre outros resultados anômalos ao DU.

E a questão é: seriam mesmo anomalias? São erros que as pessoas cometem sem perceber ou as pessoas agem dessa maneira, mesmo após ter mais tempo de refletir? O que os autores argumentam é que essas “anomalias” não violam nenhuma ideia sobre como as pessoas deveriam agir e não podem ser considerados como erros apenas por não se enquadraram ao DU.

Modelos Alternativos
O artigo então discute alguns modelos alternativos, algumas relaxando algumas das premissas do DU, outras se desviando dele por completo. O primeiro conjunto de modelos trata de desconto hiperbólico, sendo criados modelos ad hoc para tratar de uma situação específica que pode não ter a ver diretamente com uma alternativa ao DU, como, por exemplo, análise da contratação de um principal ou consumo de drogas. Uma ideia interessante que surgiu nessa discussão é a possibilidade de evitar excesso de consumo com a aquisição de ativos ilíquidos, como imóveis.

Na questão da consistência temporal, alguns modelos ou sugerem total ingenuidade, acreditando que suas preferências não mudam, ou sofisticação, prevendo corretamente como as suas preferências mudam. O desafio que esses modelos se propõem é identificar o nível desses dois comportamentos e quais são as suas consequências.

Outros modelos acrescentam argumentos à função do modelo DU. Modelos de Formação de Hábitos postulam que o consumo passado afeta as preferências por consumo em períodos futuros. Modelos de Ponto de Referência, semelhantes aos Modelos de Formação de Hábitos, partem da Teoria da Perspectiva e procuram explicar várias “anomalias” como o efeito sinal e o efeito magnitude. Modelos de Utilidade Antecipada dizem que as pessoas extraem utilidade da expectativa de consumo futuro, e isso explicaria o efeito sinal e outras “anomalias”, como o desconto de diferentes bens a taxas diferentes. Modelos de Influências Viscerais colocariam em foco fome, desejos, dor e outros fatores biológicos nos modelos de escolha intertemporal, o que pode explicar a variação nas escolhas intertemporais inconsistentes com o modelo DU.

Outros modelos se desviam mais radicalmente do DU. Modelos de Viés de Projeção indicam que as pessoas estimam errado e subestimam as mudanças em suas preferências. Modelos de Contabilidade Mental dizem que as pessoas contabilizam de maneira diferente diferentes tipos de gastos, como compras pequenas e grandes. Nos Modelos de Escalonamento de Escolhas, nota-se que as pessoas tomam várias decisões sem se atentarem para as decisões passadas e as decisões são afetadas pela ordem que as decisões são apresentadas. Essa perspectiva também ajuda a entender porque as pessoas preferem sequências crescentes. Modelos de Múltiplos Egos postulam que decisões inconsistentes são reflexos de conflitos entre diferentes egos das pessoas. Porém, esses modelos são pouco formalizados e geram poucas hipóteses testáveis. Modelos de Utilidade de Tentação dizem que as pessoas experimentam desutilidade quando abrem mão de uma opção agora. No fim, nenhum modelo é muito convincente (nem o DU) e o que está em curso é a interação simultânea entre vários dos fatores apontados como “anomalias” e entre as várias alterações sugeridas pelos diferentes modelos.

Medindo o Desconto Temporal
Algumas tentativas foram feitas para tentar calcular a taxa de desconto temporal, tentativas não exatamente bem-sucedidas pelas (várias) falhas do modelo DU. Alguns tentam observar um comportamento real e tentar calcular a taxa de desconto (“testes de campo”), como, por exemplo, examinar a decisão de comprar um aparelho de ar-condicionado mais barato, mas com menor eficiência energética, ou um mais caro e mais eficiente. Testes de campo não precisam se perguntar se as pessoas agem da maneira prevista, já que são baseados em comportamentos reais, mas podem ser mais difíceis de controlar. Outros tentam estimar a taxa através de experimentos, como perguntar qual seria o valor necessário para abrir mão de uma determinada quantia futura. Porém, analisando vários estudos, nota-se uma enorme variabilidade nos resultados e nenhuma convergência conforme o número de estudos aumenta.

O problema das medições do desconto temporal é que há uma série de fatores embutidos que se confundem com a preferência temporal, mas que não tem a ver com isso. Esses fatores incluem a alocação do consumo (os modelos presumem que aquilo que é recebido é consumido imediatamente, o que pode não ser o caso), ignorância sobre o mercado de capitais (que, existindo e funcionando, deveriam fazer a taxa de desconto convergir para as taxas de juros), o formato da curva de utilidade (que talvez seja côncava, e não linear), incerteza (será que as taxas de desconto temporais não embutem um prêmio por risco?), inflação (outro fator geralmente ignorado) e mudança de utilidade (daqui a cinco anos, por exemplo, o dinheiro pode ser visto como mais importante). Todos esses fatores acabam confundindo o entendimento da taxa de desconto e deveriam ser isolados.

Desempacotando
E a discussão vai além: será que a preferência temporal é um traço de personalidade? Para tal, deveria: 1) ser estável ao longo do tempo; 2) prever o comportamento em uma ampla variedade de questões; 3) ter suas várias formas de medição coerentes umas com as outras. E a preferência temporal falha nos três quesitos.

Por isso, os autores sugerem que a taxa de desconto deve ser desempacotada em motivos mais fundamentais e melhor mensuráveis, como impulsividade, compulsividade e inibição, essas três dimensões podendo ser úteis para analisar os problemas examinados atualmente por modelos de preferência temporal.


Em suma, o modelo DU não tem base empírica, apesar de sua simplicidade e por até fazer sentido, e a verdade é que não temos nenhuma alternativa melhor e há problemas em todas as abordagens já tentadas para analisar as preferências temporais. Ou seja, o assunto ainda é um completo mistério para os economistas e talvez a melhor solução seja abandonar a tentativa de um modelo unificador e adaptar o modelo a cada situação específica que reflita a multiplicidade de motivos inerentes à decisão em análise.

segunda-feira, 3 de março de 2014

CDB com pagamento mensal

Recentemente, um banco lançou um CDB que paga juros mensais de 1% ao mês. Aqui, alguns comentários sobre esse produto.

O primeiro é sobre o próprio cálculo de rentabilidade do produto. A melhor solução para calcular o retorno do título é através da taxa interna de retorno dos juros mensais e a devolução do principal no vencimento. Seria possível acumular os retornos mensais, mas essa não me parece ser a melhor solução, já que esse seria mais um cálculo do desempenho médio do produto do que de retorno efetivo do investidor. (No futuro, pretendo escrever mais sobre essa diferença). Sendo assim, o investidor tem uma percepção errônea ao olhar a taxa anualizada esperada (10,30% a.a. em três anos, 10,43% a.a. em cinco anos) e comparar com a de um produto que paga juros apenas no vencimento. Essa taxa do CDB mensal mostraria o retorno do investidor caso ele reinvestisse os juros mensais à mesma taxa interna de retorno (o que é uma situação irreal; por que alguém receberia juros mensais e reinvesti-los se poderia receber tudo no final?). Ou seja, a taxa de retorno desse produto não é um indicativo da evolução do patrimônio do investidor ao ter aplicado nesse produto (mais sobre isso adiante).

O banco que oferece esse produto não mostra a rentabilidade anualizada/TIR (mas uma reportagem sobre o assunto, provavelmente com orientação do emissor, o fez), e sim a rentabilidade mensal. Isso dificulta ainda mais a comparação, já que a maioria dos produtos (exceto poupança) é expressa em porcentagem anualizada. Ou seja, o pagamento mensal de juros acaba por tornar esse um produto mais complexo de entender, apesar da aparente simplicidade.

E um fator que reduz a rentabilidade do investimento é o pagamento de imposto de renda. São dois fatores em curso aqui: primeiro, a alíquota dos juros recebidos em até dois anos é maior do que 15%, ao contrário de um CDB de dois anos que pagaria 15% apenas no resgate, supondo prazo superior a dois anos. Outro fator é o pagamento antecipado do imposto de renda, sendo melhor você pagar o imposto de renda o mais tarde possível. Mesmo que a alíquota fosse a mesma nos dois produtos, esse segundo fator ainda pesaria contra o pagamento mensal dos juros.

Em números: a taxa interna de retorno do CDB de três anos que paga juros mensais de 1% é de 0,82% após imposto de renda. Um CDB de 12,68% a.a.a que paga juros apenas no vencimento do título junto com o principal têm taxa de retorno de 0,87% a.m. Um CDB que pague 11,93% a.a. (0,94% a.m.) tem a mesma taxa interna de retorno do CDB que paga juros mensais. Aumentando o prazo para cinco anos, a taxa do CDB de juros mensais é de 0,83% a.m., equivalente a um CDB normal de 12,05%.

Para comparar, fiz algumas cotações de CDBs. Em um grande banco, o CDB de três anos pagava no valor de R$ 250 mil 11,512% (não havia opção de cinco anos). Um banco médio que opera com conta digital (permitindo que o investidor pessoa física invista facilmente) pagava 12,50% (quase 1% a.m.) no CDB de 3 ou 4 anos. Além disso, a LTN com vencimento em 2018 paga também 12,50%. Ou seja, uma alternativa pior em termos de rentabilidade, o grande banco, como seria de se esperar, e alternativas melhores em banco médio e Tesouro Direto sem os problemas mencionados nos parágrafos anteriores.

Formação de Patrimônio ou Renda
Outro aspecto relevante a notar é que esse produto não serve para a formação de patrimônio. O investidor compra o CDB por um valor e irá receber o mesmo valor no vencimento, mais os juros daquele mês. Claro que o investidor pode reinvestir os juros, em outro produto ou no mesmo (fazendo um novo CDB), mas, se essa é a intenção, para que comprar um produto que paga juros mensais em primeiro lugar? Mais compensa comprar um CDB com rentabilidade equivalente que paga tudo no vencimento, terminando com um valor futuro muito superior ao valor presente aplicado.

Agora, se a intenção é de conseguir uma renda, esse CDB pode servir para esse propósito. Na verdade, qualquer produto com liquidez imediata poderia ter essa função, basta a cada vez o investidor resgatar o rendimento do mês passado e manter apenas o valor principal. Nesse caso, o CDB de juros mensais ganha pontos em conveniência (já que o “resgate” é automático). E na rentabilidade o CDB de juros mensais também levaria vantagem, já que tem taxa de 12,68% contra os 12,50% do CDB normal que não tem liquidez imediata. No banco médio citado, é possível conseguir liquidez imediata, porém, a remuneração é 100% do CDB, bem menor do que os 12,68% do CDB de juros mensais. A questão passa a ser se para alguém é interessante investir R$ 250 mil em um CDB e conseguir uma renda mensal de no máximo R$ 2.125 (250000*0,01*0,85).


Em suma, esse produto é muito menos revolucionário do que se diz e a parte nova (pagamento mensal dos juros) não é muito boa, exceto se você estiver procurando uma renda, e mesmo assim não é uma renda muito grande (no máximo 0,85% do valor investido, que não deve ser todo o patrimônio do investidor).