quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os cinco frágeis

Cinco Frágeis



No blog da Apogeo, eu escrevi sobre o que se está chamando de Cinco Frágeis, termo cunhado em um relatório do Morgan Stanley e que parece que colou tanto que o FMI e o Federal Reserve começaram a utilizar. E aí que vem o problema. A inclusão do Brasil entre grupos de “frágeis” por parte de órgãos estrangeiros tão importantes suscitaram reações no governo brasileiro.


Não estou familiarizado com o que o Fed falou sobre o Brasil, mas, no relatório do Morgan Stanley, tudo que era dito é que a situação de vários indicadores brasileiros (em especial, contas externas, que pioraram em 2014) indicavam uma fragilidade externa e que isso seria ruim para a moeda brasileira. E, de fato, o Real depreciou fortemente em 2013, inclusive depois da data do relatório, agosto de 2013.


O que muita gente deve ter confundido nessa história de o Brasil fazer parte dos Cinco Frágeis é que isso tem um significado muito restrito. Não quer dizer, por exemplo, que o Brasil é um dos países com maior probabilidade de dar calote, por isso, nem adianta falar em dívida externa líquida negativa.

Armando Castelar analisou a dita fragilidade brasileira e as reclamações dos políticos sobre as declarações do Federal Reserve, que incluem ter ignorado fatores como valor das reservas internacionais, déficit em conta corrente e crescimento do PIB. O Fed, por sua vez, criou um indicador de vulnerabilidade que está correlacionado com a depreciação cambial – justamente o foco da discussão sobre fragilidade. Esse indicador é baseado em seis variáveis:

Saldo em conta corrente como proporção do PIB
Dívida bruta do setor público como proporção do PIB
Inflação anual média nos últimos três anos
Variação nos últimos cinco anos do crédito bancário ao setor privado como proporção do PIB
Relação entre dívida externa total e as exportações
Razão entre as reservas internacionais e o PIB


E como está o Brasil segundo esses indicadores? Castelar tentou reproduzir o índice do Fed (já que não foram fornecidos maiores detalhes metodológicos) e chegou à mesma conclusão do Federal Reserve, que o Brasil está entre os mais vulneráveis, mesmo incluindo os indicadores que os políticos sugeriram que o Brasil está bem. Para mais detalhes sobre os números, ver o texto do Castelar (aqui o link novamente).

Fonte da imagem: Pixabay

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Certificado de Operações Estruturadas

Certificado de Operações Estruturadas

No blog da Apogeo, escrevi um texto sobre o Certificado de Operações Estruturadas. Basicamente, é a transformação de todos os fundos de capital protegido e semelhantes em um outro produto de investimento na forma de certificado e seguindo uma regulação própria. Resta ainda a CVM definir mais detalhes sobre como será feita a distribuição dos COEs.

Sobre esse assunto, só alguns acréscimos. Para entender melhor esse texto, leia antes o texto do blog da Apogeo para entender o que é um COE. Primeiro, como aponta Drom e Strauss (2012), o produto é complexo até mesmo para os especialistas, o que dizer para os investidores. Em seguida, é preciso avaliar o risco de crédito do emissor e o risco de liquidez, os detalhes sobre como liquidar o investimento antes do vencimento ainda não sendo tão claro. Além do mais, é importante diversificar e os autores referidos sugerem no máximo 6,5% em notas estruturadas (nome do COE nos Estados Unidos) e não mais de 1,5% em cada um.

Estrutura de Rentabilidade
Sobre a rentabilidade, o grande atrativo do COE é a limitação de perdas e consequente desempenho melhor durante mercados de baixa. Partindo das evidências de que os investidores são avessos a perdas, parece que esse é um produto que atende as necessidades dos investidores, porém, se você levar em conta que agir assim é pior para o investidor, essa ideia passa a não ser tão boa assim. Muita gente parece confundir como o investidor age (avesso a perdas) com como ele deveria agir em seu melhor interesse (avesso a risco). Se você fica com muito medo de perder e não liga mais para perdas uma vez estando no negativo (situação clássica dos estudos de aversão a perdas), a tendência é perder dinheiro com isso.

Me parece ser esse o caso do COE. Em troca de uma garantia, total ou parcial, você abre mão de parte considerável dos retornos. Em estruturas com barreiras, você pode perder parte considerável da rentabilidade e ficar com apenas o principal (ou seja, perdendo dos juros que poderia ganhar em outra aplicação) ou com uma parcela do ganho caso o índice do COE bata na barreira. E esse é o ponto que mais me incomoda no COE. Em uma carteira tradicional, você sabe os fatores que determinam o retorno da carteira: juros, bolsa, inflação etc. de uma maneira contínua. Juros sobem, seus pós-fixados em juros têm um retorno maior, seus pré-fixados caem. Se as ações que você tem em carteira sobem, você ganha. Agora, com alguns COEs (como esse), você ganha até certo ponto e depois pode perder esse ganho. Quando for marcado a mercado, o investidor tem uma perda na hora em que atinge a barreira e essa perda pode ser abrupta (imagine um COE que estava ganhando 19% até bater na barreira de 20% e voltar para 0% ou para 10%, por exemplo). Você ainda está no lucro ou não perdeu nominalmente, mas enxergando na figura completa, você tem uma perda quando o COE atinge a barreira.

Se a pessoa quer investir em ações, mas tem medo, o mais adequado é limitar a sua exposição investindo uma parcela pequena em ações. Recorrer a truques como estratégia do custo médio ou produtos estruturados não vão ajudar na verdade. Ou seja, a segurança do principal oferecida pelos COEs me parece psicológico, e não algo que vai melhorar a carteira do investidor.

Precificação
Estudos mencionados por Deng e Dullaney (2014) analisaram a precificação das notas estruturas (com uma informação adicional interessante: em 2013, foram emitidos mais de US$ 40 bi em notas estruturadas). A conclusão geral foi a de que há um grande erro de precificação nas notas estruturadas, desnecessário dizer que em favor do emissor. Esse erro de precificação é em relação ao custo de proteger essa posição. O COE (ou a nota estruturada) é um passivo para o banco e um ativo para o aplicador. É utilizado como uma fonte de captação de recursos, mas entre o pagamento do valor devido e a venda do COE, o emissor protege essa posição com derivativos. O erro de precificação vem do fato do custo do hedge é menor do que o que é oferecido no COE. Ou seja, se o investidor sintetizasse o COE teria um ganho maior (se é possível ou não um investidor específico sintetiza a posição é outra história). Outra informação interessante é que o Lehman Brothers utilizou bastante de notas estruturadas meses antes de quebrar. A complexidade do produto ajuda a vendê-lo por um preço desfavorável ao investidor.

O foco de Deng e Dullaney é analisar os retornos efetivos dos produtos estruturados. Eles analisaram uma série de produtos estruturados, chegando a um número pouco superior a 20 mil entre 2007 e 2014. Eles avaliam as notas estruturadas com o modelo mais adequado para cada uma das quatro classes de notas (não cabe aqui entrar em maiores detalhes) e com o valor justo das notas foram construídos os índices utilizados na análise. O peso de cada produto no índice é determinado pelo valor de mercado dele.

O gráfico abaixo mostra o desempenho do índice de produtos estruturados (SP Index) e as ações e renda fixa.
Produtos Estruturados

Fonte: Deng e Dullaney (2014)

Pela inspeção visual do gráfico, os resultados são bem claros. Separando por subcategorias de produtos estruturados, a única que teve desempenho próximo ao das outras classes de ativos foi a Tracking Securities, que são semelhantes às opções de compra. E, em termos de Índice de Sharpe, essa categoria não chegou nem perto nem das ações e três índices de produtos estruturados (inclusive o agregado) estão com Sharpe negativo. Outras análises só reforçam o mau desempenho dos produtos estruturados.

O erro inicial de precificação certamente afeta o retorno dos produtos estruturados. Eliminando esse erro inicial, o retorno dos produtos estruturados melhora significativamente, embora, mesmo assim, continuem tendo um desempenho inferior ao das ações e da renda fixa.

A correlação entre os produtos estruturados, no agregado e individualmente, e o S&P 500 é elevadíssima (acima de 90%). A consequência disso é que os produtos estruturados não são capazes de melhorar a alocação de ativos ao expandir a fronteira eficiente. Mesmo que tivesse um desempenho ruim, uma correlação baixa com ações permitiria que o produto estruturado entrasse na carteira do fundo ao permitir um ganho de diversificação, mas não é isso o que ocorre. E mal dá para chamar de uma classe de ativos própria, e sim uma modificação das ações.

Conclusão: uma simples carteira que misture ações e renda fixa superam os produtos estruturados na média e na maior parte do tempo.

Conclusão

Na minha opinião, o COE pode ser um produto mais de oportunidade do que para compor uma carteira de maneira consistente. Uma das fontes de oportunidade é se expor a um fator de risco (commodities, por exemplo) que não é tão fácil assim de conseguir em investimentos acessíveis ao investidor pessoa física. Dependendo do que for oferecido (e isso fica na mão do banco emissor), o COE pode até ser interessante para o investidor, mas as características da evolução da rentabilidade complica analisar o COE do ponto de vista da alocação de ativos. Se for contar o erro de precificação e a rentabilidade histórica, conforme visto acima, o COE se torna ainda menos atrativo.